
A profusão de ritmos que compõem a música afro-latino-americana é sinônimo de riqueza cultural, ancestralidade e história de inúmeros povos que trazem a sonoridade no DNA, na veia, no dia a dia. Passando pelo semba angolano, que leva ao samba; pela cúmbia, nascida nas áreas rurais da Colômbia, antes de ganhar o mundo; pela rumba cubana, caribenha; pelo maracatu, outro de origem africana, materialização do folclore brasileiro; é essa mistura de sons que, feita com paixão e conhecimento, leva a banda mineira Paiol de Tonha a atrair dezenas, centenas, de fãs aos shows que vem retomando, com o avanço da vacinação contra a Covid-19.
Antes mesmo de retornar às apresentações presenciais, o grupo viu que precisava inovar, criar, investir nessa bagagem de ritmos afro-latino-americanos que vem adquirindo, à qual vem se dedicando, e gravou em estúdio o primeiro EP, no começo deste ano, que está sendo lançado agora. “Amarillo Mango” traz três canções autorais, todas elas convidativas ao remelexo, à ginga, daquelas que não deixam ninguém parado.
Herança

Luiz Paulo Ramos, baterista da Paiol de Tonha, é ex-integrante da Banda Berimbrown e egresso do Grupo Uakti
Composto pelo multi-intrumentista, cantor e compositor Luiz Paulo Ramos, ex-integrante da Banda Berimbrown; com formação musical, inclusive, nas odes do lendário Grupo Uakti; pelo compositor, vocalista e violonista Marcelo Carvalho; e pelo compositor e guitarrista Daniel Filho, Paiol de Tonha é fruto das histórias familiares musicais de seus integrantes, que os levaram a se encantar e a mergulhar na sonoridade afro-latina.
Filho e neto de índios Pataxó, o baterista Luiz Paulo Ramos se orgulha de trazer em si a musicalidade e ludicidade desse povo. “Essa minha ancestralidade se fundiu com a cultura dos povos africanos. Todos nós, com a nossa brasilidade, assimilamos a ancestralidade da música africana”, pondera o músico.
Seu avô Caetano Avelino Ramos tocava todos os instrumentos de sopro existentes. Os irmãos Serginho Beagá e Marquinhos Ramos são nomes conhecidos na cena musical mineira. E o mestre de cavaquinho Valdir Silva, um dos compositores e instrumentistas mais celebrados do país, também era da família, primo de Luiz Paulo.

Marcelo Carvalho conta que sua primeira influência musical foi o próprio pai, tocador de violão dos bons, ligado à música nordestina, a ritmos como baião e xaxado. O vocalista já teve banda de rock, de reggae e até bloco de carnaval, o Chega o Rei, que toca só Roberto Carlos.
Daniel Filho também revela que é de família de músicos, das rodas de samba animadas, e que desde criança tinha um instrumento à vista. “Eu estava sempre brincando com um instrumento. Meu amor pela música foi crescendo tanto que eu queria tocar o tempo todo”, detalha o guitarrista.

Primeiro EP
Criada em 2018, a banda Paiol de Tonha fez shows até o dia 12 de março de 2020, antes da pandemia. No começo deste ano, os três integrantes do grupo viram que precisavam inovar, dar um passo à frente, e decidiram pela produção do EP “Amarillo Mango”, com três músicas autorais.
E todas as composições do álbum são dançantes, amparadas em ritmos calientes da música afro-latino-americana.
Abrindo o EP, “Que Que Tem? (Tá que tá)” – clique e ouça –, define Marcelo Carvalho, usa uma afiada ironia cômica para retratar o momento de um Brasil tomado pela insegurança e, à sua maneira, segurando as pontas do jeito que consegue.
“Tereza” é um balanço afro-brasileiro, na sua mais pura tradução. “Enaltece a beleza feminina que há em todos os que se deixam levar pelo suingue da Paiol de Tonha”, aponta ainda Carvalho.
Fecha o álbum a charmosa cúmbia “En Calorado”, que fala de um amor que se revela ao longo dos versos, pelo calor intenso e boêmio.
Onde curtir
As canções de “Amarillo Mango”, que podem ser apreciadas no YouTube, já são tocadas pela banda em suas apresentações, especialmente às quinta-feiras, no Saruê, que fica no bairro Castelo, em BH.

Capa do primeiro EP da banda Paiol de Tonha, que traz canções autorais de extrema originalidade
“A gente é uma banda de rua, toca na rua. Não é aquela coisa presa a pilares, a conceitos. O Brasil está precisando de mais coisas assim. Ficamos muito reféns da tecnologia”, pondera Luiz Paulo Ramos, com o cacife de quem foi aluno do Uakti, um dos grupos instrumentais mais criativos que o país já viu.
Na mesma linha, Daniel Filho defende a busca constante de originalidade ao se fazer música: “A guitarra paraense, por exemplo, é um jeito de tocar que existe no Brasil, mas que a gente deixa de lado, pela influência do rock”, considera ele.