'Pais' e filhos: construção da relação com enteados não precisa ser bicho-papão

Patrícia Santos Dumont
pdumont@hojeemdia.com.br
04/10/2018 às 11:50.
Atualizado em 10/11/2021 às 02:47
 (Eduardo Franco/Divulgação)

(Eduardo Franco/Divulgação)

A formação de núcleos familiares que agregam enteados impõe um desafio para todos da casa. Mais do que dispostos a construir uma identidade conjugal, o novo casal precisa aprender a lidar com a “chegada” do herdeiro da relação anterior. Como fazer dar certo? Maturidade e responsabilidade são fundamentais para preservar a harmonia da família. 

Um dos cuidados mais importantes reforçados pela psicóloga Daniela Queiroz é conservar e respeitar a figura e o papel do gerador biológico, independentemente da função que será desempenhada por madrasta ou padrasto. “Não existe ex-pai nem ex-mãe e isso deve estar claro. O que não significa que o parceiro novo não possa se colocar diante daquela criança. Aliás, deve. Importante é definir bem os papéis”, explica a especialista em psicologia positiva. 

Na casa da empresária e enfermeira Roberta Azevedo Carneiro, de 35 anos – mãe de Pedro, de 15 anos, fruto de um relacionamento anterior –, é exatamente assim que funciona. Ao casar com o analista de sistemas Daniel Oliveira Nascimento, da mesma idade, ela fez questão de estabelecer “funções”. 

“O Dan sempre ajudou muito e com muito respeito, se posicionando desde o início e mostrando que tipo de relação queria construir com o Pedro. Por mais que o pai não esteja tão presente na relação com o filho, ele existe e esse é um marco que foi muito bem construído”, diz.Eduardo Franco/Divulgação

CUMPLICIDADE – Casados há 5 anos, Roberta e Daniel definiram papéis para conduzir a criação de Pedro, filho dela de um relacionamento anterior


Responsabilidades

Estabelecer atribuições – responsabilidade que cabe ao pai ou mãe biológicos, individualmente, ou ao novo casal, em conjunto – está longe de ser sinônimo de escolher um lado para ficar. Participar da vida do enteado inclui auxiliar nas escolhas, na educação, aconselhar e amar, a despeito do parentesco, diz Daniel, que “adotou” o enteado há nove anos, quando conheceu a esposa.

“Se a criança tiver um pai biológico presente o suficiente, é se colocar como irmão mais velho ou tio a quem deverá respeito e obediência. Do contrário, a postura deve ser de pai, evitando transferir decisões para a mãe e assumindo a responsabilidade por elas”, afirma.

24% das uniões formalizadas no brasil são recasamentos – quando pelo menos um dos cônjuges é divorciado ou viúvo; os dados correspondem às estatísticas de 2014, registradas pelo IBGE

Psicóloga infantil e familiar, Daniela Salum acrescenta ainda o valor da importância dada à criança. Para ela, filhos, sejam eles de relações atuais ou já desfeitas, devem ser prioridade. 

“Quando o cônjuge conhece e entende a relação do parceiro, aceitando a presença da criança na vida dos dois, a convivência fica mais fácil e saudável”. 

Prioridade

Foi partindo dessa ideia que a dentista Patrícia Carneiro Moraes, de 35 anos, decidiu buscar um parceiro que já fosse pai. Mãe de Manuela, de 8 anos, de quem tem a guarda, ela casou-se há dois meses com o empresário Rafael Castro Cavalieri, de 39, pai de Gabriela, também de 8 anos. A menina vive com a mãe biológica. 

Recém-estabelecido, o vínculo da nova família é baseado na cooperação de todos, que convivem harmonicamente e de forma bem natural. 

“O mais difícil é colocar limites na Gabi, que não é minha filha. Faço isso com muito diálogo, explicando como funciona na nossa casa sem apontar problemas na maneira como as coisas acontecem na casa dela. Tento desempenhar um papel de amiga, mas mantendo a parceria com o pai dela”, explica. 

Sobre a convivência diária da pequena Manu com o padrasto, o caminho foi natural, destaca o pai postiço. 

“O ideal é que a transição seja feita de forma gradual e que se construam vínculos afetivos baseados no amor e no respeito” - Marina Simas de Lima, terapeuta de casal e família

“O segredo para estabelecer um relacionamento com confiança e amizade é agir com transparência. Na minha opinião, o maior desafio é passar por cima do apego que muitos têm à perda (separação dos pais biológicos). Com o andar da carruagem, a insegurança vai cedendo lugar à tranquilidade”, afirma.Arquivo Pessoal

MESMA HISTÓRIA – Patrícia e Rafael já eram pais - de Manuela (abaixo, à esquerda) e Gabriela, respectivamente, quando se conheceram; respeito à história do outro foi fundamental

Harmonia das novas famílias evita insegurança nos filhos

Enxergar o fruto da relação anterior como elo entre os ex-companheiros é um erro que pode colocar em risco a harmonia familiar. Projetar ciúme e insegurança na criança fragiliza não só a convivência dela com a nova família como afeta também o equilíbrio do relacionamento a dois. 

Mãe de João Victor, de 17 anos, fruto de um relacionamento passado, a assistente social e empresária Paola Rodrigues Ribeiro Machado, de 39 anos, sempre colocou o primogênito em primeiro lugar, mesmo após assumir um compromisso, 11 anos atrás, com o atual marido, Cláudio da Silva Machado, de 47 anos. 

Ela conta que nunca houve espaço para inseguranças nem desconfiança por parte do companheiro, que topou de imediato a condição de formar uma família com um filho “postiço”. “Já chegamos a fazer reuniões com o pai biológico e a esposa dele para decidir questões importantes na vida do João. Os conflitos, quando aparecem, estão ligados a divergências de opinião quanto à educação. Nada que vire problema”, comenta. 

“Fundamental que o pai ou mãe biológico se posicione sobre o papel que o novo companheiro assumirá naquela família” - Daniela Queiroz, psicóloga especialista em psicologia positiva

Para Cláudio, que há 6 anos tornou-se pai novamente (ele também tem um filho de outro relacionamento), desta vez com Paola, transparência e naturalidade são fundamentais para seguir adiante de forma saudável, assumindo ou não a posição de padrasto. 

“Sinto-me com um pouco menos de autoridade educativa, mas o fundamental é que a relação seja transparente e baseada em muito diálogo. Padrasto, para mim, é uma palavra que não existe. Se está sob o mesmo teto, na mesma família, e é filho da minha esposa, é meu também”, enfatiza.

No lugar do outro

Psicóloga infantil e familiar, Daniela Salum diz que tão importante quanto cuidar da nova formação conjugal, ou seja, do relacionamento a dois propriamente dito, é colocar-se no lugar da criança e dar a ela o suporte necessário para enfrentar as novidades que estarão por vir. 

“O filho não tem que carregar um peso maior do que o que já é natural, da desconstrução da família. Ter esse cuidado e considerar o momento, que já é bastante difícil, é manter o foco na criança e não nas mágoas e mazelas que possam ter ficado”, argumenta.

“Uma grande questão é o ciúme que o companheiro tem da antiga relação. Passa a transferir a insegurança para a criança” - Daniela Salum, psicóloga infantil e familiar

Lucas PratesDIÁLOGO – Na família de Paola e Cláudio, que acolheu João (de vermelho) como filho, não há espaço para ciúme nem insegurança; casal também é pai de Marcos, de 6 anos

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