Por trás da fofurice: clicar recém-nascidos requer formação específica e jogo de cintura

Patrícia Santos Dumont
pdumont@hojeemdia.com.br
14/04/2018 às 15:38.
Atualizado em 03/11/2021 às 02:20
 (Pedro Gontijo)

(Pedro Gontijo)

Todo mundo se derrete ao ver fotos bem produzidas de recém-nascidos nas redes sociais. Mas pouca gente sabe que por trás dos cliques fofos há muito mais do que a escolha do melhor ângulo e dos acessórios para compor a imagem. Profissionais especializados em ensaios newborn estudam a anatomia do bebê, fazem cursos de primeiros-socorros e precisam ficar atentos a qualquer desconforto apresentado pelo “modelo” durante a sessão de fotos.

Expert em clicar bebês que acabaram de sair da barriga das mães, Paula Beltrão é detalhista do início ao fim dos ensaios, cuja duração vai de 1h30 a 2 horas. “O que demora é o processo do bebê, que pode querer mamar, fazer xixi. Tem que ser tudo no tempo dele e feito de forma bem respeitosa, afinal a recordação tem que ser boa”.

A definição dos critérios pela profissional, uma das mais requisitadas de BH, começa antes mesmo de mãe e filho chegarem ao estúdio. Além de escolher uma data próxima do nascimento da criança – entre 8 e 12 dias é o ideal –, a mãe não deve amamentá-la em horário tão próximo do combinado para as fotos. Assim tenta-se evitar que ele regurgite ou faça xixi e cocô.

Vida intra-uterina

Outro cuidado importante é ficar atento às extremidades do bebê, que podem ficar arroxeadas com o passar do tempo, em função da pouca circulação de sangue. Nesse caso, mudar de posição é inevitável, explica Paula. “Procuramos manipulá-los o mínimo possível, já que eles passam a maior parte do tempo dormindo. Se mãos ou pés estiverem roxinhos, é hora de mudar de pose”, enfatiza, lembrando a importância dos primeiros-socorros, caso sejam necessários em qualquer situação.

Nos ensaios newborn, a principal premissa é deixar o recém-nascido confortável. Para isso, também são usadas técnicas pouco conhecidas por quem não trabalha com modelos tão novinhos. “Usamos sempre esse barulho de secador de cabelo, que é chamado de ruído branco e que acalma o bebê, pois lembra o som do útero da mãe”, revela Paula, ao explicar o motivo de ter ao lado dela o celular ligado com o som alto.Pedro GontijoPaula Beltrão diz que melhor do que manipular o bebê para ter novos cliques é modificar os ângulos numa mesma pose: criança fica mais confortável

O local onde as fotos são feitas também é rigorosamente preparado. Além de ser esterilizado a cada novo ensaio, fica quentinho – entre 25°C e 27°C – e úmido para não afetar temperatura e saúde do bebê. Na sala ficam fotógrafa, assistente e pais caso queiram.

A profissional também tem dois macetes especiais caso o bebê chore ou acorde durante as fotos. Na primeira situação, bater de levinho no bumbum dele, niná-lo próximo ao peito, o que remete à vibração das batidas do coração materno. Para o segundo caso, a saída é partir para as fotos no wrap (embrulho, na tradução para o português), em que o recém-nascido fica bem apertadinho e se sente mais seguro e acalentado. 

Ensaios devem ser planejados conforme o gosto e as particularidades de cada família

Fotógrafa profissional há 20 anos, Lau de Castro não abre mão de usar a formação em psicologia na hora de planejar os cliques dos ensaios newborn. Segundo ela, tão importante quanto observar os cuidados com higiene e segurança é proporcionar uma recordação que tenha personalidade e não simplesmente que siga tendências. Nessa hora, um bom contato com os pais do bebê faz toda a diferença. 

Em um trabalho recente, por exemplo, ela usou uma calopsita de crochê para criar um ambiente que fosse a cara dos pais e, portanto, do novo lar do pequeno Otto. “Se a pessoa tem a oportunidade de me receber na casa dela, melhor ainda. Assim, consigo inserir itens, como objetos decorativos, que tenham a ver com a história daquela família”, comenta. Lau de Castro/Divulgação

Lau de Castro procura utilizar elementos que tenham a ver com a história da família; pais de Otto têm duas calopsitas em casa

Não interferir na naturalidade da criança também é outro ponto importante e que não deve ser ignorado, lembra a profissional. “A principal função da foto de recém-nascido é guardar a memória daquele ser tão pequenininho e proporcionar uma lembrança gostosa, principalmente para a mãe. São momentos que passam muito rápido”, diz. 

Ter o auxílio de um ajudante também é indispensável, já que determinadas posições – como a do sapinho, em que o neném reproduz a postura de repouso do anfíbio – requerem ajustes feitos durante os cliques. Em casos como esse, desviar os olhos do recém-nascido é falha grave, assim como ligar o ar condicionado ou agendar a sessão de fotos para dias próximos de testes e vacinas, alerta. 

Programar o ensaio fotográfico para a parte da manhã também é um cuidado tomado por Lau de Castro. Segundo ela, as chances de contratempos como cólicas afetarem a produção diminuem. “Fico com mais tempo livre para trabalhar tranquila, respeitando o tempo do bebê”, diz. Lau de Castro/Divulgação

Fotógrafa com 20 anos de experiência, Lau procura se interar do universo da criança e da família antes de partir para os cliques

Respeitar limites e tempo da criança é fundamental

Embaixadora em Minas da Associação Brasileira de Fotógrafos de Recém-nascidos (ABFRN), Mari Siqueira, enfermeira por formação, diz que o principal segredo do trabalho é ter paciência. Segundo ela, quem define o que será ou não feito durante as sessões é o bebê. Para ela, independentemente do estilo das fotos ou do desejo da família, respeitar o limite e o tempo da criança é fundamental, bem como conhecer a fisiologia dos bebês e ter o máximo de informações sobre flexibilidade, gases e cólicas, por exemplo. 

“Se viramos ou deixamos o bebê com a cabeça e o corpo na mesma linha propiciamos refluxo e ele acaba ficando bravo. Mas se inclinamos a cabeça a 30 graus, ajudamos a evitar esse desconforto”, ensina. Ficar de olho nos movimentos feitos para criar as posições ideais para a foto é outro cuidado importante que não deve ser ignorado. 

Segundo a fotógrafa, como os bebês não têm coordenação motora, certos movimentos podem assustá-los. “Saber que ele têm determinados reflexos ao toque é muito importante para controlá-los durante os cliques”, completa. 

Cada sessão da fotógrafa Mari Siqueira dura entre 2h30 e 3 horas. Dentre as situações vetadas nos ensaios dela está o uso de objetos de vidro, que colocam em risco a segurança do bebê. Um parâmetro importante na hora de escolher um profissional, segundo a fotógrafa, é o preço. “O valor é diretamente proporcional à qualidade e segurança oferecidos”, afirma. Mari Siqueira/DivulgaçãoMari Siqueira toma bastante cuidado com o bem-estar e conforto dos pequenos modelos e jamais usa objetos que possam provocar acidentes

Ponto a ponto:

Confira 10 cuidados essenciais nos ensaios newborn, conforme a Associação Brasileira de Fotógrafos de Recém-nascidos:

1- Nunca deixe o bebê sozinho. A criança deve estar sempre ao alcance das mãos de um adulto responsável por cuidar dele, seja o fotógrafo, seja um assistente ou um dos pais. Apesar de ser pouco provável, é possível que ele tenha um reflexo, estique as pernas ou faça algum movimento inesperado que pode desequilibrá-lo ou colocá-lo em risco.

2- Verifique a segurança dos materiais e acessórios usados. São recomendados materiais macios, confortáveis e que não apresentem risco de quebra. Jamais devem ser usados objetos de vidro ou louça. Nas poses em que o bebê fica pendurado em tecido ou rede, é importante testar a integridade do suporte com um peso que seja pelo menos o dobro do bebê, por pelo menos dez minutos. É importante suspender o bebê a até 20 centímetros sempre sobre um pufe ou com as mãos de um adulto por baixo.

3- Cuidado e atenção constantes com a higiene. Recém-nascidos têm sistema imunológico frágil e, por isso, estão mais suscetíveis a infecções. É imprescindível higienizar as mãos antes e durante a sessão de foto, além de manter o ambiente e os materiais que entrarão em contato com o bebê bem limpos. Caso ele use chupeta, mantenha um recipiente limpo para colocá-la quando não estiver em uso.

4- Alergias. Apesar de ser pouco provável que o bebê desenvolva alergias devido ao contato com mantas e cobertores durante a sessão, é importante que todos os materiais sejam lavados com sabão neutro apropriado para recém-nascidos.

5- Cuidado e atenção com a circulação sanguínea. É comum que recém-nascidos tenham a circulação sanguínea diminuída nas extremidades, por isso, é importante atenção redobrada às alterações de coloração durante as poses. Caso mãos ou pés fiquem vermelhos ou arroxeados, é necessário retirar o bebê da posição para a circulação voltar ao normal.

6- Poses elaboradas requerem montagens fotográficas. A cabeça de um recém-nascido é bem pesada em relação ao corpo, podendo representar um terço do peso total. Por isso, em todas as poses em que o bebê fica na vertical (ou com a cabeça apoiada nas mãos) é necessário que ele esteja seguro o tempo todo, jamais ficando sozinho. Nesses casos, é necessário que o profissional faça uma montagem fotográfica com duas ou mais imagens, nas quais o bebê tenha sido apoiado em pontos diferentes.

7- Atenção para reflexos primitivos. Recém-nascidos têm alguns reflexos específicos para garantir a sobrevivência fora do útero. O reflexo de busca, por exemplo, acontece quando se encosta na bochecha e ele vira o rosto para procurar o seio materno. Se estiver em sono leve ou com fome, poderá fazer isso durante a pose, ocasionando um movimento brusco, como rolar para a frente. Outra reação importante é o reflexo de encurvamento do tronco, ou reflexo de Galant. Quando a criança está de bruços e é tocada nas costas (ao longo da espinha ou nas laterais acima dos rins), flexiona o tronco para o lado tocado e se desequilibra. É importante que os pais não toquem ou acariciem as costas do bebê durante o ensaio.

8- Atenção às limitações pessoais de cada bebê. Se o profissional perceber que o bebê está resistindo a uma posição ou se ele começar a chorar e resmungar, mude-a. Isto é importante para garantir o conforto e evitar o risco de machucá-lo ao forçar determinada pose.

9- Atenção à temperatura e umidade do ar. Antes de tirar a roupa do recém-nascido, é importante verificar se o ambiente está na temperatura ideal. Ambientes muito secos e quentes podem levar à desidratação do bebê.

10- Verificar o estado geral de saúde do bebê. O fotógrafo precisa se informar com os pais sobre o estado geral de saúde do bebê, problemas congênitos, má formação ou qualquer outro problema que possa interferir nas poses. É sempre melhor pecar pelo excesso de zelo, pois algumas vezes a ansiedade dos pais por fotos bonitas pode ofuscar a preocupação com a segurança.

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