'Spiritfarer' fala da morte de forma singela e reflexiva, sem violência

Marcelo Jabulas
@mjabulas
04/09/2020 às 19:00.
Atualizado em 27/10/2021 às 04:27
 (Thunder Lotus)

(Thunder Lotus)

A visão mitológica de Caronte, o barqueiro de Hades, é sombria e assustadora. Em sua canoa, ele leva as almas para além mundo. Ao longo da história, o personagem sempre foi retratado de forma jocosa. A representação de Caronte no afresco O Juízo Final, de Michelangelo, revela um ser grotesco e avarento. 

Na Divina Comédia, de Dante Alighieri, o barqueiro é uma criatura medonha com olhos de fogo, que sempre estica a mão esquerda para cobrar o pedágio dos mortos. No entanto, foi nesse ser de pouca simpatia que Thunder Lotus Games criou Stella, a protagonista de “Spiritfarer”, game que estreou na segunda quinzena de agosto para PC, PS4, Xbox One, Switch e Google Stadia.

A história

Em “Spiritfarer” Stella é a barqueira das almas. Mas a menina não tem olhos de fogo e nem formas bestiais descritas pelos gênios florentinos. Muito pelo contrário. Stella foi escolhida para ser a spiritfarer, que numa tradução literal significa espírita. 

Sua missão é navegar em busca de espíritos e conduzi-los para o paraíso. A jovem argonauta conta com a companhia de Daffodil, um gato, que podemos dizer que seria a representação do cerberus, o cão de várias cabeças, que não deixa que os mortos fujam do inferno.

O gato e o barco

Mas Daffodil, que é o nome da flor narciso em português, está longe de ser uma criatura monstruosa. Aliás, tudo em Spiritfarer é singelo. Até mesmo o touro bonachão que comanda o estaleiro, onde Stella pode fazer melhorias em sua embarcação.

E por falar em barco, a nau de Stella é um veículo surrealista em que ela pode construir diferentes cômodos e instalações para atender aos desejos dos espíritos, que têm formas de animais hominídeos. Com o passar do tempo, o navio se torna uma espécie de vilarejo.

Gameplay

Para poder proporcionar os últimos desejos dessas almas perdidas pelo mapa, o jogador precisa coletar recursos. Pescar, cultivar, conseguir madeira e demais insumos. Muito parecido como qualquer game de estratégia ou sobrevivência. No entanto, com uma temática bem leve. São eles que garantem a expansão da embarcação.

A protagonista conta com uma esfera de luz que se transforma em diferentes ferramentas. Vara de pescar, remo e o que mais ela precisa para ajudar em sua missão. Já seus gráficos em tom cartunesco, assim como a trilha sonora suave, criam um ambiente singelo. Não há violência no jogo. Até mesmo quandos e navega na noite, em que é possível coletar espectros, o game não se torna assustador.

Cumprir com os objetivos não é difícil. O game oferece muitos diálogos, que valem a pena ser lidos. Apesar de não serem traduzidas para o português, as conversas dão sentido ao jogo. Revelam os dramas dos personagens e enriquecem a história. Sem elas seria apenas pegar um item aqui, outro ali, construir acolá e pronto. 

Palavra Final

“Spiritfarer” é um game diferente das produções habituais. Tem uma dinâmica própria, não corre contra o relógio e não coloca o jogador contra as cordas a todo instante. Ele fala sobre a morte, que é um elemento constante na grande maioria dos jogos. A morte, como em muitos games, é o fio que tece a trama, mas de forma diferente. Stella não destrói seus inimigos. 

Nesse jogo, a morte não é a punição do herói sobre o vilão ou imposição do mais forte sobre o mais fraco. Pelo contrário, ela salva os espíritos, se desdobra para quem realizar seus últimos desejos. É um game que abre espaço para discussões filosóficas sobre o tema. 

De certa forma, era o que o barqueiro sempre tentou mostrar na mitologia, mas sem o devido reconhecimento da história. Afinal, temer a morte é mais fácil do que tentar compreendê-la.

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