Treinamento sem choque: neurofeedback ajuda a resolver raiz de distúrbios, sem remédios

Patrícia Santos Dumont
pdumont@hojeemdia.com.br
08/11/2018 às 14:40.
Atualizado em 28/10/2021 às 01:41
 (Flávio Tavares)

(Flávio Tavares)

Tão importante quanto movimentar o esqueleto é treinar o cérebro. Técnica que se baseia em espécie de reprogramação do principal órgão e centro do sistema nervoso do corpo humano a partir de padrões apresentados por ele, o neurofeedback ajuda a tratar doenças e aumentar a performance do paciente, melhorando concentração, agilidade e até o raciocínio. 

Realizada em consultório de profissional habilitado, a sessão dura cerca de uma hora. Sem necessidade de anestesia ou preparação, o método criado por um pesquisador japonês vem se mostrando positivo, inclusive, para tratar desordens neurológicas ou de fundo emocional. 

Neuroterapeuta em Belo Horizonte, Tuiã Linhares explica que o atendimento traz resultados imediatos e de longa duração. “São conectados sensores à cabeça do cliente, que ficam, por sua vez, ligados a um software por meio do qual temos acessos às frequências cerebrais. Num primeiro momento, fazemos a leitura das áreas com atuação insatisfatória e, portanto, nas quais, precisamos atuar”, explica o especialista.

Paciente dele há cerca de quatro meses, o estudante João Pedro Rodrigues Gonçalves, de 22 anos, buscou o método para aliviar a ansiedade e melhorar as notas na escola. “A mudança é sutil, mas quando nos damos conta já evoluímos bastante. Antes, tinha um branco toda vez que ia fazer prova. Agora, me sinto mais ágil, seguro e rápido. Até o raciocínio melhorou”, comemora.

Como funciona

Na prática, as sessões (de uma a duas vezes por semana e por período entre seis e dez meses) acontecem da seguinte forma: dependendo do tipo de habilidade que o cliente deseja treinar ou do problema de saúde que precisa tratar, ele é colocado diante de um filme – pode até ser escolha própria –, de um game ou até de uma música.

São monitoradas as respostas cerebrais a cada estímulo recebido e transmitidos, então, os feedbacks – que dão nome à técnica –, conforme as reprogramações que serão executadas. “O objetivo é reprogramar o comportamento cerebral modificando padrões considerados disfuncionais para cada cliente”, detalha Tuiã.

Basicamente, é como se o cérebro recebesse recompensas toda vez que reagisse da maneira esperada por cliente e profissional, portanto de forma positiva, ou que fosse penalizado quando agisse de maneira contrária, com uma resposta negativa. No caso de um filme, por exemplo, a “punição” poderia ser a diminuição da intensidade da luz da tela.Flávio TavaresEletrodos conectados à cabeça transmitem resultados dos impulsos criados por jogos, filmes ou músicas no cérebro do paciente, explica Tuiã Linhares, que atende em BH

Resultados

O agente de viagens Frederico Antônio Ferreira Vitor, de 33 anos, também teve uma experiência positiva ao apostar na técnica como última cartada para tratar uma depressão severa e as dores provocadas pela fibromialgia.

O resultado, além da redução do número de remédios usados, foi aumento da autoestima, da concentração e uma mudança radical no convívio com as pessoas. “Ainda uso três de oito medicamentos que eram necessários antes e faço controle da dor com um clínico. Mas o mais bacana é que o método trabalha nossas emoções e dificuldades sem que a gente precise falar sobre aquilo, como no consultório de um psicólogo”, comenta.

Depois de um ano de tratamento, Frederico Antônio conseguiu parar de fumar, deixou a bebida alcoólica, voltou a dormir bem e a conviver socialmente e ainda emagreceu oito quilos. 

As sessões de neurofeedback não substituem outros tipos de tratamento e podem ser feitas por qualquer pessoa que deseja solucionar um problema de saúde, melhorar algum aspecto da vida ou até mesmo aprimorar habilidades. Cada sessão, que tem duração média de uma hora, custa cerca de R$ 150. 

Treinamento, baseado na “leitura” das ondas cerebrais e no feedback em resposta a elas, ajuda a tornar o cérebro mais flexível às necessidades de cada pessoa. Estímulos podem ser feitos a partir de jogos, filmes ou de uma música

 Método requer equipe multidisciplinar e manutenção

Psicóloga pós-graduada em neuropsicologia, diretora clínica da Neuroglia, em Belo Horizonte, Janethe Ramos explica que os resultados da ferramenta são mais eficazes não só quando associados ao atendimento multidisciplinar, feito por outros profissionais, incluindo médicos, mas quando é feita uma manutenção do tratamento, que varia caso a caso.

“É como se fosse uma academia, pois nós temos uma tendência de voltar ao estado natural. O cliente vai ao consultório fazer dois treinos por semana, mas precisa manter uma constância até que o cérebro entenda a nova forma de funcionar. Sempre que ele fizer ou não o que precisa terá algum tipo de feedback”, explica a profissional, formada em biofeedback e neurofeedback e técnica em encelefalografia.

Segundo ela, estudos mostram que alguns sintomas apresentados pelo cliente antes das sessões, sobretudo ligados a traumas emocionais, costumam voltar com o passar o tempo, daí a importância de dar continuidade ao tratamento. “Ensinamos ao cérebro a ser mais flexível. Não significa que vai parar de produzir aquela frequência, mas que ficará mais adaptável”, afirma.

Parceria

Segundo a psicóloga, a maioria dos clientes atendidos na clínica de BH são encaminhados por outros profissionais, sobretudo médicos. “Não faço diagnóstico”, reforça, enumerando problemas de saúde cujo tratamento pode ser realizado com o neurofeedback. “Depressão, síndrome do pânico, TOC, fibromialgia, TDAH, dislexia, insônia, neuropatias e dor crônica”. 

Doença crônica que inclui dificuldade de atenção, hiperatividade e impulsividade, o Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) é, conforme a profissional, um dos casos mais comuns com resultados positivos alcançados com o método no mundo inteiro. 

Nesses casos, a proposta do neurofeedback é treinar o intelecto para que a pessoa consiga sustentar determinado esforço mental por mais tempo. Ou seja, se a intenção for completar uma tarefa em sala de aula, por exemplo, com os meses de prática o cérebro atingirá o objetivo. Em determinado ponto, o raciocínio será mais estável, sem interrupções, como acontece com quem tem TDAH. Flávio TavaresLeitura feita pela psicóloga Janethe Ramos, diretora clínica da Neuroglia, em BH, inclui anamnese do paciente, “raio-X” do funcionamento emocional, além de parceria com outros profissionais

Além disso:

Ainda não existe, no Brasil, uma legislação que regule o uso do neurofeedback nem que reconheça a técnica como profissão. Enquanto na Europa, somente profissionais da área de saúde podem utilizar o método, em função do conhecimento em fisiologia, por aqui, a única exigência é que sejam feitos cursos específicos.

Membro-fundadora e parte da diretoria da Associação Brasileira de Biofeedback (Abbio), a psicóloga July Silveira Gomes ressalta que é fundamental avaliar, antes de se submeter a um tratamento, a profissão-base de quem o aplica. “O neurofeedback é reconhecido, aqui, como técnica profissional. Por isso, ao procurar alguém, a recomendação é para que se observe a formação profissional. É preciso levar em conta que o paciente pode reagir de diferentes maneiras na hora do atendimento e a profissão-base fará toda a diferença nessa hora”, ressalta a psicóloga, doutora em ciências pelo Departamento de Psiquiatria da Unifesp. 

A Abbio é uma associação sem fins lucrativos formada por profissionais da área da saúde e educação, que tem como objetivo contribuir para o desenvolvimento do biofeedback no país. O órgão realiza entre os dias 10 e 12 deste mês a 3ª Conferência Brasileira de Biofeedback. O evento acontece em Campinas (SP).Dentre os participantes estão um psicólogo norte-americano, principal responsável pelo uso do treinamento em crianças refugiadas na Índia, e um profissional colombiano com a mesma formação, que pesquisa a técnica voltada para estresse e trauma em psicologia do esporte a alto rendimento. 

Além de ser utilizado no tratamento de diversas doenças, o neurofeedback também é empregado para melhorar o desempenho e a performance de atletas, estudantes, artistas e executivos
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