Pode não dar certo

Publicado em 16/05/2016 às 18:58.Atualizado em 16/11/2021 às 03:28.

Ao se iniciar esta nova etapa da administração do Governo Federal, é preciso que, na formulação da estratégia de política econômica, sejam incorporadas as condicionalidades e restrições ao processo de decisão político-institucional. Há três condicionalidades dominantes no curto prazo: a cronologia política, a cronologia econômica e a cronologia da precedência. 

A cronologia política é restritiva. Não se pode formular estratégia de política econômica convencional como se estivéssemos no início de um mandato presidencial tradicional. A opinião pública anda inquieta, insatisfeita e ansiosa por resultados sob pena de se aprofundar a frustração no novo contexto político-institucional. É evidente que a busca de resultados imediatos para acomodar as expectativas dos segmentos mobilizados da sociedade civil pode levar a decisões que tendem a aprofundar a atual crise econômico-financeira.

Por exemplo: ideias equivocadas como o uso de parte das reservas cambiais para financiar um programa de investimento em infraestrutura, expandir o endividamento como forma de realizar uma política anticíclica, aumentar a carga tributária para cobrir o déficit fiscal etc. São propostas imaginadas fora do contexto das experiências históricas do Brasil e de muitos países que estão vivenciando crises equivalentes ou isomorfas. No nosso caso, as decisões de política econômica têm de ser cadenciadas em busca de rapidez, eficácia, exatidão, leveza e racionalidade no curto e no longo prazo.

A cronologia econômica está prenhe de incertezas e crueldades. Muitas decisões de política econômica equivocadas e inconsistentes tomadas nos últimos meses da administração Dilma Rousseff terão impactos espraiados e intensificados ainda nos próximos meses. As taxas de desemprego podem não diminuir; as taxas de inflação podem permanecer inercialmente elevadas; as taxas de crescimento podem com certeza continuar na sua trajetória de declínio.
Não basta a melhoria de expectativas e do ambiente de negócios para reverter os profundos estragos que a economia brasileira vem sofrendo desde 2012. 

ssim, enquanto a nova administração formula os fundamentos de uma nova política econômica pensando no futuro, as decisões da velha política econômica ainda comandam os indicadores do presente. Mesmo havendo rapidez e eficácia na concepção de nova política econômica, devemos pensar numa rede de precedência das decisões a serem implementadas. Muitas podem não ter a intensidade necessária para resolver os problemas a que se propõem. Outras podem ser tomadas mais prontamente segundo sequência determinada pela maior ou menor resistência política dos grupos sociais de vocalidade expressiva, e não pela prioridade programática.

Neste ponto, corre-se o risco de colocar juntas e misturadas muitas ações de sequência e intensidade diferenciadas que acabam por diminuir as chances políticas de serem aprovadas as mais essenciais em favor das que têm prioridade questionável. Por exemplo: um ajuste incremental (redução do número de cargos comissionados) pode prevalecer sobre um ajuste estrutural (o equacionamento do déficit da Previdência Social).

Estamos vivendo uma crise socioeconômica e política extremamente grave. Mais grave talvez que a de 1929 no Brasil ou a da década perdida dos anos 1980. O cenário tendencial, sem uma grande transformação estrutural, mostra a nossa economia transitando da recessão para a depressão, a taxa de desemprego em direção a 15% e o endividamento comprometendo a solvabilidade financeira do país.

Em períodos históricos como o que estamos vivendo há necessidade de serem tomadas decisões ousadas e destemidas politicamente. De outra forma, corremos o risco de caminharmos para mais do mesmo e, pior, no curto prazo, apesar das soluções alentadoras no médio e no longo prazo. Por exemplo: criar a CPMF agora é medida rápida mas recessiva que pode diminuir a arrecadação e ampliar o déficit fiscal; por outro lado, uma reforma tributária não oferece resultados imediatos pois para ser negociada politicamente, regulamentada e implantada pode levar de dois a três anos para que os seus resultados benéficos venham a aparecer de forma sustentada na economia.

Algumas decisões de grande impacto são indispensáveis de imediato. O tempo do ajuste fiscal é diferente do tempo das reformas estruturais. O que se sugere é: 1) transformar o superávit primário em meta e não em resíduo da execução orçamentária com valor (3%?) necessário para estabilizar a relação da dívida pública com o PIB; desta forma pode-se acalmar o sistema financeiro quanto à solvabilidade do país; 2)realizar a experiência de orçamento de base zero com déficit zero para evitar mais uma rodada de expansão da dívida pública; o exercício político de realizar um orçamento de base zero permite redefinir prioridades do papel da intervenção do governo na economia e estruturar uma reforma administrativa; 3) com expectativas inflacionárias inflexionadas, reduzir significativamente a taxa de juros básica que se encontra contaminada pela desconfiança em relação ao futuro da economia e pelas medidas corretivas dos controles de preço relativos no passado; essa redução pode induzir a expansão da economia que opera com crescente capacidade ociosa; 4) propor, negociar e implantar reformas de base da economia até o final do primeiro semestre de 2018, num tempo político indispensável para a gestão dos conflitos de interesses de regiões, de grupos sociais e de segmentos produtivos; 5) articular medidas de ajuste com plano de desenvolvimento sustentável de médio e de longo prazo, considerando as oportunidades de transformar investimentos em infraestrutura em áreas de negócios privados e de reorganizar as principais cadeias de valor numa perspectiva da globalização econômica.

Qualquer proposta para encaminhar soluções para a atual crise econômica deverá conter elevado grau de incertezas. As dificuldades são múltiplas para se encontrarem as portas de saída mais corretas. A nossa crise é de natureza multicausal e as suas diferentes causas são interdependentes, ampliando as incertezas com as quais teremos de conviver. Mas como dizia Kant “Avalia-se a inteligência de um indivíduo pela quantidade de incertezas que ele é capaz de suportar”.

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