Coronel Alexandre Lucas: Defesa Civil somos todos nós

Renata Galdino - Hoje em Dia
Hoje em Dia - Belo Horizonte
20/10/2014 às 11:27.
Atualizado em 18/11/2021 às 04:41
 (Lucas Prates)

(Lucas Prates)

Prestes a iniciar o período chuvoso 2014-2015, a capital se vê às voltas novamente com os riscos de inundações em pelo menos 80 áreas da cidade. Durante todo o ano, a Coordenadoria Municipal de Defesa Civil (Comdec) se mobiliza para reduzir os danos causados pelas chuvas. Porém, um dos grandes desafios dos órgãos públicos é fazer com que a população reconheça a própria responsabilidade na prevenção e minimização dos impactos dos desastres.

“A Defesa Civil não é um órgão, é um sistema formado pelo poder público, pela comunidade, pelo setor privado. É necessária a colaboração da população como, por exemplo, não jogar lixo na rua que pode entupir bueiros”, enfatiza o coordenador da Defesa Civil de BH, coronel Alexandre Lucas Alves. Há três anos à frente do órgão, ele reconhece a necessidade de obras para conter as cheias, mas enfatiza que elas são complexas. Enquanto isso não acontece, a Comdec segue recomendações de alertas para a população. Para isso, além das ações preventivas, as redes sociais são ferramentas poderosas na disseminação de informações em tempo real sobre a situação das áreas críticas.   Apesar de tardia, a chuva está às portas. Em termos de ações preventivas, há novidades para a temporada chuvosa 2014-2015 na capital?   Neste período, vamos agregar uma ferramenta muito importante aos trabalhos: o Centro de Operações da Prefeitura de Belo Horizonte (COP), inaugurado há cerca de cem dias. É um prédio onde a maioria dos órgãos do Executivo está reunida, trabalhando de forma integrada, com recursos de videomonitoramento. Quando precisamos de alguma coisa, acionamos o COP e por lá são acionados os órgãos necessários para a resposta a um desastre. Faremos, entre outras coisas, a meteorologia, o monitoramento dos radares meteorológicos, acompanharemos as áreas críticas para as cheias. Dessa forma, vamos ganhar agilidade no atendimento. Se um ponto estiver inundando, os órgãos serão acionados. Por exemplo, a BHTrans e a Guarda Municipal podem ser direcionadas para interditar o trânsito no local e evitar a passagem de pessoas.   Entra ano, sai ano e os problemas são os mesmos: enchentes em várias regiões de Belo Horizonte. A população sempre reclama da falta de investimento em obras que poderiam prevenir as inundações. Existe solução para o problema?   Existe uma política de investimento em obras de prevenção e de solução dos problemas das enchentes na capital. Não há inércia do poder público. Infelizmente, não se tem recursos nem estrutura para resolver todos os 80 pontos de inundação de uma vez. Mas existe política pública que indica solução progressiva dos problemas – o Drenurbs (Programa de Recuperação Ambiental e Saneamento dos Fundos de Vale e Córregos em Leito Natural de Belo Horizonte). Dentro da Sudecap (Superintendência de Desenvolvimento da Capital) há um grupo que estuda a questão da hidrologia na cidade, procurando propor soluções. O Executivo tem trabalhado e melhorado a cada ano. A solução está caminhando, mas, infelizmente, não é de um dia para o outro.   As placas indicando áreas de inundação na cidade foram muito criticadas, mas foi a aposta da prefeitura para evitar mais problemas em decorrência das cheias.   Elas fazem parte de uma série de recomendações da ONU (Organização das Nações Unidas. O protocolo diz que devemos alertar as pessoas para o risco que estão correndo naquela área. Podem falar: “mas, coronel, não tem que fazer obra ali?”. Tem, mas vamos continuar perdendo bens e até mesmo vidas até que as intervenções sejam feitas? É necessário prevenção até que se solucione.   Por falar em ONU, Belo Horizonte foi a única cidade brasileira a ganhar o Prêmio Sasakawa, concedido pelo órgão internacional em 2013. Qual a importância desse reconhecimento?   O troféu é concedido a projetos que possuem ações integradas para a redução do risco de desastres naturais. Toda cidade deseja ter esse reconhecimento. Esse foi o resultado de todo o esforço do sistema de Defesa Civil municipal, e não é pouca coisa. Muitos países estão vindo para Belo Horizonte aprender conosco como fazer os trabalhos. Nesta semana receberemos uma delegação de Medellín (Colômbia).     Em 2013, a Comdec lançou o monitoramento visual dos pontos inundáveis. Os resultados foram positivos?   É uma metodologia difícil, mas vamos mantê-la neste ano. Em caso de chuva forte, é necessário que o agente da Defesa Civil vá antes da inundação, para monitorar a situação e fechar o trânsito. É o caso da avenida Francisco Sá (região Oeste da capital), que enche de água em torno de 56 segundos.   Quando o senhor fala na participação da comunidade no sistema de defesa civil, o que isso significa?   Toda a comunidade deveria fazer o que o Japão faz muito bem: a autoproteção e proteção comunitária. No terremoto de 2010, apenas 2% da população foi socorrida pelo poder público – os outros tiveram ajuda da comunidade. Nos últimos três anos em Belo Horizonte, infelizmente, pessoas morreram porque se arriscaram a passar com carros na enxurrada. Autoproteção é você tomar atitudes que protejam a sua vida e, também, o seu bem. Autoproteção também é o comerciante que, instalado em uma área inundável, possui um plano de contingência para elevar o estoque. A loja pode ficar suja de barro, mas o estoque é preservado. Como exemplos de proteção comunitária temos a ajuda a uma pessoa com deficiência na área que está inundando, sem esperar o poder público para o socorro, o alerta a um motorista que deixou o carro na área de cheias. A defesa civil somos todos nós.   Com qual cenário vocês trabalham para o período de chuvas? Muita água?   O que temos são indicações históricas, e em dezembro realmente há muita chuva. Mas é impossível fazer previsão para um período de mais de cinco dias. De qualquer forma, estamos preparados para agir em situações de emergência. Houve bastante treinamento para essas situações, e eles ainda estão acontecendo, tanto para a comunidade quanto para os órgãos envolvidos no sistema de Defesa Civil.   Em caso de pessoas afetadas pelas chuvas, o que será feito para minimizar os impactos para às vítimas?   A cidade conta com seis depósitos regionais que já estão sendo abastecidos com colchões, cobertores, lonas, telhas de amianto, cestas básicas, material de limpeza. O morador não precisa sair de sua região para buscar ajuda na sede da Defesa Civil – essa é uma facilidade dos depósitos regionais. Se o morador não tiver condições de fazer a alimentação em casa, por causa da enchente, o restaurante popular da capital servirá comida quente para eles. Isso funciona da seguinte forma: fazemos a demanda ao restaurante e eles preparam a alimentação, acondicionada em marmitex que distribuímos na área afetada. Essa ação é inédita no país.   Estamos vivenciando uma das piores secas registradas na história. Falta água em muitas cidades mineiras e o racionamento é realidade. Belo Horizonte corre o risco de ter o abastecimento comprometido?   Não podemos negar que o momento é crítico em todo o país, mas não existe indicativo de desabastecimento na capital. Assim, não há motivo para pânico na cidade. Há vários locais de captação de água para abastecer a capital, como os sistemas Rio Manso, Várzea das Flores, Rio das Velhas. Eles estão interligados e, se um estiver com o nível baixo, é possível fazer a captação de outro. Mesmo assim, reforço que a situação é séria e é necessário economizar, senão faltará água. Temos que fazer a autoproteção.   Como assim?   É possível economizar com algumas ações, como não escovar os dentes com a torneira aberta, não lavar o carro toda semana, não molhar a calçada. Ao tomar banho, desligar o chuveiro ao ensaboar o corpo.   O senhor é a favor de medidas mais enérgicas quanto ao desperdício de água e outras ações de insustentabilidade, como jogar lixo nas ruas?   Totalmente. Tudo isso envolve educação, conscientização e punição. Se as duas primeiras não surtirem efeito, a punição deve acontecer. Veja o exemplo da lei seca. Hoje, o motorista está consciente de que, flagrado em blitz, poderá responder criminalmente por isso.   A queda do viaduto Batalha dos Guararapes (construído na avenida Pedro I, Norte da cidade – a estrutura ruiu em 3 de julho e matou duas pessoas) foi um dos grandes desafios para a Defesa Civil da capital?   Eu fui ao Haiti (em 2010, coronel Lucas integrou a delegação brasileira da Defesa Civil Nacional que trabalhou na organização da ajuda humanitária após o terremoto que devastou o país), em Santa Catarina (onde as chuvas arrasaram várias cidades e mataram mais de 130 pessoas em 2008). Ainda estou avaliando, mas acredito que o episódio do viaduto tenha sido um dos maiores desafios que tivemos na Defesa Civil. O tempo de solução da crise foi muito longo, quase 90 dias. Quando se estende muito a resposta ao problema, você se desgasta bastante.   Na época da tragédia, a população passou a ter receio sobre as outros viadutos da cidade. Há riscos nessas estruturas?   Não há nenhum indicativo de problemas nos demais viadutos da cidade. Representantes do Sistema de Defesa Civil Municipal, que envolve a Sudecap, as empresas que construíram esses elevados, os institutos de perícia que fizeram as vistorias, não trouxeram nenhuma preocupação que indique interdição.   A interdição do trânsito na avenida Pedro I, após a tragédia, foi bastante criticada. A medida era realmente necessária?   Foi uma medida preventiva. Sabemos que foi dolorida, afetou a população daquela região, mas não poderíamos deixar carros passando por debaixo de um viaduto que, de acordo com especialistas renomados, tinha a possibilidade de ruir a qualquer momento.

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