Credibilidade do judiciário brasileiro esbarra na morosidade do Supremo

Aline Louise - Hoje em Dia
15/12/2014 às 07:13.
Atualizado em 18/11/2021 às 05:23
 (Dorivan Marinho/SCO/STF - 06/07/2011)

(Dorivan Marinho/SCO/STF - 06/07/2011)

O Supremo Tribunal Federal (STF) é a corte maior do país. Nas mãos dos onze ministros que a integram estão decisões que podem mudar os rumos da política, da economia nacional e a vida de muitos brasileiros. Entretanto, muitos casos aguardam há anos para serem julgados.

Segundo especialistas ouvidos pelo Hoje em Dia, a sobrecarga de trabalho, a forma como está organizado o judiciário brasileiro, a falta de estrutura e até questões políticas levam à morosidade.

“No Brasil, de uma forma geral, o sistema é muito lento”, afirma o advogado, mestre em direito processual e professor da PUC Minas, Lucas Neves. Segundo ele, o fato de a corte acumular duas funções, a de Órgão de Cúpula do Poder Judiciário e de tribunal constitucional também justifica a sobrecarga.

“Aqui vivemos uma realidade contrária ao que acontece na maioria dos países da Europa, em que as duas funções são separadas. É muita demanda para apenas 11 ministros. O Tribunal Constitucional é político, e o Órgão de Cúpula do Judiciário deveria ser técnico. É assim que ocorre em Portugal, por exemplo. Essa morosidade pode ser por causa do acúmulo de demanda ou pode ser ainda que não haja vantagem política de se julgar determinada questão. O STF, infelizmente, é órgão político”, reforça.

O doutor em filosofia do direito e mestre em direito público Leonardo Militão tem opinião semelhante. Para ele, o fator político pode sim influenciar as decisões. Mas outras variáveis também devem ser levadas em consideração. Ele explica que os recursos que chegam ao Supremo têm duas naturezas, ou pela via difusa, mediante recurso extraordinário ou pela via concentrada, por meio de ações diretas de inconstitucionalidade ou descumprimentos de preceito fundamental.

No caso da via difusa, tecnicamente todo e qualquer processo pode parar no STF. “Ele sendo o guardião da Constituição, na hora que existe um assunto que esbarra na Constituição, ele pode parar lá em cima”, detalha o especialista. 

“Quando estamos no sistema concentrado, eles (os ministros) podem dar uma liminar e julgar o mérito, ou só julgar o mérito de uma vez. A diferença bem grande é que quando dão uma liminar ela não tem efeito definitivo, tem força judicial, vale para todo mundo, mas o Supremo depois de um tempo pode reverter. Agora, se já houve o julgamento do mérito, a força é definitiva, não pode mais rever a matéria”, explica. O “peso” dessa decisão justificaria também a lentidão no processo, acredita Leonardo Militão.

“São 11 ministros e eles julgam debatendo todas as questões, o julgamento em segunda instância é menos debatido, tem órgãos que julgam 300, 400 processos em uma semana. O Supremo também tem esse volume, mas os difusos eles julgam mais rápido. Os do sistema concentrado eles tradicionalmente demoram, porque são mais polêmicos e depois são decididos de forma definitiva”, argumenta.

Entretanto, o advogado calcula que um tempo razoável para o julgamento de uma matéria seria em torno de 6 meses. “É complicado de falar, mas se cada ministro fosse analisar com profundidade o tema, cada um com 15 dias para analisar o processo, sendo 11 ministros, 6 a 7 meses daria para correr um julgamento razoável. Mas a polêmica e o fator político podem acabar alongando este prazo”.

O STF não se pronunciou sobre as críticas. 

 

Poupadores esperam decisão sobre planos econômicos

Os poupadores de todo Brasil, que tinham dinheiro na poupança nas décadas de 1980 e 1990, também aguardam há anos o julgamento do STF sobre os planos econômicos adotados nesses períodos. A Justiça, em todas as instâncias, reconheceu o direito dessas pessoas, em quase 400 mil processos, relativas às perdas nos planos Bresser (1987) e Verão (1989). Mas os bancos não concordam em pagar a correção e recorreram ao Supremo por meio de uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 165).

A ação foi apresentada em 2009 pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif). “Enquanto o processo se arrasta, as ações dos poupadores vão prescrevendo e muita gente vai morrendo”, comenta o advogado Walter Moura, representante do Instituto brasileiro de defesa do consumidor (Idec) em ações sobre planos econômicos.

Neste caso, Walter atribui a morosidade a interferência da Procuradoria Geral da República. “Em maio deste ano, no dia que o processo ia entrar em julgamento no STF, o procurador Rodrigo Janot pediu a retirada de pauta para revisar o seu parecer, sendo que ele teve 4 anos para fazer isso. Entendo que foi uma manobra processual para adiar o julgamento”, argumenta o advogado. Não há previsão de quando o caso voltará a plenário.

 

Ministros descumprem prazo do pedido de vistas

“Devolve Gilmar”! Esse é o apelo que está sendo feito na internet, para que o ministro do STF Gilmar Mendes libere o processo da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) que proíbe o financiamento de empresas às campanhas eleitorais, para que ele possa prosseguir em julgamento. O apelo tem vários apoiadores, inclusive o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral ( MCCE).

No Facebook, um evento com o pedido conta com 7 mil participantes. Há ainda uma petição no site change.org que conseguiu mais de 67 mil assinaturas. Em abril deste ano, Gilmar Mendes pediu vistas ao processo, quando seis ministros já haviam votado pela proibição das doações de pessoas jurídicas a candidatos e partidos. Faltam 4 votos. Até agora, mais de 200 dias depois, Gilmar ainda não liberou o processo. Pelas regras do regimento interno do Supremo, o ministro já extrapolou o prazo.

“O ministro que pedir vistas dos autos deverá devolvê-los no prazo de dez dias, contados da data que os receber em seu gabinete. O julgamento prosseguirá na segunda sessão ordinária que se seguir a devolução, independentemente da publicação em nova pauta”, diz o regulamento. E prossegue: “não devolvidos os autos no tempo fixado no caput, fica o pedido de vista prorrogado automaticamente por dez dias, findo os quais, a Presidência do Tribunal ou das Turmas comunicará ao ministro o vencimento do referido prazo”.

Gilmar Mendes recebeu o processo no dia cinco de abril. “No caso especifico do Supremo, não há instância superior para cobrar o cumprimento do regulamento. Deveria ser o Conselho Nacional de Justiça), mas ele é presidido pelo presidente do Supremo e acaba não tendo a fiscalização devida. Na verdade, os ministros do STF deveriam se sentir obrigados, como qualquer outro servidor publico, a cumprir suas obrigações ”, comenta o advogado, membro do MCCE, Luciano Santos.

Para ele, a motivação neste caso também é política. “Vivemos hoje mais um escândalo, o da Petrobras, que tem como origem o financiamento privado de campanha. A ação parada no gabinete do Gilmar muda o sistema de financiamento de campanha e vai, com certeza, na raiz do problema da corrupção no Brasil”, avalia o advogado.  

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