Marina Silva: a política e a ética da corda bamba

Ricardo Rodrigues - Do Hoje em Dia
30/09/2012 às 09:52.
Atualizado em 22/11/2021 às 01:41
 (Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr)

(Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr)

  "Dona" de 20 milhões de votos para presidente da República em 2010, dispondo de 1min23s no horário gratuito de TV, Marina Silva mantém-se discreta na esfera política, mas circula com desenvoltura pelo país como palestrante bem remunerada, tendo falado para mais de 45 mil pessoas em 2011. Como no samba de uma nota só, bate na tecla do desenvolvimento sustentável e atribui a essa votação espetacular o valor de “um legado para todos, capaz de nos ensinar que há sustentabilidade política para fazer diferente no mundo atual”.   Desde os 17 anos militante da causa socioambiental, Marina Silva chega aos 54 anos “radicalmente comprometida" com aqueles que não nasceram ainda. “Vivemos a cultura do excesso. Temos de dar espaço para a falta. Temos de revisitar nossa infância civilizatória. A sustentabilidade é um ideal de vida no presente e no futuro”, defende. Professora de História no ensino médio, vereadora, deputada estadual e senadora por dois mandatos, deixou o PT e depois o PV, pelo qual disputou em 2010.    Atualmente sem partido, ela critica os políticos que não têm uma visão estratégica do Brasil e afirma que precisamos ressignificar a política. Não nega e nem confirma ser candidata em 2014. "Não estou em cima do muro. O muro já tem dono: é do PSDB, que já tem seu lugar. Eu estou na corda bamba, tentando me equilibrar. Não sou pessimista, nem sou otimista; sou persistente. Foi a persistência que me trouxe aqui". A seguir, trechos da entrevista que Marina concedeu ao Hoje em Dia, depois de fazer uma palestra no evento ‘Salto em Negócios’, para um público predominantemente feminino e jovem, na noite da última terça-feira:     Crescer de modo sustentável exige outro modelo econômico? Qual?   Um modelo que integre ecologia e economia na mesma equação. A economia trata com externalidade os problemas sociais e ambientais. Estamos no contexto de uma grave crise civilizatória, que se constitui de outras crises: econômica, ambiental, social, política, ética. Não temos exemplos promissores de civilizações que entraram em colapso. O desafio deste século é o desenvolvimento sustentável, que não vai acontecer da noite para o dia. Os investimentos precisam ser feitos dentro de uma visão estratégica. Temos de acabar com a política de pouco prazo feita para alargar o prazo dos políticos; temos de criar políticas de longo prazo para o curto prazo dos políticos. Temos de pensar o modelo de desenvolvimento que contemple todas esssas dimensões em todos os instantes da vida. A crise exige de nós novas atividades em todos os setores da vida, inclusive a política. O Brasil está para o século 21 como estiveram os Estados Unidos para o século 20. O modelo do EUA faliu. O Brasil tem 350 milhões de hectares de áreas agricultáveis; 11% da água doce potável no mundo; 60% do território coberto de florestas. O Brasil reúne as melhores condições para fazer essa inflexão do modelo, tornando vantagens comparativas em vantagens competitivas ao longo do tempo e criando meios para que as pessoas tenham vida digna.      O que significou a aprovação do novo Código Florestal pelo Congresso?   A aprovação da MP do Código Florestal é um retrocesso imperdoável na crise que estamos vivendo. É um desastre e um retrocesso ambiental sem precedentes.     Há remédio contra a crise de representação política?   A ebulição política percorre vários países do mundo. A crise profunda de valores está na base de tudo. Do lado ambiental, sacrifica os recursos naturais para obter lucros no curto prazo. A riqueza tem de ser transformada em prosperidade e equidade. Os problemas sociais que enfrentamos não são técnicos, são éticos. Temos conhecimento tecnológico e pedagógico, bons educadores.  Avançamos muito do ponto de vista da técnica, mas as coisas degradaram na luta do poder pelo poder. Não é uma crise normal. Não tem como ser enfrentada por um salvador da pátria, um partido político, um grupo. Precisamos de quem tem posição firme. Tem de ser uma luta de todos, ao mesmo tempo, agora, em todos os setores. Não podemos nos deixar aprisionar pela ética das circunstâncias. A maioria das pessoas é honesta. A ética de valores vai fazer a transformação que o mundo precisa.      O futuro será mais feminino e sustentável?   Até os 16 anos, eu era analfabeta. As mulheres são persistentes. Digo para os homens: 'tratem de aprender rapidinho conosco'. Hoje temos 65% das mulheres fazendo universidade. É inegável a contribuição e participação das mulheres em todos os setores da sociedade nos últimos cem anos. A visão do feminino é fazer com que as pessoas se comprometam mais, participem mais. Mulheres em geral representam lideranças multicêntricas, valorizam processos horizontais e abertos.     A ação política on line aumentou o risco de ser corrupto no Brasil?   A corrupção não é problema do Lula, do Fernando Henrique, do Collor ou do Sarney. A corrupção é problema nosso. Quando a questão da corrupção sai do espaço da queixa para se tornar um problema nosso, é sinal de que vai melhorar muito. Assim como a crise econômica é problema nosso. Tirar 0,5% do orçamento da União para as políticas sociais foi ação da sociedade, não do governo.     Será preciso que a sociedade se organize para conquistar a reforma política e eleitoral?   Tem uma dificuldade muito grande para se fazer a reforma política, com os interessados discutindo seu próprio interesse no Congresso. Defendi em 2010 uma assembleia nacional constituinte exclusiva para debater e aprovar as reformas que o país precisa, considerando-se a crise civilizatória que vivemos. Se os partidos não forem capazes de perceber que o diálogo deve ser horizontal, não adianta uma reforma burocrática. É preciso transformação na política, com o surgimento de novos sujeitos políticos, com um deslocamento da ação política para novos atores sociais.      A política ainda empolga os jovens?   No atual sistema político e eleitoral seguimos transformando agentes sociais em espectadores da política. As velhas formas do ativismo político estão perdendo espaço no mundo. Nota-se um deslocamento principalmente dos jovens desse núcleo estagnado. Com a internet e as tecnologias de informação e comunicação surge o ativismo autoral, que não é mais dirigido pelos partidos. Jovens são os principais atores desse ativismo político e são autores de sua própria militância. Vivemos nova fase em substituição aos agentes políticos tradicionais. Há uma propensão maior do sujeito ser protagonista de sua própria ação. Recentemente, jovens mobilizaram 20 mil pessoas contra a corrupção em Brasília, sem ter por trás os partidos políticos, centrais sindicais, nem nada. O risco que corremos é de fragmentação da luta e individualismo, isso precisa ser evitado. O grande desafio é o engajamento em torno de projetos coletivos, includentes, libertários. Existem sonhos essenciais e a gente não deve abrir mão deles.     A Sra. foi a mais votada em Belo Horizonte no primeiro turno das eleições presidenciais em 2010. O que o eleitor pode esperar para 2014?   Este relevante legado tem de ser apropriado pelos agentes transformadores. Eu não sei se serei candidata novamente. A competição se faz pelo caminho de cima.      A Sra. acompanha os movimentos de Aécio Neves e Eduardo Campos para elevar o próprio cacife político em nível nacional?   Decidi ficar de fora dos pleitos nas cidades onde se trava também uma disputa nacional, com a polarização de candidaturas antecipando a eleição presidencial em 2014. Não apoio candidato algum em Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo. Tenho amizade e respeito por Patrus. Torço para que haja segundo turno nas capitais. É bom para a democracia. 

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