entrevista

‘Nada vai voltar ao normal se tivermos 33 milhões de famintos’, diz candidata ao Senado Sara Azevedo

Hermano Chiodi
hcfreitas@hojeemdia.com.br
Publicado em 26/09/2022 às 07:30.
 (Fernando Michel)

(Fernando Michel)

Única representante mulher de Minas com chance de ocupar um cargo majoritário – as outras duas candidatas não aparecem nas pesquisas de intenções de votos – , a candidata ao Senado pelo Psol, Sara Azevedo, entrou na disputa neste ano levantando as bandeiras de combate à fome, à miséria e à violência contra mulheres e homossexuais. Paraense radicada em Belo Horizonte há mais de 12 anos, a professora de educação física foi a sexta concorrente ao cargo entrevistada pelo jornalista Carlos Lindenberg no programa “Gestores de Hoje em Dia – Eleições 2022”, na última terça-feira (20). Confira:

 
Como paraense, de Belém, como você veio fincar raiz em BH?
Eu sou de uma geração e de uma região em que a gente precisa construir saídas de emprego. Eu me formei e vim para Belo Horizonte construir minha vida. Sou professora efetiva do Estado, de Educação Física. Atuo como educadora social para educação popular, com a Rede Emancipa, um cursinho popular para mais de 500 jovens por ano. Fundei a rede por Minas Gerais e hoje são sete núcleos espalhados pelo Estado, assim como os movimentos de juventude; o “Juntos”, o “Juntas”, que é um movimento feminista do qual eu faço parte e ainda a construção do próprio Psol. Esses 13 anos que eu moro em Minas foram dedicados à construção do partido aqui. Fui presidente do Psol em Minas, hoje sou vice-presidente, sou do diretório nacional e diretora técnica da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, ou seja, uma construção longa que me coloca em condições para ser candidata ao Senado em Minas.

Você está no Psol há 15 anos, praticamente desde o nascimento do partido, por que escolheu justamente o Psol?
Eu me filiei em 2007, logo após a coleta das 500 mil assinaturas. Para mim o Psol sempre foi o partido que deu oportunidade, que deu o espaço para a juventude, para a luta das mulheres, dos LGBTs. Era um partido jovem e que tinha na sua essência uma radicalidade que poderia fazer algo novo para o país. É nisto que a gente tem construído e se apegado. Não é à tôa que o Psol é conhecido como um partido radical de esquerda. Mas na realidade, a radicalidade dele é por pegar os problemas pela raiz, buscar a essência dos problemas para também buscar soluções que são da base. A solução não pode apenas passar um pano por cima; ela precisa ser construída desde a sua essência para que de fato possamos ter soluções para os problemas do país.

O que o Psol tem a oferecer ao país neste momento?
O Psol é um partido que está se apresentando para a realidade e pegando pautas do nosso tempo. Eu estava nas ruas em 2013, quando nós tivemos as grandes mobilizações que movimentaram o país. Nós somos herdeiros de tantas lutas que movimentaram o país. Nós somos o partido que mais cresce hoje. O Psol é campeão de filiações no último censo. Portanto, nós estamos trazendo o vigor da juventude, a coragem das mulheres, das LGBTs, das negritudes. Mas nós trazemos também a luta de tantos que passaram antes da gente. Estamos trazendo propostas que são pautadas para fazer essa diferença. Uma delas é a taxação de grandes fortunas, heranças e dividendos. É uma proposta da Luciana Genro, ainda de 2008, quando ela era deputada federal. Desde 2008 a gente está pautando isso, porque são saídas econômicas necessárias e sem isso a gente não consegue ter arrecadação.

Você poderia detalhar isso um pouco para a gente?
A taxação de grandes fortunas, heranças e dividendos está em tramitação no Congresso desde 2008 e está travada desde 2021, pois é a mesma proposta circulando nestes anos todos. O que estamos querendo com essa taxação é aumentar a arrecadação do Estado. Se nós estamos vivendo um período de crise econômica, quando todos estão falando que há uma recessão no Estado, então nós precisamos arrecadar. A primeira pauta nossa é resolver os problemas sociais oriundos da crise e da pandemia. Nestes últimos quatro anos, as questões sociais se agravaram. Não é à toa que nós temos 33 milhões de pessoas com fome. Nós não podemos deixar de falar disso. Em Minas Gerais nós temos aproximadamente 2 milhões de pessoas com fome e 52% da população dos mineiros com algum tipo de insegurança alimentar, segundo as pesquisas. Então, a resposta política que precisa ser dada é a garantia de direitos. Seja através do Auxílio Brasil, que precisa ser estabelecido para mais tempo, não só até dezembro, como foi a medida eleitoreira do presidente Jair Bolsonaro. Nós precisamos que o Auxílio Brasil seja ampliado para garantia de direitos sociais, que o Bolsa Família garantia. É preciso ter relação direta da presença do aluno, do beneficiário na escola, ter relação com o acesso à saúde. E para tudo isso é necessário ter arrecadação e, por isso, a taxação é importante. 

Você defende a comunidade LGBTQIA+, que ainda sofre muito preconceito e muita violência. Como mudar isso?
Essa é uma questão recorrente porque ano após ano há o número de mortos, números que eram construídos por nós mesmos, pois não havia números oficiais. Então, a gente sabe o número de mortos, sabe que o país é o que mais mata LGBTs, mas agora queremos saber também nossos números de vidas. Os números necessários para sobreviver nessa sociedade. Queremos ter direito à saúde, porque nós sentimos falta da saúde também; queremos ter direito à educação, pois os LGBTs são a população que mais evade da escola hoje; queremos ter direito também à segurança pública, pois a violência é grande. E queremos discutir também o acolhimento aos LGBTs, que são expostos a muita violência, inclusive dentro de casa. Debater isso é pensar em políticas públicas de sobrevivência não mais no nosso número de mortos.

(Fernando Michel)

(Fernando Michel)

 Ideologia de gênero é algo que causa polêmica. Mas, para você, é um equívoco, pois não existe ideologia de gênero. Como resolver isso?
Não existe. Não tem como discutir algo que não existe. Não está em nenhum livro didático, em nenhum livro escolar, foi um factoide construído para dizer que nas escolas existe doutrinação de esquerda, que não existe. Imagina, se existisse doutrinação da esquerda nas escolas a gente estaria num país comunista, e a gente não está. A gente não vive nem num país socialista, nem num país com igualdade social, que é o mínimo que a gente gostaria. Isso não existe! É o mesmo que discutir se a terra é plana.

Como que o ensino de gênero deve ser levado às salas de aula?
As questões de gênero devem ser discutidas também por questão de segurança das meninas, das crianças e dos adolescentes. A maioria da violência que crianças e adolescentes sofrem vem de casa. Nos casos de feminicídio, a maioria vem de casa. A maioria de violência sexual contra meninas é praticada em casa. Portanto, se a gente não trabalha isso dentro da escola, que é o segundo ambiente fora de casa, que é o primeiro espaço de sociabilidade, elas não vão entender a relação de seu corpo com esse meio em que elas vivem. Portanto, discutir gênero nas escolas é garantia de cidadania, garantia de acolhimento, uma garantia de que essas crianças sejam compreendidas como elas são, sem deixá-las de lado, e evita questões sérias que nós temos hoje no país com números alarmantes de violência. Minas Gerais foi o Estado inclusive com o maior número de casos de feminicídio no país.

Você, como professora da rede estadual, conhece as barreiras para que o país tenha uma educação de qualidade. O que você faria se chegasse ao Senado?
A primeira coisa a fazer no Senado é conversar com todos os pares para buscar uma solução para a fome. Isso temos que falar. Essa é nossa prioridade, pois estamos falando de um programa de emergência social. Depois de dois anos de pandemia, quando as pessoas tiveram que ficar retraídas dentro de suas casas, sem poder sair, agora é hora, de fato, de construir um programa que atenda às necessidades deste momento e as consequências da pandemia, da crise econômica. E a principal consequência que temos visto é a fome. Com fome a gente não gira a economia, a gente não tem trabalhador, a gente não tem ninguém. Com fome a gente não consegue trabalhar e não consegue fazer com que as coisas voltem a acontecer. Nada vai voltar ao normal se nós tivermos 33 milhões de pessoas com fome. Nós precisamos garantir uma relação entre nós, do poder público, que temos privilégios por sermos representações públicas, para garantir que as pessoas não passem fome. Para isso é preciso aumentar a arrecadação, vamos precisar de programas sociais, precisar que o Estado seja destravado e tenha as melhores condições para atender essa população.

Você é a única representante de uma agremiação de esquerda com representação no Congresso. Como levar essa bandeira para frente?
Infelizmente, eu sou a única. Quando você é a única, diminui o debate e nós precisamos ampliar o debate que estabeleça quais são as saídas. Depois de quatro anos de governo Bolsonaro, não existe nenhuma saída que não seja a esquerda e coletiva. As alternativas apresentadas hoje são vários tons de bolsonarismo. E ser hoje uma candidata de esquerda nos qualifica com discurso, com programas, com propostas e isso é importante, porque poucos têm colocado propostas mesmo para o Estado.

O que são várias tonalidades do bolsonarismo?
O bolsonarismo formou uma fração da sociedade. O Bolsonaro construiu um discurso violento, de ódio, que foi se estabelecendo ao longo desses quatro anos. Esse discurso foi construindo atores políticos que usam esse discurso para as redes sociais, para difamar, para impor uma verdade que não existe. Esses discursos violentos foram moldando o bolsonarismo, e na disputa eleitoral nós vimos aí vários atores que foram moldando seus discursos de acordo com a aceitação do público e mesmo de acordo com as referências de cada candidato. 

Veja a entrevista completa no canal do Hoje em Dia no YouTube

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