A cor da política

Representatividade negra aumenta no Legislativo, mas ainda está longe do ideal

Jader Xavier
@ojaderxavierjsbarbosa@hojeemdia.com.br
Publicado em 20/11/2022 às 08:00.
Marcos Crispim deseja ajudar lideranças a assumir o mais alto cargo da política belo-horizontina: “Quem sabe um dia a gente tenha um prefeito que veio da periferia e que tenha outros anseios?” (Maurício Vieira)

Marcos Crispim deseja ajudar lideranças a assumir o mais alto cargo da política belo-horizontina: “Quem sabe um dia a gente tenha um prefeito que veio da periferia e que tenha outros anseios?” (Maurício Vieira)

O número de parlamentares que se declaram negros no Legislativo estadual aumentou 23,5% para o mandato que se inicia em 2023, mas ainda é considerado baixo quando se leva em conta que mais da metade da população brasileira é negra. 

Hoje, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) tem 17 deputados que se declararam pretos (4) ou pardos (13) quando se elegeram em 2018. Isso representa 22% dos 77 parlamentares, segundo os dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Nas eleições de 2022, a quantidade de pretos (16) e pardos (5) eleitos cresceu: são 21 deputados ou 27% do total.

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que 56,2% da população brasileira se autodeclara negra. No entanto, essa parcela ainda clama por maior participação social, econômica e política. Debate que ganha mais espaço no Dia da Consciência Negra, celebrado neste domingo (20).

Para o doutor em História Política pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e professor do Colégio Presbiteriano Mackenzie Victor Messiato, houve um avanço na representatividade negra do país, apesar de lento.

“Isso (é uma explicação que) vem desde o século 19. Durante muito tempo a representatividade negra, parda e indígena do Brasil foi muito omitida dos espaços de representação do poder, da mídia e da cultura. Acaba repercutindo na política institucional”, avalia o especialista. 

“Essas mudanças começam a acontecer somente a partir da década de 1930. A representatividade negra tem muito pouco tempo de convivência, ainda mais num país que por muitos momentos não teve uma democracia”, completa.

Preta na política
Reeleita para o segundo mandato na ALMG, a deputada estadual Ana Paula Siqueira (Rede), mulher negra, afirma que, antes mesmo de oficializar a primeira candidatura, sabia da importância de uma representatividade como a sua na política.

A deputada estadual Ana Paula Siqueira acredita que é importante a negritude ocupar os espaços na política, se fazer representada, o que só as pessoas pretas podem fazer (Arquivo Pessoal)

A deputada estadual Ana Paula Siqueira acredita que é importante a negritude ocupar os espaços na política, se fazer representada, o que só as pessoas pretas podem fazer (Arquivo Pessoal)

“Semana passada aconteceu uma coisa que me marcou profundamente. Eu encontrei com uma menina, de 6 ou 7 anos, linda, cabelo anelado, black. Ela me viu, correu, me abraçou e falou para a coleguinha: ‘eu quero ser como ela, uma deputada estadual’. Isso não tem preço! É uma menina muito parecida comigo quando era pequena, mas com uma diferença: ela tem em quem se espelhar”, se orgulha a deputada.

Ana Paula acredita que é importante a negritude ocupar os espaços na política, se fazer representada, o que só as pessoas pretas podem fazer, segundo a parlamentar. Ela ressalta, porém, que grande parte dessa população está nas comunidades, onde a política tem dificuldade de chegar.

“Eu uso o meu espaço para promover o nosso povo, para chamar a atenção, para discutir, fomentar o debate, para mostrar à sociedade que nós temos um perfil significativo da população que está à margem. É trazer essas pessoas para participar. A política institucional é algo distante da realidade das pessoas”.

Lideranças
Já no campo conservador, o vereador de Belo Horizonte Marcos Crispim (PSC), homem preto, cumpre o primeiro mandato dele na Câmara Municipal (CMBH). Mas, para o parlamentar, ele já realizava política antes de ser eleito em 2020.

Crispim é pastor da unidade da Igreja Batista da Lagoinha do Alto Vera Cruz, Região Leste de BH, e tem histórico em trabalhos sociais – assim como a deputada –, o que, para ele, é um modo de fazer política na base.

Na CMBH, a quantidade de parlamentares que se autodeclaram pretos (6) ou pardos (8) é maior do que na Assembleia, proporcionalmente. Atualmente são 14, ou seja, 34,15% dos 41 vereadores belo-horizontinos.

O cenário pode melhorar?
O professor Victor Messiato diz acreditar que a população negra vai continuar avançando na tomada de espaço do campo político. “Eu vejo transformações acontecendo nesse sentido, vejo homens e mulheres cada vez mais representando a inteligência, a beleza e a liderança, de forma lenta, gradual, mas em constante processo”. Mas, quanto tempo exatamente isso pode levar até chegar a um patamar ideal? “Eu imagino que entre duas e três décadas a gente vai ter outro tipo de representatividade na política. Não só nas questões das etnias, mas também nas questões de gêneros no Brasil”, responde o especialista. Para isso, Messiato acredita que o caminho não passa somente em focar na garimpagem de lideranças, e sim investir na educação da população desde os primeiros anos. “É algo mais profundo, que passa também pela educação, pela construção do ser humano. Hoje, a criança vai até a farmácia com os pais e vê outra criança negra estampada no pacote de fraldas. Então passa também por continuar com esse avanço na representatividade desde a infância”, destaca.

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