Primeiros desafios

Semana pós-eleição é amostra do que o presidente eleito irá enfrentar em 2023

Hermano Chiodi
hcfreitas@hojeemdia.com.br
05/11/2022 às 07:00.
Atualizado em 05/11/2022 às 08:56
Apoiadores de Bolsonaro realizam protesto na avenida Raja Gabaglia, em BH, em frente ao Comando da 4ª Região Militar, desde o fim das apurações (Valéria Marques)

Apoiadores de Bolsonaro realizam protesto na avenida Raja Gabaglia, em BH, em frente ao Comando da 4ª Região Militar, desde o fim das apurações (Valéria Marques)

A primeira semana após a eleição que confirmou Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como presidente eleito para um terceiro mandato a partir de 2023 é um retrato do que o petista terá que enfrentar para pacificar o Brasil. Um país com ânimos políticos acirrados e um orçamento com déficit estimado pela equipe de transição em pelo menos R$ 65 bilhões, sem recursos para atender às promessas de campanha.

Ainda no domingo (30), poucas horas após o resultado das eleições, apoiadores do atual presidente, Jair Bolsonaro (PL), iniciaram movimentos fechando rodovias em várias regiões do país, chamando caminhoneiros para aderirem e ampliarem o movimento.

No auge da mobilização, mais de 300 pontos foram bloqueados em rodovias brasileiras, segundo levantamentos da Polícia Rodoviária Federal (PRF). Em Belo Horizonte, além do bloqueio rodoviário, grupos golpistas acamparam em frente aos quartéis do Exército pedindo uma “intervenção militar”. 

Para o cientista político Adriano Cerqueira, que estuda o movimento político dos grupos conservadores de direita no Brasil, os eleitores que apoiaram Jair Bolsonaro (PL) e perderam as eleições junto com o presidente não devem sair das ruas. 

“São movimentos que se organizaram nos atos contra a presidente Dilma Rousseff, em 2013. Eles surgiram nas ruas e não devem recuar. Lula, possivelmente, deve enfrentar mobilizações parecidas com as da época de Dilma”, destaca. Segundo Cerqueira, mesmo durante o governo Bolsonaro, estes grupos mantiveram disposição de estar nas ruas e a tendência é continuar.

É preciso dinheiro
Uma forma de controlar insatisfações populares é apressar o cumprimento de promessas de campanha e evitar retirar alguns benefícios que foram prometidos por Jair Bolsonaro, como o Auxílio Brasil no valor de R$ 600 em 2023.
 
Porém, a promessa feita pelo atual presidente e incorporada por Lula em seu programa de governo não está prevista no orçamento federal e incluir os gastos é prioridade, antes mesmo da posse.

O relator da proposta de orçamento apresentada pelo governo de Jair Bolsonaro (PL), que tramita no Congresso, senador Marcelo Castro (MDB-PI), alerta que falta dinheiro. Segundo ele, o orçamento proposto é “seguramente o mais restritivo e o que traz mais ‘furos’ da nossa história”. 

“Todos sabem que não tem recurso para Farmácia Popular e que foram cortados recursos da saúde indígena, dos imunobiológicos e das vacinas. O orçamento já é deficitário por si próprio. Pelo nono ano consecutivo, estamos fazendo orçamento com déficit”, explica.

Transição
A equipe de transição do governo Lula, liderada pelo vice-presidente eleito Geraldo Alckmin, propôs uma legislação que amplia o furo no teto de gastos, já proposto pelo atual governo. Segundo Alckmin, a proposta de PEC deve ser apresentada nesta terça-feira (8) e incluir “gastos extraordinários”, contabilizados fora do teto de gastos definido em lei. Para que a legislação possa valer em janeiro e evitar o corte de benefícios, ela precisa ser aprovada pelo Congresso até 15 de dezembro. 

O diretor do Instituto Livres, cientista político Magno Karl, explica que o “teto de gastos” é uma política fiscal estabelecida em lei durante o governo de Michel Temer (2016/2018) e que busca o controle do endividamento público no país. Ele ressalta que “compreende” a proposta da PEC pela equipe de transição, mas alerta que a iniciativa tem riscos. 

“O governo Bolsonaro já admite um rombo de R$ 150 bilhões nas contas públicas. A PEC da transição amplia esse rombo em mais R$ 100 bilhões. Entendemos a priorização dada pelo governo Lula, mas defendemos que o ideal seria fazer uma avaliação da realidade do governo antes de propor a ampliação do endividamento”, avalia.

Alternativas à direita
Para que o país volte à normalidade, avalia o professor Lier Ferreira, cientista político do Ibmec, cabe a Bolsonaro dar manifestações claras de respeito ao resultado das urnas. Além disso, ele pontua que é um desafio para a democracia brasileira criar lideranças de “direita” menos envolvidas em convicções antidemocráticas. “Os movimentos que fecham as ruas afetam milhões de pessoas, inclusive, milhões de eleitores do presidente Jair Bolsonaro. O desafio estratégico da direita democrática é construir lideranças democráticas – Tarcísio, de São Paulo, Zema, Sérgio Moro, nomes que aparecem – capazes de romper essa coesão dos grupos bolsonaristas”, destaca.

Para o professor Adriano Cerqueira, enfraquecer os grupos que se moldaram ao lado de Bolsonaro será uma tarefa difícil. “É um grupo com lideranças novas, bastante coeso. Lula terá mais dificuldades do que teve em 2002. O atual governo – com o chamado orçamento secreto – diminuiu o controle por orçamento e o presidente terá dificuldades para atrair os atuais parlamentares e recuperar algumas prerrogativas sobre a elaboração do orçamento”, analisa.

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