Donos de bilhões

Trinta e dois partidos atrás do voto do eleitor e do fundo partidário

Hermano Chiodi
hcfreitas@hojeemdia.com.br
29/08/2022 às 07:30.
Atualizado em 29/08/2022 às 08:00
 (Editoria de arte)

(Editoria de arte)

Em um quiz eleitoral você conseguiria dizer quantos partidos políticos há no país e listar pelo menos a metade deles? Para a eleitora Vanessa Ferreira, advogada de 30 anos, isso seria praticamente impossível. “Não consigo listar nem dez”, comenta. “A gente reconhece os principais partidos, os outros a gente não consegue saber o nome nem o que defendem”, diz.

Para as eleições deste ano, há 32 partidos registrados no Brasil. A quantidade, para cientistas políticos, não seria o problema, mas o fato de muitos deles não conseguirem ouvir e representar as demandas da sociedade brasileira.

Para o professor e cientista político Oswaldo Dehon, multipartidarismo pode ser uma coisa boa, mas no Brasil passou por uma desvirtuação. “Não devemos confundir multipartidarismo com fragmentação”, explica.

Segundo ele, multipartidarismo é a representação de diferentes ideias e projetos políticos. Por outro lado, a fragmentação seria uma divisão do poder em diversos grupos, que muitas vezes não têm representação eleitoral e não têm apelo entre a população.

“Multipartidarismo não é ruim. O problema é como os partidos buscam informações da sociedade e entre seus filiados e como defendem esses valores. Na ausência de mecanismos de escuta, os partidos tendem a ter uma ação muito mais voltada à defesa dos seus principais líderes”, afirma Dehon.

Segundo o professor, no Brasil há uma tendência de que os partidos se limitem a funções “cartoriais” e passem apenas a administrar a distribuição de recursos públicos para os políticos que já exercem mandato parlamentar. Recursos esses vinculados aos fundos partidário e eleitoral.

Para se ter uma ideia do tamanho desses recursos, nas eleições deste ano, para um período inferior a dois meses de campanha na rua, os partidos políticos brasileiros vão receber um montante superior a R$ 4,9 bilhões. 

O menor valor pago aos partidos será de R$ 3,1 milhões, destinados àqueles que não atingiram a votação mínima e não elegeram deputados federais ou senadores. Para os demais, os valores variam de acordo com as bancadas federais. O maior valor é pago ao partido União Brasil, que vai receber mais de R$ 776 milhões.

Concentração
Essa lógica cartorial de fragmentação do poder favorece a criação de grupos de líderes partidários que acabam definindo a pauta de votações no parlamento brasileiro. “O que temos hoje é um grupo de deputados e senadores que faz com que qualquer governo os defenda. Como forma de impedir a abertura de processos de impeachment ou garantir um mínimo de estabilidade para votações”, afirma o professor Oswaldo Dehon.

O próprio grupo de partidos associados ao “centrão” faz parte da lógica democrática estabelecida no Brasil, mas pode ser mal utilizado. “O presidencialismo de coalizão, adotado no Brasil, explica porque poucos partidos acumulam muito poder”, explica o cientista político Adriano Cerqueira, professor do Ibmec. 

Para ele, qualquer presidente que queira governar em um ambiente de multipartidarismo precisa agrupar pelo menos três ou quatro legendas e aglutinar apoios entre diferentes grupos.
 
Origem histórica
Não tem como fugir desse cenário, avalia Adriano Cerqueira. Segundo ele, a questão tem uma origem histórica no Brasil e nasce da necessidade de garantir voto proporcional e representação para diversas elites regionais. 

“O Brasil está condenado pela extensão territorial a ter muitos partidos para possibilitar a representação de minorias qualificadas. É uma tendência, mas é exagerada”, avalia Adriano Cerqueira.

A prática geralmente é comparada à realidade dos Estados Unidos, onde existem apenas dois grandes partidos, mas não é uma exclusividade do Brasil. Segundo Cerqueira, a maioria dos países democráticos do mundo utiliza o multipartidarismo.

Leia mais:

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por