À beira da falência, Mariana decreta estado de calamidade financeira e vai processar a Vale

Rafaela Matias
25/03/2019 às 20:45.
Atualizado em 05/09/2021 às 17:57
 (Flávio Tavares)

(Flávio Tavares)

Com 85% da arrecadação municipal atrelada à mineração, Mariana, na região central de Minas, anunciou ontem estado de calamidade financeira. O decreto foi assinado pelo prefeito Duarte Júnior (PPS), na sede da Associação de Municípios Mineradores de Minas (Amig), quase três anos e meio após o rompimento da barragem de Fundão, da Samarco, no distrito de Bento Rodrigues.

Segundo o chefe do Executivo, o problema vem se arrastando desde a tragédia, em 5 de novembro de 2015, e chegou ao ápice com a interrupção das operações da Mina de Alegria, da Vale, na última quarta-feira. A companhia é uma das controladoras da Samarco. A paralisação das atividades minerárias teria causado um rombo no orçamento da prefeitura, inviabilizando a prestação de parte dos serviços públicos. 

Até agora, a arrecadação local sofreu uma queda de R$ 76 milhões no ICMS e R$ 27,8 milhões no Cfem, imposto que incide sobre a atividade minerária. “Hoje, nossa arrecadação mensal é de aproximadamente R$ 12,7 milhões, mas somente a folha de pagamento é de R$ 10 milhões”, afirmou o prefeito, alegando um déficit de até R$ 9 milhões ao mês.

Para evitar que o prejuízo se multiplique, Júnior anunciou que vai recorrer à Justiça e pedirá que as empresas mineradoras indenizem a cidade pelo prejuízo causado. “Vamos entrar com duas ações nesta semana na Comarca de Mariana para que paguem o tributo que cessou e mantenham os serviços essenciais”, disse.

Procurada, a Vale respondeu, por meio de nota oficial, que segue o que determina a lei. “A Vale recolhe todos os tributos incidentes em suas operações de acordo com a legislação vigente. A empresa vem mantendo diálogo permanente com os municípios de Minas Gerais”, diz o comunicado.PEDRO FERREIRA/PREFEITURA DE MARIANA

Sem recursos da mineração, prefeito de Mariana, Duarte Júnior, diz que serviços da cidade vão ser suspensos

Suspensão

Devido ao déficit, foram suspensas cirurgias eletivas, manutenção de estradas rurais e atividades de limpeza urbana. Transporte e repasses ao esporte também devem ser interrompidos, e cerca de mil funcionários públicos e terceirizados poderão ser desligados nas próximas semanas. O pagamento do 13º salário dos servidores municipais também deve ficar comprometido. “Entramos em caos financeiro. Estou indignado e preocupado com a falta de comprometimento social da Vale. Ela não pode virar as costas para um município onde lucrou por tantos anos”, disse Duarte Júnior.

O presidente da Amig e prefeito de Nova Lima, Vitor Penido (DEM), disse que o problema não é enfrentado apenas por Mariana. “Pelo menos outras dez cidades mineiras estão em estado crítico”, afirmou. 

Em Nova Lima, que tem uma receita 40% dependente da mineração, os cortes de serviços devem começar no próximo mês, e o pagamento dos servidores municipais poderá ser atrasado por falta de recursos. 

Uma reunião marcada para esta terça-feira (26), em Brasília, entre dirigentes da Amig e representantes da Agência Nacional de Mineração, vai buscar uma solução para o problema. Outro encontro está previsto para sexta-feira, com integrantes do primeiro e segundo escalões da Vale, em Belo Horizonte.

Paralisação de mineradora pode gerar prejuízo de R$ 7,7 bilhões

Após a decisão da Vale de paralisar as atividades para o descomissionamento de barragens que utilizam o alteamento a montante – mesmo método usado para depositar rejeitos em Mariana e Brumadinho –, a Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais (Amig) realizou um estudo sobre os impactos na economia e na empregabilidade no Estado causados pela medida.

Segundo a pesquisa, a redução de 40 milhões de toneladas de minério de ferro extraídas ao ano, anunciada pela própria mineradora, deve significar perdas de cerca de R$ 7,7 bilhões anuais na balança comercial, incluindo neste número o pellet feed (minério mais fino) necessário para a produção de 11 milhões de toneladas de pelotas (utilizadas na produção do aço). 

Além disso, os prejuízos podem chegar a R$ 237,7 milhões referentes à Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem) e a R$ 26,2 milhões da Taxa de Fiscalização de Recursos Minerais (TFRM), cuja finalidade é custear as atividades dos órgãos públicos que atuam junto ao setor de mineração. 

Aproximadamente 65 mil empregos diretos e indiretos sofrerão com a paralisação das atividades da mineradora. A empresa poderá compensar o impacto por meio do aumento de produção em outros sistemas produtivos.

O estudo foi desenvolvido pela equipe técnica da Amig e coordenado pela economista Luciana Mourão. Ela explica que a pesquisa limitou-se a apontar os prejuízos relacionados à TFRM e à Cfem, além da balança comercial e empregabilidade.

No entanto, acrescenta que uma possível paralisação das atividades de mineração afetaria diversos setores da economia local e regional, de forma direta e indireta. “Portanto, o estudo não leva em consideração os impactos relacionados ao ISS, ICMS, IPI, dentre outros tributos”, diz a economista. 

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