'95% dos incêndios são criminosos', diz Marília Melo, secretária de Estado de Meio Ambiente

Marciano Menezes
mmenezes@hojeemdia.com.br
03/10/2020 às 17:30.
Atualizado em 27/10/2021 às 04:42
 (Viviane Lacerda/DIVULGAÇÃO)

(Viviane Lacerda/DIVULGAÇÃO)

Sancionada pelo governador Romeu Zema após o rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, que deixou mais de 270 mortos, a Lei de Segurança das Barragens deve ser regulamentada neste mês, segundo informações da nova secretária de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Marília Melo, ex-diretora-geral do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) e professora de Hidrologia da Faculdade Kennedy. A nova norma estabelece regras rígidas para o setor e determina a erradicação de barragens construídas pelo método de alteamento a montante.

“Nos regulamentos, nós vamos ter essa nova forma de acompanhamento estabelecida pelo Estado, com papel sim da Secretaria de Meio Ambiente, da Fundação Estadual do Meio Ambiente, da Defesa Civil estadual - que é um órgão muito importante quando a gente fala em plano de emergência. Então, nós vamos intensificar (a fiscalização). Nossa ideia é intensificar o controle dessas atividades”, enfatizou a engenheira Marília Melo, que é doutora em recursos hídricos pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Nesta entrevista ao Hoje em Dia, ela afirmou que a maioria dos incêndios no Estado é criminosa. “É muito difícil você ter uma combustão espontânea. Então, em 95% tem uma ação antrópica”, salientou, acrescentando que todos os anos é feita a contratação de brigadistas para o combates aos incêndios e monitoramento e vigilância nas unidades de conservação.

Recentemente, o governo de Minas deu início a um processo de licenciamento ambiental mais simplificado, agora por meio da internet. Isso não corre o risco, por exemplo, de licenciar empreendimentos com maior potencial devastador ao meio ambiente?
Na verdade, o que foi feito foi a modernização e a racionalização do licenciamento ambiental no Estado de Minas Gerais. E uma das premissas da racionalização e modernização que foram feitas – e a gente pretende ainda dar continuidade, porque entendemos que têm coisas ainda a aprimorar – é manter a qualidade e o rigor técnico do processo de licenciamento ambiental. É muito importante que a gente deixe isso claro, que racionalização não significa flexibilização. Pelo contrário. A partir de uma lei, que foi aprovada em 2016, que institui inclusive a licença ambiental simplificada no Estado de Minas Gerais, foi possível então categorizar os empreendimentos conforme o seu porte e potencial poluidor, estabelecendo licenças distintas para cada tipo de empreendimento. Aqueles de menor impacto e menor potencial poluidor têm a licença ambiental simplificada. Já os de maior potencial poluidor seguem o rito da licença em três etapas: prévia, de instalação e de operação. Mas é importante a premissa de que os requisitos técnicos, as exigências técnicas, os controles ambientais estabelecidos se mantêm os mesmos e, na verdade, a nossa proposta é que a gente avance nesses requisitos técnicos. De fato, o licenciamento só faz sentido se ele gerar qualidade ambiental.

Secretária, os prazos para o licenciamento também caíram bastante. Passaram em média de 60 para 10 dias...
Sim, esse é um prazo médio. Como têm essas licenças ambientais simplificadas, o prazo é bem curto. Então, a gente consegue estabelecer esse prazo médio, mas uma coisa que é importante dizer é que, independente da forma que a exigência é feita, não desonera o empreendedor de obedecer todas as normas ambientais. Ele tem que ter um plano de controle ambiental, mesmo que o processo seja declaratório.

Nós tivemos aí duas grandes tragédias: o rompimento da barragem de Mariana, em 2015, e o da de Brumadinho, em 2019. Elas não poderiam ter sido evitadas se tivesse uma fiscalização mais rigorosa por parte da Secretaria?
A Política Nacional de Segurança de Barragem é muito clara. Barragem de mineração os requisitos de segurança são de responsabilidade da Agência Nacional de Mineração (ANM). De água, a responsabilidade é nossa, através do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam). Então, precisamos dividir um pouco esses papéis. O órgão ambiental tem a função de estabelecer controles ambientais do empreendimento, se a locação está no local adequado, que gere menos impactos ambientais e se os controles ambientais estabelecidos mitigam os impactos que o empreendimento gera. E essa é a nossa responsabilidade na fiscalização. A nova Lei de Segurança de Barragens, aí sim ela começa a trazer outras competências para a gente do Estado, que nós já estamos executando. Sempre falo que tem que separar muito o joio do trigo nesses aspectos. De fato, é um desastre ambiental sem precedentes, nos dois casos, e um ponto que a gente tem que discutir também é a qualidade da engenharia, a técnica de engenharia que é aplicada nesses empreendimentos. São obras de engenharia, então existem responsáveis técnicos pelos cálculos estruturais, pelo acompanhamento da operação dessas barragens e, cabia à ANM – e ainda cabe – a fiscalização do ponto de vista da segurança barragem. De fato, é uma diretriz do governador (Romeu Zema) hoje, em sintonia muito fina com o Ministério Público, a gente estabeleceu uma outra dinâmica de acompanhamento dessas barragens. Infelizmente, o sistema de auditorias externas, a gente viu que nos dois casos especificamente tinha a estabilidade garantida pelo auditor. Então, temos buscado uma outra dinâmica aí, em articulação com o Ministério Público.

Então, à frente da Pasta agora, a senhora pretende intensificar essas fiscalizações, para tentar evitar eventuais novos rompimentos, porque é um modelo meio ultrapassado...
Nós estamos, neste momento, regulamentando a Lei que foi aprovada logo após o rompimento da barragem (de Brumadinho). Ela vem de um trabalho realizado inclusive pelo Ministério Público, chamado “Mar de Lama nunca Mais”. Tramitava na Assembleia desde o rompimento da barragem de Mariana e foi aprovada. Na sequência, o governador sancionou a lei. Então, estamos nesse momento estabelecendo os regulamentos. E nos regulamentos, nós vamos ter essa nova forma de acompanhamento estabelecida pelo Estado, com papel sim da Secretaria de Meio Ambiente, da Fundação Estadual do Meio Ambiente, da Defesa Civil estadual – que é um órgão muito importante quando a gente fala em plano de emergência. Então, nós vamos intensificar (a fiscalização). Nossa ideia é intensificar o controle dessas atividades. Agora, é sempre bom deixar claro que a competência (fiscalização dos requisitos de segurança) continua na ANM.

Agora, em relação às fiscalizações em geral, secretária, tem aumentado na Secretaria. A senhora tem os números para destacar?
A fiscalização tem um ponto muito importante. Fui subsecretária (de Fiscalização) e essa é uma cultura que nós instituímos, que é uma fiscalização baseada nos principais problemas ambientais do ponto de vista técnico que temos. A gente faz um planejamento da fiscalização baseado nos principais indicadores ambientais, de qualidade da água, desmatamento da cobertura vegetal, qualidade do solo, qualidade do ar e tipologias industriais. E então temos um planejamento anual que tem fiscalizações que são setoriais nessas agendas, água, empreendimentos de potencial poluidor, combate ao desmatamento; e temos o que a gente chama de fiscalizações sobre demanda dos órgãos de controle e da sociedade, por meio das denúncias. Até onde eu acompanho, há um incremento na fiscalização importante e a gente tem um braço operacional que é fundamental, que é a Polícia Militar. Então, na poluição ambiental, nós temos um convênio com eles já faz algum tempo. É um braço operacional bem importante na fiscalização ambiental do Estado.

Neste ano, nós vimos aí que as queimadas foram até piores do que em anos anteriores e algumas até criminosas... A Secretaria tem também intensificado essas ações para tentar coibir isso, o que tem sido feito, secretária?
Em Minas Gerais, contamos com o Programa de Prevenção e Combate a Incêndios Florestais, que é o Previncêndio, e que hoje está sob a coordenação do Instituto Estadual de Florestas (IEF). Nossa competência é combater os incêndios florestais nas unidades de conservação estaduais. Neste ano, em que pese estarmos em um período de estiagem severa, a área queimada não é maior em relação ao ano passado. Em 2019, foram atingidos 27.038,70 hectares, enquanto em 2020 registramos a queima, até o momento, de 2.303,51 hectares de vegetação dentro das nossas unidades de conservação. Esses dados ainda não são os finais, pois à medida que os incêndios vão acontecendo, esses dados são enviados para compilamento. Portanto, alguns dados ainda são parciais, mas não podemos afirmar a piora dos dados em 2020. 
Todos os anos, a gente se prepara para a prevenção e o combate com a contratação de brigadistas para este período. Eles são distribuídos nas nossas unidades de conservação. Quando esses brigadistas não estão combatendo, estão fazendo um monitoramento e a vigilância, porque, de fato, 95% dos incêndios são criminosos. Ou seja, são colocados pelo homem. É muito difícil você ter uma combustão espontânea. Então 95% tem uma ação antrópica. Então, esse processo de vigilância prévio, nas unidades de conservação, que não só neste momento é intensificada pelos brigadistas, mas também é feita pela nossa equipe de parques, é muito importante para que a gente evite os incêndios. E a segunda coisa é o combate rápido, porque se perde o controle do fogo é muito complexo.

Em relação ao saneamento básico, a Secretaria ainda está com aquele incentivo do ICMS Ecológico?
Temos a competência de estabelecer o ICMS Ecológico. Ele tem duas vertentes, a do saneamento, e a segunda são as próprias unidades de conservação. Então, quando o município tem uma unidade de conservação, também faz jus ao ICMS Ecológico. E esse é um caminho que acho muito importante, que a gente pretende reforçar. O ICMS Ecológico não deixa de ser um pagamento por serviço ambiental. A partir do momento que o município faz o seu papel, na melhoria da qualidade ambiental, seja por uma ação de saneamento, disposição adequada de resíduos sólidos, tratamento de esgoto e, também, na proporção de unidades de conservação nos municípios, ele tem então uma retribuição econômica desse investimento, que é o que acontece também no pagamento por serviços ambientais em áreas rurais, que é uma tendência, discutida muito no mundo. A gente tem aqui em Minas Gerais o município de Extrema, que é uma referência não só no Brasil, mas mundial. E nós precisamos ampliar esse conceito de pagamento por serviços ambientais. Nós somos um dos poucos estados – ou o primeiro – que instituímos o pagamento por serviços ambientais para cada catador de materiais recicláveis, a Bolsa Reciclagem. Aqueles catadores que prestam o serviço ambiental para a sociedade – porque a partir do momento que as pessoas, através das suas associações, diminuem o descarte irregular dos resíduos sólidos ou diminuem também o aporte de resíduos sólidos nos aterros sanitários – são retribuídos economicamente por isso.

A senhora, quando esteve à frente do Igam, defendeu muito o reuso de água e a revitalização dos rios. Como ficarão essas questões agora?

A revitalização tenho defendido até em uma abordagem um pouco mais ampla, de segurança hídrica. A segurança hídrica a gente tem um olhar no planejamento. Tem uma visão que ela se estabelece a partir de um tripé: o primeiro é saneamento, infraestrutura hídrica, barramento de água; o segundo deles, tem ação direta do IEF, que é a restauração florestal, conservação das nascentes, técnicas conservacionistas de água e solo. Também a agricultura tem um papel fundamental nisso. E o terceiro, é a gestão da demanda. Então, a gente tem que propiciar, de fato, o uso eficiente da água. E nessa gestão da demanda, entra também o reuso, uso alternativo muito importante. É uma bandeira nossa no Igam e agora será uma bandeira nossa também (na Semad). A gente gera com o reuso uma economia da necessidade de investimento por parte dos municípios. Então, este é um ponto que a gente vai trabalhar muito forte. Estamos em negociação com a Universidade Federal de Minas Gerais para fazer um atlas com o potencial de reuso do Estado de Minas gerais. E isso será base, inclusive, para o planejamento de tratamento de esgoto, porque o reuso só se torna viável se a estação de tratamento de esgoto está próxima à fonte de utilização. Senão, como vou transportar o esgoto tratado até onde ele vai ser usado.

Em relação à pandemia, como ficaram os processos aí da Secretaria, como licenciamento. Foi facilitado?
O licenciamento a gente tem um problema, porque ele demanda vistoria. Naqueles municípios onde a gente está em onda verde, já estamos com os processos de vistoria. Não paramos a fiscalização, principalmente por meio de denúncias. Mas as vistorias foram, sim, diminuídas nesse período mais crítico da pandemia, mas a orientação é que o trabalho interno fosse todo adiantado para, tão logo tivesse condição de ir a campo, a parte de escritório, de análise técnica, já estivesse pronta. Então, pretendemos agora reforçar essas vistorias para concluir. Por outro lado, no Igam, por exemplo, onde os processos de outorga demandam menos vistoria, nós tivemos até uma agilização. Diminuiu o atendimento ao público, infelizmente, apesar de a gente tentar fazer isso de maneira virtual, mas diminui um pouco. Mas agora a gente tem que, de fato, se esforçar mesmo nesse processo, porque a própria retomada do desenvolvimento econômico do Estado depende de um licenciamento mais ágil.

Voltando à questão da regulamentação da Lei de Segurança de Barragens, deve sair agora, em breve?
Sim. Neste mês.
As pessoas têm tido mais consciência para denunciar as irregularidades, porque muitas vezes acaba fazendo vista grossa...
Temos uma demanda de denúncias do cidadão muito significativa, seja no atendimento no sistema de meio ambiente, seja através da Polícia Militar. Então, a gente tem uma demanda muito expressiva da sociedade sim.

Em relação às políticas pública para esse segmento, há alguma coisa a mais que será feita?
As unidades de conservação são um ponto muito importante, inclusive como potencial turístico no nosso Estado, não só na preservação da biodiversidade, que é o papel fundamental dela, mas um potencial turístico importante. Estamos trabalhando muito forte nisso, até pensando em modelos de concessão para estruturar para que elas possam ser visitadas, que tenham aí uma boa estrutura para poder impressionar.

O Estado hoje, secretária, tem tido essa preocupação de licenciar os empreendimentos de olho no desenvolvimento sustentável?
O licenciamento ambiental tem esse papel, de avaliação desses diversos aspectos (social, econômico). O licenciamento é um instrumento que estabelece os controles para mitigação dos impactos que qualquer atividade antrópica gera, mas temos muito claro também a importância do desenvolvimento sustentável no nosso Estado, que vai gerar desenvolvimento econômico, que gera emprego e renda, então é esse equilíbrio.

A Semad informou que nos anos de 2018, 2019 e 2020, foram realizadas 11.530 fiscalizações, sendo 5.163 fiscalizações em 2018, 4.469 em 2019 e 1.904 em 2020, até setembro.

  

Em 2019, foram pagos R$ 107 milhões de ICMS Ecológico a 651 municípios. Neste ano, até junho, já são R$ 59 milhões a 647cidades
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