'A reforma agrária é legítima', diz presidente da Fetaemg

Tatiana Moraes
tmoraes@hojeemdia.com.br
07/07/2017 às 22:42.
Atualizado em 15/11/2021 às 09:26
 (LUCAS PRATES)

(LUCAS PRATES)

Há 12 anos, o atual presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais (Fetaemg), Vilson Luiz da Silva, fez uma proposta diferente à diretoria da entidade. Ele queria criar uma feira para mostrar a potência e a importância das pequenas propriedades na vida, na economia e na mesa do brasileiro.
Grande parte desses produtos, que representam 80% da agricultura nacional, é cultivada em assentamentos. Por isso, entre as bandeiras da Fetaemg está a reforma agrária. “As pessoas têm que entender que reforma agrária não é coisa de baderneiro, de bandido. São pais de famílias, mães de família, que querem trabalhar”, diz. O presidente da Fetaemg recebeu a equipe do Hoje em Dia durante a feira Agriminas na semana passada. Confira, abaixo, a entrevista completa.

Qual a abrangência da Fetaemg e o que ela defende?
A Fetaemg é uma entidade sindical, não é um movimento. Completaremos 50 anos em abril do ano que vem. Temos uma plataforma de representação dos trabalhadores rurais no tocante dos assalariados rurais, da luta da reforma agrária, da organização do jovem, da mulher, da valorização da agricultura familiar.
Hoje, temos 546 sindicatos filiados, mais de 1,5 milhão trabalhadores e trabalhadoras associadas.

Quem a Fetaemg representa?
A Fetaemg não representa só o trabalhador associado. É o Estado todo. Quando você negocia um projeto, tanto o associado quanto o não é beneficiado. Nem todos que fizeram parte da Agriminas são associados. Quando a gente negocia um acordo coletivo com uma usina ou empresa, a gente primeiro defende a classe. Associar é uma questão opcional.

Qual é o principal desafio da associação?
Principal desafio é representar da melhor forma possível a nossa classe de trabalhadores rurais. Aí está inserido o assentado da reforma agrária, o trabalhador sem-terra, os que estão na agricultura familiar ou são assalariados. É a valorização do homem do campo.
E é claro que, nesse contexto, a reforma agrária é uma bandeira de luta também. O problema é que existe um preconceito, até porque o modelo de reforma agrária no Brasil não é aplicado.
Precisamos de uma reforma agrária que não seja tão sofrida. Na madrugada de sexta para sábado, por exemplo, a Polícia Militar (PM) colocou 126 família na rua, em Açucenas. Se a Fetaemg fosse governo ela não mandaria polícia, tropa de choque e helicóptero. Não colocaria cachorro em cima de trabalhador. Cinco horas da manhã, nesse frio, pessoas de até 90 anos sendo despejadas. A Fetaemg luta pela valorização da democracia. Ela não é ainda como deveria ser no Brasil. Os governos são muito aliados com o grande capital.

Mesmo os de esquerda?
Nós não temos governo de esquerda. Que dia o Brasil teve governo de esquerda? O Lula teve um governo forte, com o Congresso do lado dele. O Lula tinha que ter feito uma reforma estruturadora durante o governo dele e não o fez. Ele achou que o banqueiro era amigo, que o empresário era amigo. E não eram. Quem está no poder tem que fazer as regras dos partidos, dos empresários. Ou ele faz, ou ele está fora.

Quais as consequências desse cenário?
O brasileiro está desanimado e a classe política está sem crédito nenhum. Ano que vem haverá uma quantidade inimaginável de votos brancos e nulos. E isso é muito ruim. O voto branco e nulo é uma indignação, mas eles fazem com que os bandidos permaneçam no poder. Tira a oportunidade de pessoas dignas assumirem uma cadeira.

Qual a solução?
Ano que vem temos que fazer uma bravata. Campo e cidade têm que se unir para trocar o Congresso nacional. Hoje não adianta colocar nenhum de nós que estamos nessa sala para presidente da República se for mantida a mesma postura desse Congresso nacional. É um Congresso de barganha, de negociata, vergonhoso, de toma-lá-dá-cá. É um capitalismo selvagem.
E o Brasil é a melhor terra do mundo para a instalação desse tipo de política. O melhor lugar do mundo para os banqueiros é o Brasil. Eles nunca ganharam tanto dinheiro como ganham aqui. Isso é ruim. O dinheiro que os bancos estão movimentando poderia estar criando empregos, movimentando a economia. Você roda Belo Horizonte e vê apartamento para vender, loja fechada, loja para alugar.
Não tem emprego. A atitude de colocar a polícia para tirar camelô da rua, por exemplo, é desumana. Se tivesse emprego, não tinha camelô. Se eles estão ali, e estão ilegais, estão tentando ganhar o pão, não estão roubando não. Os governos estão na contramão. Nós, como entidades sindicais, temos que tocar nessa questão política também.

Voltando à reforma agrária, como ela funciona no Brasil?
Para começar, ocupação aqui é crime. Se nós ocuparmos uma propriedade, primeiro a polícia vai nos tirar de lá. Segundo, essa terra não pode ser vistoriada pelo Incra durante dois anos. Dois anos! E todas as propriedades que tem em Minas Gerais de projeto de assentamento não foi porque o governo é bonzinho ou porque o dono da terra é bonzinho.

E qual o verdadeiro motivo?
É porque nós tivemos resistência e lutamos por aquilo. E não tem esse negócio que o trabalhador não paga a terra. Quem tem terra ocupada recebe por ela sim. Recebe pelas benfeitorias em dinheiro vivo e o resto com título da dívida agrária.

E a reforma agrária deveria ser?
A reforma agrária é legítima. O correto seria que o governo assentasse as famílias, fizesse escolas, estradas. Ele daria uma carência de alguns anos para montar um projeto produtivo de agricultura. A partir da carência, o processo produtivo, com assistência técnica, começaria a cobrar pela terra. Aí o produtor pagaria à União, que já teria pago ao proprietário. As pessoas têm que entender que reforma agrária não é coisa de baderneiro, de bandido.
O homem do campo quer trabalhar. Um dos nossos expositores era sem-terra. Hoje ele é assentado em um pedaço de terra, produz café especial e exporta para a França. Para que preconceito com a reforma agrária? Ela dá oportunidades.
Cidade já deu o que tinha que dar. Acabou. Cidade não tem mais solução. Porque quem tem mais poder aquisitivo quer terra fora? Porque as cidades estão saturadas. Se você fizer uma análise de quem está na rua você encontrará muita gente que tinha um pedaço de terra e veio para a cidade e acabou perdendo tudo.

Como você enxerga as reformas propostas pelo presidente Michel Temer?
Somos definitivamente contra a reforma da Previdência e a trabalhista. Aliás, não são reformas, são desmontes. A trabalhista é ainda pior porque ela retoma a escravidão no Brasil e revoga a Lei Áurea. Se com a Lei que está aqui já é difícil para o trabalhador, imagina trabalhando 12 horas. Quantos postos de trabalho vão diminuir. Imagina o negociado sobrepor ao legislado? A gestante perde os direitos. Mudam os horários de almoço. Há até mesmo projeto para pagar salário de trabalhador com comida. Não somos animais!

Como surgiu a Agriminas?
Há 12 anos eu fiquei 40 dias visitando França, Itália e Espanha para conhecer os processos fundiários deles e como eles lidavam com a reforma agrária. Vim para o Brasil e trouxe para a nossa associação a proposta de que deveríamos fazer uma feira para mostrar que nós não queremos ser agricultura de subsistência.
Falo isso porque sou agricultor familiar. Já passei fome, já passei dificuldade. A nossa casa era de pau a pique. Eu tinha cinco irmãos. Não tinha médico igual tem hoje. Era luz de lamparina. A gente tinha que produzir o que comíamos, porque não tinha dinheiro. Nós produzíamos de um a tudo. Produzíamos a mandioca, a farinha, o polvilho, o porco, a galinha, o leite, o queijo a horta. Tudo da nossa terra. Nós fazíamos tudo. Hoje nós queremos manter a qualidade da nossa produção.

Como foi a ascensão da feira?
As primeiras três edições da feira foram difíceis. Na quarta, engatamos. Atualmente, a Agriminas é um sucesso. No fim de semana, fica difícil andar nela de tanta gente que vem nos prestigiar. Desde o primeiro dia os expositores, fizeram negócio de futuro, que significa fazer vendas para o ano inteiro.
Muitos que trabalhavam como empregados hoje têm sua produção familiar. E olha onde chegamos! Fizemos tudo isso, a vida de tanta gente mudou, com tão pouco. Não precisa de bilhões como estão desviando por aí. É com pouca coisa que a gente muda. O discurso da Fetaemg saiu do tamborete do discurso para a prática. E mostrando que é possível mudar a realidade e a conjuntura nacional.

O homem do campo quer trabalhar. Um dos nossos expositores era sem-terra. Hoje, ele é assentado em um pedaço de terra, produz café especial e exporta para a França. Para que preconceito com a reforma agrária? Ela dá oportunidades.

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