'A Reforma da Previdência é radical e violenta com o povo', afirma presidente do Corecon-MG

Janaína Oliveira
joliveira@hojeemdia.com.br
20/03/2017 às 06:00.
Atualizado em 15/11/2021 às 13:47

Idealista e apaixonado pelo Brasil, Paulo Bretas tomou posse neste ano como presidente do Conselho Regional de Economia de Minas Gerais (Corecon-MG). Mestre em História Econômica Brasileira e professor associado da Fundação Dom Cabral (FDC), Bretas é um crítico contumaz da reforma da Previdência e da atual condução econômica e política do país. Nesta entrevista, ele critica privilégios, ataca os oligopó-lios dos bancos e fala sobre o perigo da desigualdade social e da volta do país ao mapa da fome.

Como chegamos a essa crise?
O Brasil foi virando, a cada ano que passava, um país de rentistas. As pessoas, os capitalistas, os investidores, ganham mais deixando o dinheiro no banco do que investindo em atividade produtiva. Mas o que gera emprego de verdade é a atividade produtiva, investir em máquinas e equipamentos. Mas o Brasil, cada vez mais, fica incentivando você a deixar seu dinheiro rendendo no banco. As taxas de juros no Brasil, do Plano Real pra cá, sempre foram altíssimas. Uma crise se instala quando você tem pouco consumo e pouco investimento. O dinheiro no capitalismo tem que circular. O bonito do mercado é isso. Quando o mercado vai parando, quando as coisas vão deixando de circular, é a hora que a crise se instala.

Quais lições podemos tirar da recessão?
Se essa recessão valeu alguma coisa, foi para a inflação ficar mais baixa, permitindo ao governo abaixar os juros. A política de juros vinha sido conduzida para diminuir a inflação e jogando as taxas cada vez mais para cima. A loucura dessa política é que ela aumenta os juros que o próprio governo paga da sua dívida. De quatro anos pra cá, ela só veio multiplicando loucamente. E isso interfere na política fiscal porque é de onde vai sair o dinheiro para pagar juros. E aí não deu mais para pagar.

Estamos saindo da crise?
Não. Estamos com a economia parando de piorar. Tem outro aspecto da crise que é o político. Economia é uma ciência moral. As pessoas fazem escolhas. E as pessoas que conduzem a economia fazem escolhas. Se eu escolhi a sua empresa para dar crédito, para crescer, o dinheiro que foi para você não foi para o outro. Quando faço escolhas para aumentar os salários dos juízes, do Ministério Público, dos funcionários públicos, eu fiz uma escolha. Mas se a grande mídia fica bombardeando que a economia está crescendo, pode criar uma grande onda positiva, otimista. Mas vamos ser realistas. A economia parou de piorar. Agora, para melhorar, é preciso fazer algumas coisas.

Como sair do fundo do poço?
Você só sai de uma crise com investimento e consumo. Precisamos readquirir a capacidade de investir na economia. O governo tem que investir, a iniciativa privada tem que investir, e tem que atrair investimentos de fora. É assim que você compra máquina, equipamento, gera emprego. Tem que ter consumo também. O capitalista não é burro. O capitalista quer duas coisas: maximizar o lucro dele e minimizar o custo dele. O Lula incentivou o consumo. Ele, muito inteligentemente, com a equipe econômica que tinha, conseguiu evitar que a crise se instalasse naquele momento. Deu continuidade à estabilidade econômica de FHC e conseguiu diminuir as desigualdades. Abriu crédito, diminuiu impostos de eletrodomésticos, colocou 40 milhões de pessoas na classe média e tirou 20 milhões de pessoas da pobreza. E isso vai ser lembrado sempre, com ou sem “Lava Jato”. Nossos capitalistas podiam ter comprado mais máquinas, produzido as coisas aqui. Mas comprar peças na China e montar e vender aqui dava mais dinheiro. A economia brasileira poderia ter ganho bem mais se a lógica não fosse essa.



O desemprego de 13 milhões de pessoas é o pior retrato da crise?
É, porque afeta diretamente o povo. O desemprego ainda não começou a cair, apenas diminuiu o seu ritmo de crescimento. E se a pessoa está ameaçada, não sabe se vai ter emprego amanhã, ela não vai consumir.

E o peso da carga tributária?
As pessoas pagam muitos impostos, inclusive indiretos. Poderia ser diferente. Poderia pagar mais imposto de renda quem tem muita renda, e diminuir o imposto do leite, do arroz, café, açúcar. Hoje, se o dono da Ambev for comprar uma geladeira, ele vai pagar o mesmo imposto que você.

Algo neste sentido será contemplado na reforma tributária?
A grande preocupação deste governo é não gastar, é diminuir os gastos públicos, até porque aprovaram uma lei para limitar os gastos numa situação em que os juros são pesados. E vai ter que continuar pagando juros altos por um bom tempo ainda. Os bancos são grandes oligopólios. Tanto que os bancos não reagem imediatamente quando a Selic cai. Para eles, é muito fácil ganhar dinheiro no Brasil. Eu até acho que o Brasil virou uma das fontes mundiais onde o dinheiro vem passear e depois vai embora. Ficou fácil isso.

Qual a taxa Selic razoável?
Nenhum outro país tem taxas tão malucas. Sou economista e não consigo explicar uma taxa tão alta. Só dá para explicar pela teoria do oligopólio, pela teoria de que hoje o mercado financeiro domina e controla politicamente o país. São escolhas são imorais. Nos EUA, a taxa agora vai a 1%. A Selic tem que ser acima da inflação e de acordo com as taxas aplicadas em outros países. Então numa inflação de 4,5%, a Selic de 6%, 7%, seria razoável.

O governo Michel Temer tem tomado medidas necessárias?
 

O que mais te preocupa no Brasil?
Temos até hoje trabalho escravo no Brasil. O país precisa de um projeto, de um governo inspirado, com intelectuais, professores, com o povo participando, com os movimentos sociais, para a gente ter uma ideia de Brasil e correr atrás dela. Já tivemos grandes pensadores como Celso Furtado, Darcy Ribeiro, Raymundo Faoro. Onde estão esses homens hoje? O projeto precisa passar pela educação, pelo ensino da economia no segundo grau. O uso do dinheiro não pode ser só emocional, precisa de racionalidade.

Qual sua opinião sobre a reforma da Previdência?
Ela é radical demais, é violenta com a população mais pobre, das áreas mais humildes e rural. Se você nasceu na área rural do Maranhão, você nunca vai aposentar na vida. Você vai pagar o INSS durante a vida toda, vai morrer com 65, 67 anos, e pronto. Isso pode provocar inclusive uma evasão de pessoas com carteira assinada. A expectativa de vida do brasileiro, em média, é de 75, 76 anos. Aí você tem que trabalhar pagando o INSS ininterruptamente por 49 anos, além de esperar chegar aos 65. Ou seja, você tem que começar a trabalhar com 16, pagar todo ano, com emprego de carteira assinada, para aposentar aos 65 pelo teto. Mas quantos brasileiros têm essas condições? Talvez o filho do empresário de Santa Catarina, cujo pai assinará a carteira dele, e onde a expectativa de vida é maior, de 79 anos. Precisamos de uma reforma, a população está envelhecendo. Há problemas para equacionar despesas e receitas, mas vamos ver as fraudes, o tanto de empresa que deve para a Previdência e não paga.

A pobreza e a desigualdade vão aumentar no país?
As pessoas estão empobrecendo. Pode aumentar até a fome no Brasil. E nós já tínhamos saído do mapa da fome. Esse é um preço alto demais para manter esse povo aí no poder, ganhando altos salários e penduricalhos e legislando em causa própria. Valorizo o Judiciário, o MP, mas tem gente ganhando demais. É ponto fora da curva. Enquanto isso a maioria da população tem que pegar ônibus e matar um leão por dia.

Quais as prioridades na sua gestão à frente do Corecon-MG?
Eu amo o meu país e quero ver o Brasil sair do buraco. Esse país hoje é um país hipócrita, um país das elites que não conseguem administrar em benefício da população. O aparelho do Estado foi ocupado por burocratas que fazem aliança com grandes bancos para manter os privilégios financeiros. Vamos intensificar reuniões e debates com outras entidades e explicar para o povo o que está acontecendo. Entre 6 e 8 de setembro, será realizado o 22º Congresso Brasileiro de Economia em Belo Horizonte. Vai ser uma grande oportunidade para discutir o Brasil.

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