'Acordo com a União foi tentado em vários estados e não prosperou', diz Agostinho Patrus

Lucas Simões
23/03/2019 às 17:57.
Atualizado em 05/09/2021 às 17:56
 (Lucas Prates)

(Lucas Prates)

Diante da maior crise financeira de Minas, o presidente da Assembleia Legislativa, Agostinho Patrus (PV), falou ao Hoje em Dia sobre as dificuldades da reforma administrativa, alguns entraves de relacionamento com a gestão do governador Romeu Zema (Novo), a polarização política na Casa e a inédita proibição de jornalistas ao Plenário da Assembleia.

Como o senhor avalia a configuração dos blocos, tendo dois independentes, um governista e outro de oposição, sendo que a ALMG tem 11 partidos a mais nesta legislatura?
Continuamos vivendo um aumento da pluralidade. Tínhamos na legislatura passada 17 partidos representados e hoje temos 28, o que demonstra uma necessidade grande e urgente de articulação. Sem esse trabalho, a Casa tem dificuldade de caminhar. Aumentou número de partidos, o que aumenta a necessidade de consenso e entendimento.

O projeto de Regime de Recuperação Fiscal deve ser enviado à Assembleia na próxima semana pelo governo do Estado. Na sua opinião, esse é o melhor caminho para Minas neste momento de crise?

Não quero me posicionar a respeito de ser favorável ou contra um projeto, até porque vou arbitrar essa discussão na Casa. Mas quero trazer alguns dados da realidade. Esse acordo com a União foi tentado em vários estados e não prosperou. O único estado dos 27 da federação que aderiu foi o Rio de Janeiro. Mas, depois de assinada a intenção e os acordos com o governo federal, a Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgoto do Rio de Janeiro), que era o bem que seria privatizado (como contrapartida da União), foi apresentado um projeto por um deputado, revertendo essa possibilidade de se privatizar. O governador do Rio de Janeiro vetou o projeto e o veto foi derrubado por 45 a 0, ou seja, por unanimidade. Então, é um tema muito complicado. A reforma da Previdência em Brasília pode auxiliar nessa discussão. Porque um dos pontos a serem tratados aqui é o aumento da contribuição previdenciária do servidores. Se esse tema se resolve em Brasília, diminui a questão aqui. Essa é uma prioridade em Brasília? Eu não sei. Vai depender de como vai caminhar a reforma da Previdência. Agora, nós vamos dar os passos aqui independente da reforma da Previdência? A Assembleia quer auxiliar o governo do Estado, quer ser parceira na superação da crise que nós vivemos, mas para que isso aconteça, são necessários muitos entendimentos. Nós estamos tendo muito reclamação a respeito da reforma administrativa. Eu acho que é preciso se azeitar esse relacionamento. Hoje, eu vejo com muita dificuldade a aprovação de qualquer tema na Casa.

Sobre a reforma administrativa, o senhor avalia que serão propostas muitas mudanças sobre o projeto enviado pelo Executivo? Se sim, quais pontos?
Isso nem foi aprovado ainda na comissão. A matéria vai sair na segunda-feira (hoje). Não tenho conhecimento das emendas apresentadas, quais foram acatadas... O governo está disposto a ouvir ou está disposto a ouvir e modificar a proposta? Porque isso é uma diferença muito grande. Se isso existe, acho que é um bom caminho. Mas, se for para ouvir e não acatar nada, é difícil que isso caminhe. Essa relação precisa ser aperfeiçoada. 

Esta é a primeira vez que Minas Gerais é governada por uma pessoa que não é do meio político. Isso causou alguma estranheza ao senhor?
De maneira nenhuma. O que precisa ocorrer é que haja o estreitamento das relações. Eu acho que é a primeira vez que um grupo político ganha a eleição em Minas Gerais sem um grande apoio parlamentar na Casa. Os governos anteriores tinham 30, 40 deputados na Assembleia. Então, eles partiam de uma base significativa, que esteve com ele na campanha. Se o governo não estabelecer uma forma para que haja um sentimento de pertencimento... Por que alguém que não esteve nesta caminhada vai votar a favor? Acho que o governo tem que mostrar às pessoas a disposição de caminhar juntos, ouvir e transgredir posições. Se isso está sendo feito, está sendo feito com muita dificuldade. Por que o partido Novo elege três deputados e um deles vota a favor da convocação da secretária de Educação, que vai acontecer na quarta-feira (dia 27) na Assembleia. Há esse sentimento (de pertencimento) até dentro do partido do governador? Eu acho que não. A reclamação dos parlamentares é: ‘não me sinto parte disso que está aí’. Já coloquei isso a ele (ao governador Romeu Zema) e ele tem se esforçado nesse sentido. Não dá para um secretário de Estado ir a uma cidade, igual a secretária de Educação foi a Montes Claros, e anunciar uma reforma de escola de um recurso proveniente de uma emenda parlamentar e o parlamentar sequer ser convidado. Essas coisas têm que ser organizadas.

Desde as eleições de 2014, temos observado uma polarização grande na política, que aumentou em 2018. Como o senhor observa esse clima na Assembleia, visto que recentemente houve atritos entre a deputada Beatriz Cerqueira (PT) e o deputado Coronel Sandro (PSL), com forte motivação ideológica? 
Eu acredito que essa polarização é uma tendência até mundial de agravamento da distância entre as partes e da exposição disso. Nós vivemos um problema na Comissão de Educação, eu fiz questão de atuar e hoje a convivência lá é harmônica. Não podemos deixar que um problema pessoal e mesmo ideológico entre dois parlamentares paralise as ações da Casa. Mas, isso é natural que aconteça. Tem acontecido em Brasília e vai acontecer nos estados. O que a gente trabalha é para que isso não atrapalhe as discussões. Estamos vivendo um posicionamento mais ideológico, vivemos no passado entre PT e PSDB, e sempre questionei essa briga entre dois lados que sempre fez tão mal a Minas Gerais.

A entrada do PSL nesse quadro, que pela primeira vez elegeu representantes na ALMG, muda esse quadro?
Nós tivemos aqui sempre a esquerda muito combativa e o PSL e outros partidos chegam nessa linha também. É para enriquecer o discurso, desde que ele não se transforme em agressão.

Os prefeitos sofrem com a falta de repasses do Executivo e os deputados muitas vezes são pressionados em suas bases. Como a Assembleia pode agir para equilibrar essa situação? 
Os parlamentares têm levado ao governo a necessidade de se rever aquele decreto ( 47.296/17, do ex-governador Fernando Pimentel) que trava os repasses (de ICMS) de forma direta, o que na minha opinião fere completamente a legislação. É urgente que os repasses voltem à regularidade. A informação que temos aqui, com exceção do mês de janeiro, é que os demais repasses foram colocados em dia.

Alguns parlamentares da própria base do governo ameaçam travar a pauta do Executivo, caso os repasses não sejam regularizados em breve. Isso gera um clima tenso na Casa?

Os deputados estão viajando pelo interior. Um deputado corre duas, três, às vezes quatro ou cinco cidades em um fim de semana. Então, ele está ouvindo essa angústia para que os serviços se restabeleçam. A angústia daquela mãe que tinha ônibus na frente da sua casa e hoje o filho tem que andar 15 quilômetros, às vezes debaixo de chuva, na poeira, para ter aula. Os deputados estão sentido isso.

A gestão passada de Fernando Pimentel (PT) deixou uma dívida de R$ 12,3 bilhões com as prefeituras, mas aparentemente a ALMG pouco atuou para tentar resolver o problema. A Assembleia aceitou o pedido de impeachment de Pimentel apenas quando o governador deixou de repassar R$ 300 milhões ao Legislativo. Houve críticas de que a Casa só agiu quando foi afetada. O senhor concorda com essa análise?
O que eu vejo é que, às vezes, as decisões da Assembleia são mal interpretadas. No ano passado, dentro do projeto que criava o Fundo (Extraordinário) que o governador Pimentel mandou para cá, um dos artigos mais importantes era revogar o decreto (47.296/17), que hoje os prefeitos estão brigando para ser revogado. Ia criar um Fundo que iria encampar todas essas despesas que ficaram para trás. Além disso, estavam sendo jogadas nesse Fundo várias receitas extraordinárias, como receitas de fundos do BDMG, de dívidas de empresas com o Estado. Então, a possibilidade dos municípios receberem dentro do Fundo, além da revogação imediata do decreto, me parecia, naquele momento, um ganho para o municípios. Não foi dessa forma que os prefeitos enxergaram. Isso é legítimo. Mas não teria sido melhor revogar o decreto em dezembro? O que o prefeito tem a receber, se está dentro do Fundo ou fora do Fundo, muda o que? O governador Fernando Pimentel começou a segurar parte dos repasses, mas ele fazia isso em um mês, não fazia no outro, em meses que a arrecadação caia... O problema é que os municípios chegaram em um ponto que é a gota d’água em um copo já cheio.

A Câmara Municipal de Belo Horizonte tem quase uma tradição em devolver recursos que sobraram do orçamento à Prefeitura. Isso pode ocorrer na Assembleia?
A Assembleia, historicamente, nos seus últimos 12 anos, cresceu o seu orçamento exatamente idêntico ao IPCA, ou seja, à variação da inflação, medida pelo IPCA. Com isso, tivemos que fazer uma série de adequações. Não tivemos ganho real de nada. E isso nos exigiu um monte de esforços. Diminuimos as reuniões no interior, restringimos a duas viagens ao interior para as comissões durante o ano inteiro para diminuir as despesas.Temos feito um trabalho grande de redução de pessoal, de fusão de áreas que poderiam estar com trabalhos repetitivos. Nos últimos quatro anos, a Assembleia não pediu uma única suplementação, diferente do que ocorria no passado. Agora, o crescimento vegetativo da folha (de pessoal) também é um problema. Nos gera um aumento de cerca de 10% a 11% da folha, sem dar 1% de aumento. Por que a pessoa tem quinquênio, acumula vantagem.

Sobre as tragédias envolvendo barragens, após Brumadinho, a Assembleia agiu rápido para aprovar a Lei 23.291, que endurece a legislação. O senhor acha que isso é suficiente? 
Eu acho que tem que haver uma avanço da fiscalização, que é feita pelo governo federal. O grande problema da questão ambiental e da mineral, especificamente, é que o Estado dá a licença de implantação e o governo federal fiscaliza. O processo se perde porque nas exigências da implantação, o Estado cobrou, mas a fiscalização é o governo federal, através da Agência Nacional de Mineração (ANM). Quando ocorreu Brumadinho, os dois ou três agentes de fiscalização para o Estado inteiro começaram a correr algumas barragens sem muita estrutura. Não adianta. Nós fizemos naquela Comissão Extraordinária das Barragens várias sugestões ao governo federal. E, agora, em Brumadinho, vimos que nenhuma delas foi atingida. A Assembleia não pode modificar o que está na lei federal. 

Desde o dia 19 de fevereiro, através da deliberação 2.700, a Assembleia proibiu o acesso de jornalistas ao Plenário, em atitude inédita na história da Casa. Como presidente da ALMG, o senhor tem estudado rever a medida, uma vez que a decisão dificulta o acesso de jornalistas aos parlamentares?
A questão ali, inclui a imprensa, mas passa por vários outros temas. Estávamos tendo ali, no fundo do Plenário, de 100 a 150 pessoas. Os deputados não conseguiam sair do Plenário para entrar na parte de trás, onde tem um banheiro e um lugar para tomar água. Estavam entrando pessoas que vinham defender temas que estavam sendo votados, o que criava constrangimento aos deputados. É uma pressão que não pode existir, ali não é o local para essa pressão. Essa pressão não existe em nenhum outro poder. Fico imaginando um juiz, que na hora de decidir sua sentença, esteja cercado por um grupo de pessoas que tem interesse na sentença. O que nós fizemos foi tentar melhorar o funcionamento da Casa. É importante dizer que isso não é com a imprensa. É claro que o costume faz com que isso seja uma crítica. Imagino que, se a 20 anos atrás, fechassem a Sala de Imprensa da Assembleia. Quantos governadores lançaram suas candidaturas na Sala de Imprensa, era um ponto de encontro. Mas, depois, começou a se convencionar a criação de um local mais próximo (no Plenário). O trabalho da imprensa para nós é fundamental.

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