Após tragédias, 80,6% do comércio de cidades mineradoras registra queda no fluxo de clientes

Paulo Henrique Lobato
08/08/2019 às 20:28.
Atualizado em 05/09/2021 às 19:55
 (FLÁVIO TAVARES/ARQUIVO HOJE EM DIA)

(FLÁVIO TAVARES/ARQUIVO HOJE EM DIA)

O que todo mundo já “sabia” foi especificado, pela primeira vez, numa estatística assustadora: 80,6% do comércio de cidades que tiveram as economias afetadas pelo estouro de barragens de rejeitos de minério – como Brumadinho (janeiro de 2019) e Mariana (novembro de 2015) – ou pelo risco do rompimento de estruturas – casos de Congonhas e Nova Lima – registrou queda no fluxo de consumidores.

A pesquisa “Impactos da Mineração”, obtida com exclusividade pelo Hoje em Dia, foi realizada pela Fecomércio-MG e mostra não só como historicamente a mineração injetou uma importante cifra na economia destes municípios, mas como as próprias cidades ficaram inertes ao longo dos anos e não se preocuparam em procurar outras atividades que pudessem suprir, em caso de necessidade, o declínio da extração de minério.

O levantamento ouviu 480 comerciantes (58% com mais de uma década de atividade) de sete cidades dependentes da mineração na região Central do Estado: Brumadinho, onde houve o estouro de barragem de uma mina da Vale; Mariana, prejudicada pelo rompimento de uma estrutura da Samarco; Nova Lima, onde parte do distrito de Macacos precisou ser evacuado neste ano; Congonhas, que abriga a maior represa de rejeitos do mundo em área urbana; Itabirito, Sarzedo e Ouro Preto. Cerca de 405 mil pessoas residem nestes municípios, mas o recuo da economia nelas interfere também em localidades vizinhas. 

A redução no fluxo de clientes em 80,6% dos estabelecimentos foi sentida em maior ou menor intensidades. Quem explica melhor este percentual é Guilherme Almeida, economista-chefe da Fecomércio: “O movimento de consumidores diminuiu muito para 42,1% dos entrevistados, enquanto 38,5% perceberam o recuo de forma menos acentuada”.

Turismo

Os varejistas não sentem falta apenas da entrada dos moradores nas lojas. O rompimento de uma barragem ou o risco de ela ser derrubada pela pressão da lama de rejeitos afastam também os turistas e, consequentemente, suspendem investimentos.

“Para 68,7% dos varejistas locais, o fluxo de turistas também recuou. A queda no número de visitantes freia investimentos. No caso de pousadas, por exemplo, eventuais projetos de ampliação são suspensos”, analisa Almeida.

Menor investimento representa menos emprego. “Algumas lojas fecharam as portas em Brumadinho logo após o que ocorreu no distrito de Córrego do Feijão”, lamentou Aldnei Pereira, presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) do município, que conhecia aproximadamente 150 das mais de 250 pessoas que perderam a vida ou estão desaparecidas por causa da tragédia. De acordo com a Fecomércio, o intervalo de confiança do estudo é de 95%.

Indenizações

O desespero econômico em Brumadinho, onde o estouro da mina de Fundão deixou mais de 250 mortos, pode estar com os dias contados. A cidade poderá viver um boom econômico, embora consequência de uma tragédia que não sairá da memória dos quase 40 mil moradores.

É que a Vale começou a pagar indenizações mais gordas aos parentes das vítimas. A empresa se comprometeu a desembolsar R$ 700 mil a cada um dos pais, filhos e companheiros dos mortos, sendo R$ 500 mil por dano moral e R$ 200 mil referente ao acidente de trabalho.

Desta forma, se o trabalhador soterrado pela lama de rejeitos deixou viúva e um filho, o lar receberá R$ 1,4 milhão. Os pais, se vivos, receberão R$ 700 mil cada. Já os irmãos das vítimas, R$ 150 mil.

"O comércio começou a se recuperar”, disse Aldinei Pereira, presidente da CDL local. Além destes valores, a Vale se comprometeu a quitar ainda um auxílio-creche (R$ 920 mensais) para filhos de trabalhadores falecidos (crianças de até 3 anos de idade) e o auxílio-educação (R$ 998 mensais para filhos de 3 a 25 anos).

Em outro acordo, a empresa pagará um salário mínimo mensal para cada adulto, além de o correspondente a meio piso para cada adolescente e 25% do mínimo a cada criança pelo prazo de um ano.

Mas o que acontece em Brumadinho mostra o outro lado da pesquisa da Fecomércio: a economia destas cidades ficou dependente da mineração, e elas não diversificaram outras fontes de receita com peso parecido ao do setor.

“Os municípios não diversificaram a matriz econômica e, hoje, parte deles enfrenta problemas com a queda na arrecadação da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (a Cfem, que é repassada pelas empresas aos municípios, Estados e União) por causa da paralisação dessa atividade”, observou o economista-chefe da entidade, Guilherme Almeida. Do total da Cfem repassado pelas empresas ao poder público, as prefeituras ficam com 65%. 

Segundo o economista da Fecomércio, “Minas Gerais não aproveitou o boom das commodities minerais, ocorrido no fim da década passada e início da atual”. O levantamento apontou que 92,3% dos entrevistados disseram que o desempenho do comércio local depende das atividades relacionadas à mineração, sendo 40,79% totalmente reféns dos ganhos proporcionados pelo setor.

  

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Alternativas

Lideranças do comércio recomendam ao poder público estímulo a outras atividades, além da mineração. A presidente interina da Fecomércio-MG, Maria Luiza Maia Oliveira, avalia que a mineração cumpriu – e cumpre – um papel essencial ao crescimento das cidades e do Estado, mas faz ressalvas: “Os municípios onde há extração de minério não podem ficar dependentes desse setor. É preciso investir mais em outros potenciais econômicos nessas regiões, como o turismo”, diz.

No estudo da Fecomércio, 41% dos entrevistados disseram que essas cidades têm outras vocações para geração de emprego e renda, também com destaque para o turismo. 

Mesmo assim, os comerciantes torcem pelo retorno da mineração, mas com estratégias que visam a segurança. Tanto que 73,5% deles acreditam que a continuidade da atividade mineradora poderá contribuir para a melhora da economia. Essa possibilidade moveu um percentual similar (75,2%) a se posicionar contra a paralisação da mineração.

“Por mais que essas cidades possuam outras matrizes econômicas, a renda proveniente delas é, muitas vezes, volátil. É preciso encontrar novas alternativas para que a população não seja penalizada duas vezes: primeiro com a ruptura das barragens, depois com as consequências, que vão da paralisação de serviços mineradores ao esvaziamento do turismo e comércio locais”, finaliza o economista da Fecomércio, Guilherme Almeida.

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