Baixa escolaridade de candidatos assusta, mas não inviabiliza exercício do mandato

Filipe Motta e Flávia Ivo
primeiroplano@hojeemdia.com.br
28/08/2016 às 06:00.
Atualizado em 15/11/2021 às 20:35
 (Editoria de Arte/Hoje em Dia)

(Editoria de Arte/Hoje em Dia)

O país que vende a imagem de “Pátria Educadora” tem em Minas, segundo maior colégio eleitoral brasileiro, quase metade dos 77 mil candidatos a vereador e prefeito sem diploma de ensino médio. Um terço obteve o certificado apenas desta etapa, e cerca de 2,5 mil só sabem ler e escrever. 

Traçado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a partir de informações prestadas pelos próprios postulantes a cargos públicos nestas eleições, o quadro reflete o nível de escolaridade no Brasil e pode assustar. 

É que a Constituição delega a vereadores a responsabilidade de elaborar normas jurídicas e votá-las, dentre outras atribuições. Aos prefeitos, cabe gerenciar políticas públicas municipais. 

“Candidatos refletem a sociedade e o nosso nível de escolaridade e renda. Não há impedimento se a pessoa não tem formação”Dimas Souza - Cientista Político

Especialistas dizem, no entanto, que o currículo básico não compromete necessariamente a atuação dos futuros políticos. 

“Para o exercício do mandato basta estar em dia com as obrigações de cidadão, além de não ser condenado”, diz o cientista político e professor da PUC-Minas Dimas Antônio de Souza.

Em Minas, apenas um em cada cinco candidatos frequentou a faculdade, e 16,29% se formou. Em Jaíba, no Norte do Estado, uma pessoa que se declara analfabeta pleiteia vaga de vereador. 

Proximidade

O perfil educacional dos candidatos é bem próximo ao da sociedade brasileira, quando comparados os dados do TSE com os da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE, divulgada em 2015.

No caso do ensino médio, 31,1% da população do Brasil tem a formação. Quando se relacionam os percentuais de graduados, são 16%.

“Os partidos com mais candidatos são os mais estruturados, com mais tempo de TV e mais recursos do fundo partidário”Denisson Silva - Cientista Político

Suporte

Especialistas avaliam que a educação formal dos candidatos não deve ser vista como um empecilho para o mandato porque os políticos contam com o suporte do quadro técnico da Câmara de Vereadores e da prefeitura para transformar decisões políticas em ações administrativas ou normas jurídicas.

“Discute-se muito até que ponto a formação ajuda no exercício da função. A questão não é a educação formal, mas ter desenvolvido habilidades lógicas, de articulação política, de se colocar diante de técnicos e outros políticos e de saber negociar”, diz o cientista político e doutorando na UFMG Denisson Silva. Ele cita o exemplo do ex-presidente Lula que, com baixa escolaridade, é reconhecido pela grande capacidade de articulação.

Mesma opinião tem Dimas de Souza, professor da PUC-Minas. “O que condiciona o entendimento da política não é o nível de formação. Tanto que ele não leva, na maior parte das vezes, ao engajamento das pessoas em movimentos sociais e outras lutas políticas”, observa.

Para especialistas, a formação dos candidatos pode acabar se tornando um trunfo de marketing para conquistar o eleitorado

Partidos na ‘Lava Jato’ continuam a ser o que mais atraem postulantes aos cargos

Nas estatísticas disponibilizadas pelo TSE, um ponto que chama a atenção é que os principais partidos citados na Operação “Lava Jato” (PR, PP, PMDB, PT e PSDB) continuam a ser a base eleitoral de 25,2 mil candidatos mineiros (ou cerca de 32,6% do total de 77,2 mil postulantes).

Para o cientista político Denisson Silva, não se trata de um erro estratégico ou de “insistência” com partidos envolvidos em corrupção. “Esses partidos que recebem mais candidatos são as marcas partidárias mais estruturadas, com mais tempo de TV e mais recursos do fundo partidário, por exemplo. Esses são fatores que pesam na escolha”, explica. 

Mudança

Os especialistas apontam que o fim de grandes partido s já consolidados traz desestabilizações para o sistema político e que o melhor é trabalhar para a renovação dos já existentes. 

Para o cientista político Dimas de Souza, é preciso ainda considerar que partidos que assumem o centro do poder ganham mais visibilidade quanto a atos de corrupção, mas não necessariamente todos os membros deles são corruptos. 

“É um equívoco imaginar que todo mundo do PMDB, do PSDB e do PT é ladrão. E a história pessoal do político também conta muito, antes e depois de eleito”, aponta Dimas de Souza.

Além Disso

O artigo 33 da Constituição estabelece que os prefeitos precisam ter habilidade de gerenciar o funcionamento das políticas públicas municipais, com a competência de lidar com o transporte coletivo, os programas de educação infantil e do ensino fundamental, além de cuidar do ordenamento territorial do solo e proteger o patrimônio histórico e cultural, dentre outros pontos. Além disso, a aplicação dos recursos pelo prefeito deve seguir a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000).

Sem prestígio

Dos candidatos mineiros, chama a atenção o fato de somente 3.579 vereadores buscarem continuar como políticos. Para 2016, de acordo com Tribunal Regional Eleitoral (TRE) há 8.481 cadeiras disponíveis no Estado (43 a mais que em 2013). 

Ainda assim, os vereadores são 4,6% do total de candidatos, valor bem próximo ao de aposentados (4,54% ou 3.511 pessoas) que concorrem.
No outro extremo, em números reduzidos, ganha pelo inusitado candidatos com profissões pouco usuais que buscam entrar ou permanecer no mundo político.

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