“Brasileiro precisa se abrir mais à conciliação”, afirma desembargador do TRT

Janaína Oliveira - Hoje em Dia
07/12/2014 às 07:47.
Atualizado em 18/11/2021 às 05:17
 (André Brant)

(André Brant)

“O brasileiro é pouco conciliatório”, dispara o desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Ricardo Antônio Mohallem, cargo que ocupa desde 2001. Talvez por isso ele seja tão entusiasta da Semana Nacional da Conciliação, quando durante sete dias no ano patrões e empregados são chamados ao diálogo para um acordo entre as partes. “Todos saem ganhando. Não há perdedores”, afirma o magistrado nesta entrevista ao Hoje em Dia. Só em Minas, a ação solucionou processos trabalhistas de mais de 23 mil pessoas.   Presidente do Comitê da Tecnologia de Informação e Comunicação do TRT de Minas Gerais, Mohallem critica a Justiça tardia, diz que o número de processos cresce mesmo em situação de pleno emprego e pede o aprimoramento da legislação e a forma de como a Justiça a interpreta.   De 24 a 28 do mês passado, o TRT-MG realizou a 9ª Semana Nacional da Conciliação. O balanço é positivo? Em uma semana, só de recolhimento de Contribuição Previdenciária foram quase R$ 2 milhões. O valor relativo a recolhimentos fiscais chegou a R$ 700 mil. Das 12.075 audiências designadas, realizamos mais de oito mil. Destas, em aproximadamente cinco mil houve acordos. Em cifras, foram quase R$ 60 milhões de valores pagos aos reclamantes. Contamos com o envolvimento de 110 magistrados. E ano que vem tem mais.   Qual o objetivo principal dessa ação? Trazer as partes do processo e colocá-las diante um juiz para um diálogo franco e aberto. A ideia é permitir que aquele que já ganhou o processo e aquele que perdeu o processo consigam dialogar em cima daquela sentença, a fim de encontrar um bom caminho, um bom termo para que saia a conciliação. Essa harmonia evita que o processo vá para outras instâncias e também que ele se prolongue em uma fase de cobrança, de execução, e que onere mais as partes do processo com perícias ou atos judiciais. O escopo maior é conciliar.   Quem são os maiores ganhadores? Há um ganho para o reclamante, que às vezes não tem uma perspectiva imediata de receber o crédito dele, e aí passa a ter essa perspectiva, e um ganho para o devedor porque ele ganha a possibilidade de parcelar o seu débito. Às vezes acontece do reclamante abrir mão de uma parcela que já ganhou para que receba mais depressa. Então costuma sair mais barato. Há também a possibilidade do juiz reduzir alguns encargos do processo. E é uma forma de desafogar a Justiça, de tentar fazer com que as partes deem mais valor à conciliação do que propriamente ao litígio. E isso é o mais importante. Esse é o papel da Justiça do Trabalho. Antes de o juiz colher a defesa ele pergunta se há possibilidade de conciliação, insiste nisso. O princípio da pacificação social é inerente à Justiça do Trabalho, e não de acirrar os ânimos ou criar conflitos onde não há. Todo juiz age dessa forma.   Como funciona a Semana da Conciliação e quem pode participar? As datas da Semana da Conciliação são agendadas previamente. Alguns processos são selecionados e as pessoas que têm interesse na conciliação também podem nos procurar. E aí o juiz analisa as propostas, faz uma intermediação. Chega a dizer: ‘olha, isso aqui você está pedindo muito, pode pedir menos’. Ou ‘o que você está oferecendo é muito pouco, tem que dar um pouco mais. Se você não pode pagar de uma vez, vamos parcelar de duas, três ou quatro vezes’. Isso dá um ganho grande para o credor. Por que uma coisa é ganhar, outra muito distinta é receber aquilo que lhe foi reconhecido. Isso depende ou da lisura e da correção de quem está devendo, ou às vezes a parte não tem como pagar. Assim, pode ser instituído um parcelamento, uma prestação.   O senhor considera que o brasileiro é pouco conciliatório? O brasileiro não tem impregnado o espírito da conciliação. Ele prefere ajuizar a ação e aguardar a sentença e sempre com a ideia de que não abre mão de nenhum direito. O que é meu é meu. Ele tem essa mentalidade e confia muito na Justiça. Só que uma coisa é decidir o processo e outra é você tornar efetivo aquele resultado do processo. Então o brasileiro precisa se abrir mais à conciliação. Agora, quando o juiz incentiva a conciliação o brasileiro se mostra mais receptivo a ela.   As empresas também são pouco propensas a acordos? Existem empresas que adotam inclusive políticas de não conciliar, por uma falsa ideia de que se conciliar isso dará margem para exacerbar o número de ações trabalhistas. E não é bem assim.   Por que o número de ações trabalhistas cresce tanto no Brasil? Temos observado uma elevação do número de ações judiciais desde 2006. Naquele ano, a Justiça do Trabalho de Belo Horizonte recebia 1.300 novas ações por vara. Em 2007, passou a 1.380. Neste ano, já são 2.500.   As demandas variam de acordo com a economia e o mercado de trabalho? Quando o país está em recessão, e há um desemprego muito grande, o número de ações cresce. A pessoa fica desempregada durante dois, três, quatro meses, termina de receber seu seguro-desemprego, se é que recebeu, e aí vai buscar seus direitos. Principalmente quando a estrutura empresarial é mais precária, é comum que fique algo para trás. E aí o empregado vai em busca daquilo. Agora o fenômeno mais interessante é que quando estamos em ritmo de pleno emprego, como estamos agora, também esse número de ações está crescendo. Temos observado o crescimento das demandas trabalhistas desde que o país atingiu o pleno emprego. Muitas vezes é aquele trabalhador que está empregado mas visualiza uma remuneração melhor em outra empresa mas não quer se demitir e quer que o empregador o mande embora. É uma coisa nova até porque essa situação de pleno emprego é recente. Também há muitos casos de pedidos de dano moral. Tudo vira motivo. Há uma exacerbação do sentimento de litigiosidade.   O que efetivamente caracteriza o dano moral? Podemos tomar como padrão um trato acima daquele que é comum na civilização, numa sociedade regida por instituições já amadurecidas, um tratamento agressivo pode ser expresso em palavras, em ofensas. Se um empregador tem alguma questão para resolver com seu empregado, se o funcionário está cometendo algum erro, é razoável que o empregador o chame e o corrija. Mas não é razoável que o empregador o corrija, por exemplo, na frente dos demais empregados ou de clientes com tom agressivo ou até usando palavras de baixo calão, com o intuito de humilhá-lo. Isso configura dano moral. Agora tem que prevalecer o bom senso. É aquilo que o Nelson Rodrigues já dizia há muito tempo: o palavrão muitas vezes está em quem ouve, e não em quem diz.   Quantos processos chegam e quantos são julgados? Essa equação fecha? Só na Justiça do Trabalho de Belo Horizonte são nove processos novos por dia para cada uma das varas, fora aqueles que já estão tramitando. Aqui no Tribunal, cada desembargador recebe, em média, entre processos eletrônicos e recursos que chegam diariamente, a média é de 60 processos por semana, entre processos para relatar e para revisar. O juiz de 1º grau na capital faz, em média, 15 audiências por dia, sendo 12 inaugurais e três instruções. Nossa capacidade de absorção da demanda é limitada. Em tese, é de aproximadamente 1.500 processos por ano. Em Belo Horizonte, há 2.500 novos processos neste ano. Então há um déficit de juízes e de absorção da demanda.   A Justiça é morosa ou está abarrotada de processos? Quando se fala que a Justiça é morosa há uma parcela de verdade. A Justiça por si só tem um andamento processual e esse andamento passa por caminhos, tem uma metodologia e isso de certa forma é moroso. O que ela não pode ser é tardia. O processo tem um tempo de maturação, mas também precisa produzir um resultado efetivo quando maduro. Quando há um número excessivo de processos, a equação não fecha.   Quais as soluções? Há várias linhas que podem ser atacadas. Um dos exemplos é a Semana da Conciliação, quando você tira um grande número de processos daquele mundo jurídico. A outra é enfatizar a possibilidade de conciliação prevenindo demandas através das negociações coletivas, valorizando esses acordos entre sindicatos e empresas. A Justiça não pode desvalorizar as convenções. A solução também passa pelo aumento do quadro. Hoje cada juiz tem o dobro de trabalho além da sua capacidade de absorção. Outro aliado é a tecnologia, com a introdução dos processos eletrônicos, em fase de implantação. Também é preciso modernizar a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e a interpretação da Justiça sobre ela.   Como está a Justiça do Trabalho brasileira em relação a outros países? Temos muito mais demandas? Nossas demandas são infinitamente maiores. Os Estados Unidos, por exemplo, têm em um ano o que temos em um dia. E isso ocorre por várias razões. Lá se dá muita ênfase na negociação coletiva, seja porque lá não há uma Justiça do Trabalho ou outras razões. Se compararmos com Itália ou Espanha, em que há uma legislação trabalhista e uma Justiça do Trabalho, lá há um nível de ações se comparados com os EUA, mas inferior ao nosso. Com relação a países da América do Sul, como Chile e Argentina, também estamos ganhando, inclusive em proporcionalidade, arrisco a dizer.   Onde estamos pecando? A legislação trabalhista, apesar de merecer elogios, precisa de uma certa modernização. Se atualiza uma legislação ou trazendo novas normas à sociedade contemporânea ou então interpretando a legislação que está aí de acordo com os dias atuais. E acho que pecamos nisso aí.   Quais os projetos para 2015? No próximo ano devemos realizar duas semanas de conciliação, no mínimo. Também estamos com concurso em andamento. Mais de 20 juízes já estão aprovados para Minas Gerais. A implementação gradativa do processo eletrônico é outro ponto. Hoje, cerca de 30% estão digitalizados.

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