Brasileiros da 'nova' classe C migram para as classes D e E devido à crise

Tatiana Lagôa e Tatiana Moraes
primeiroplano@hojeemdia.com.br
03/02/2017 às 21:47.
Atualizado em 15/11/2021 às 22:41
 (André Brant)

(André Brant)

A nova classe C está despencando na escala social muito mais rapidamente do que ascendeu nos governos Lula e no primeiro mandato de Dilma Rousseff. Formada por famílias com renda entre R$ 2.166 e R$ 5.223, uma parte significativa da classe C já regrediu às classes D e E, com rendimento mensal abaixo de R$ 2.166. Enquanto 3,3 milhões saíram da camada mais baixa da pirâmide social entre 2002 e 2012, somente de 2015 a 2016 outras 4,36 milhões de pessoas passaram a integrá-la.

Os números são da Tendências Consultoria Integrada. O estudo mostra ainda que, no biênio 2015/2016, 640 mil pessoas saíram da classe C, outras 1,197 milhão da classe B (com renda de R$ 5.223 a R$ 16.263) e 475 mil da classe A (com rendimento superior a R$ 16.263). Ou seja, a crise bateu tão fortemente sobre o rendimento dos brasileiros que apenas as classes D e E cresceram no período.

“Eu tive que mudar meus planos de telefone, internet e televisão por assinatura. Antes, pagava uma média de R$ 113 pelos serviços, mas eles subiram para R$ 160. Não consegui entrar em acordo com a operadora para baixar os preços e tive até que acionar a Justiça para reaver o prejuízo e cancelar o pacote. Além dessa economia, passei a pesquisar preços em vários supermercados. Não tem como fazer compras em um lugar só”Rosane Esteves de Castro60 anos, do lar

 O movimento é o inverso do visto nos anos anteriores e se reflete em queda do consumo de produtos ícones da ascensão das classes mais baixas, como viagens de avião, motocicletas e eletrodomésticos. Apesar de a migração para camadas inferiores ser uma realidade de todas as classes, o fenômeno é mais cruel com os mais pobres, que são excluídos do mercado de consumo.

De acordo com o professor de economia da PUC Minas Pedro Paulo Pettersen, as famílias de baixa renda também são mais afetadas porque normalmente não possuem reservas financeiras. Para estes, quando há perda de renda, não apenas gastos com supérfluos são cortados, mas também produtos e serviços básicos.

Os 12 milhões de desempregados colocam o país justamente nesse cenário. E aqueles que se mantêm empregados apresentam queda na renda devido a inflação, que não é acompanhada pelos reajustes dos salários. “Quando o desemprego é alto, o poder de negociação do trabalhador diminui, uma vez que ele pode ser substituído por outro que aceita um salário menor”, afirma Pettersen.

“Os carretos de moto e de carro que sempre fiz diminuiram muito no ano passado. Meu plano de celular era de R$ 20 por mês, e, hoje, não consigo pagar mais que R$ 10. Até a concorrência com o Uber contribuiu para queda no número de fretes, principalmente em pequenas distâncias. Baixei preços na tentativa de não perder mais clientes, já que o movimento de viagens que eu faço caiu pela metade”Alex Gomes Passos41anos, motofretista



Consumo

Como resultado, o consumo das famílias caiu 4,7% no acumulado até setembro em 2016 frente ao mesmo período de 2015, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

As viagens, que se tornaram uma prática comum na vida da nova classe C, já começam a ser afetadas. Segundo dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), apesar do crescimento de 5,74% no número de voos de janeiro a dezembro de 2016, houve uma queda de 5,47% na demanda.

Aqueles que ainda não pararam completamente de viajar deixaram o conforto dos aviões e voltaram a fazer os percursos de ônibus. Segundo a Sondagem do Consumidor, feita pelo Ministério do Turismo em parceria com a Fundação Getúlio Vargas, enquanto 11,9% das pessoas que pretendiam viajar iriam de ônibus em janeiro de 2016, no início de 2017 passaram a corresponder a 18,7% delas.

A  programação da viagem também foi alterada no que se refere à hospedagem. Tanto que 40,5% dos que pretendem pegar estrada irão para casas de parentes ou amigos. No ano passado, 36,3% dos turistas não gastariam com a hospedagem.
(Colaborou Paula Coura)

A renda média do belo-horizontino caiu 9,03% no terceiro trimestre de 2016, frente a 2015. Por outro lado, a inflação da capital fechou o ano em 7,86%, jogando mais para baixo o poder de compra da população. O Dieese estima que o salário mínimo ideal seja de R$ 3.856,23, quatro vezes menor que os R$ 937 atuais

  

Sem financiamentos, mais pobres param de consumir

Com a inadimplência atingindo mais de um quarto dos brasileiros (58,3 milhões de pessoas) e o desemprego em níveis estratosféricos (12,3 milhões de desempregados), o crédito foi cortado praticamente pela raiz. A classe C, D e E, que precisam dos financiamentos para comprar bens de consumo duráveis, são as mais afetadas. Projetos que dependem de crédito, como comprar uma motocicleta, trocar de carro ou reformar a casa, são deixados de lado.

“Tive que trocar praticamente todas as marcas que uso em casa, desde sabão em pó e sabonete até leite. O gás de cozinha passou a ser usado com moderação. Moro com minha mãe e outras sete pessoas. Tenho uma irmã que está desempregada há mais de um ano e faz falta essa renda para a família. O jeito foi apertar até a torneira para gastar menos água”Fátima de Souza60 anos, secretária

 Entre 2015 e 2016, houve retração de 11,5% na venda de motos, segundo a Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares (Abraciclo). De acordo com o proprietário da concessionária Motovia (marca Dafra), Rodrigo Braga, a retração nas revendedoras foi ainda maior. O motivo é o mix de produtos. “A Abraciclo trabalha com número de motos emplacadas. Vendemos muitas 50 cilindradas, que não precisam de emplacamento. A crise, na prática, é muito pior”, diz Braga, que fechou seis das oito lojas da rede nos últimos dois anos.

Em 2015, ele comercializava 300 motocicletas por mês. Em 2016 o número caiu pela metade. Em janeiro de 2017, foram vendidas 40 unidades.
O público da Motovia é, justamente, composto pelas classes C, D e E, que dependem do crédito. “As pessoas querem comprar, mas não conseguem o crédito. O banco não aprova”, lamenta o empresário.

O emplacamento de veículos acompanhou o recuo na demanda. Entre 2015 e 2016 houve uma queda de 8,39% nas vendas, conforme o Sincodiv-MG.
Gastos com plano de saúde também estão sendo cortados, enquanto as pequenas compras são alteradas, afirma o coordenador do curso de Economia do Ibmec, Márcio Salvato. “A carne vermelha é substituída pela branca e o consumidor opta pelas marcas mais baratas”, diz.

“Meu filho mais velho ficou desempregado por quatro meses e só consegui nova colocação neste mês. Para conseguir manter (o consumo), tenho que ficar atrás das promoções. O horário do banho é controlado. Cinco minutos é suficiente. Antes, comprava sapatos de R$ 130 e achava o preço bom. Agora, pago no máximo R$ 40, e acho muito caro”Luciane Mam37 anos, vendedora

  

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