Caça ao devedor: União lança medidas polêmicas para recuperar R$ 119 bi de contribuintes em Minas

Evaldo Magalhães
efonseca@hojeemdia.com.br
16/02/2018 às 22:33.
Atualizado em 03/11/2021 às 01:24
 (Divulgação/Escritório Sacha Calmon & Misabel Derzi)

(Divulgação/Escritório Sacha Calmon & Misabel Derzi)

Em tempos de corrida pelo ajuste fiscal para equilibrar as contas públicas, e apesar da inflação sob controle, há um monstro da economia que não para de crescer no Brasil: o do calote dos contribuintes. Segundo dados da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), em 2017 a dívida ativa da União chegou a R$ 1,99 trilhão, praticamente o equivalente a 30% do PIB do país registrado no ano, de R$ 6,3 trilhões, e 8% superior ao montante de 2016, de R$ 1,84 trilhão. De 2010 até 2017, ainda segundo a Procuradoria, o total da dívida ativa, incluindo débitos tributários, previdenciários e FGTS, mais que dobrou, passando de R$ 810 bilhões para os atuais R$ 1,99 trilhão.

Em Minas Gerais, conforme informado ao Hoje em Dia pela PGFN, são R$ 119,6 bilhões em dívidas com o fisco federal já ativadas, ou 6% do total nacional. Esse valor representa, a título de comparação, quase R$ 20 bilhões a mais que toda a previsão orçamentária do Estado para 2018 (R$ 101 bilhões).

Em uma hipótese fantasiosa, se esse dinheiro pudesse ser recuperado pela União, voltasse a Minas e fosse aplicado em saúde, por exemplo, seria possível construir, com ele, nada menos que 417 hospitais iguais ao do Barreiro, que custou R$ 285 milhões, tem 460 leitos, 2 mil funcionários e foi inaugurado na capital em dezembro. Ou garantir orçamento equivalente ao de 2018 para a Secretaria de Estado da Educação (R$ 11 bilhões) por pelo menos dez anos.

Conforme a Procuradoria, o índice médio de recuperação da dívida beira os 1% ao ano. Em 2016, por exemplo, foram reintegrados apenas R$ 14 bilhões aos cofres públicos dos mais de R$ 1,8 trilhões devidos

Para tentar reduzir a sangria e elevar o volume de créditos recuperados, a Procuradoria tem adotado, desde o início do ano, medidas polêmicas que devem esquentar a queda de braço entre a União e seus devedores.

Bloqueio de bens

Publicada este mês, a portaria 33 da PGFN tem sido a mais criticada. O texto estabelece que, a partir de junho, contribuintes que forem inscritos em dívida ativa poderão ter bloqueados de maneira compulsória - sem a necessidade de decisão judicial - bens móveis ou imóveis, automaticamente listados como garantia de quitação dos valores devidos à União.

Embora a portaria preveja que o devedor possa oferecer qualquer bem como garantia do pagamento do débito antes dessa medida, e fixe prazo de 30 dias para que a PGFN entre com a execução fiscal após aplicação da portaria, sob pena de liberação do bem eventualmente bloqueado - para evitar o chamado “bloqueio surpresa” -, o entendimento de boa parte dos advogados que atuam no setor é de que a medida é inconstitucional.

“O que a Procuradoria pretende fazer é uma espécie de penhora de bens de pessoas ou empresas que, em muitos casos, possam ter razão em questionar a legitimidade das dívidas que lhes são atribuídas pela União. E sem que essa decisão seja dada por um juiz, que tem a prerrogativa constitucional e a imparcialidade necessária para tal”, afirma o advogado Leo Lopes, do escritório WFaria, especializado na matéria. “Acreditamos que a medida foi tomada de maneira unilateral e que deve ser revista pelo Congresso Nacional”, acrescenta.

Portaria 32

Outra medida polêmica da PGFN é a portaria 32, publicada em janeiro e que regulamentou lei já existente. Ela estabelece que os contribuintes podem oferecer à União imóveis, a serem eventualmente repassados a órgãos públicos, para quitar débitos tributários da dívida ativa.

O problema, segundo advogados tributaristas, são as condições fixadas para que isso ocorra. Uma das críticas, além do excesso de burocracia e do fato de apenas bancos oficiais poderem avaliar os imóveis, é quanto ao fato de que, se o bem colocado como possibilidade de pagamento do débito - a chamada “dação em pagamento” - tiver valor acima do devido, o contribuinte deve abrir mão, por escrito, da diferença.

“Isso configura, a nosso ver, enriquecimento ilícito da União. É muito provável que, em casos assim, o contribuinte entre na Justiça requerendo a devolução do dinheiro”, diz Leo Lopes.

 Bens podem ser bloqueados sem decisão judicial

O advogado tributarista mineiro Valter Lobato, sócio do escritório Sacha Calmon & Misabel Derzi Consultores e Advogados, ressalta alguns pontos positivos da portaria 33 da Procuradoria Geral da Fazenda nacional, mas também questiona o cerne da medida: o poder do órgão de bloquear bens de contribuintes sem anuência do poder judiciário. Para Lobato, o lado bom é o fato de que, conforme a própria portaria determina, “a Procuradoria deverá verificar mais a fundo as cobranças que faz e filtrar aquilo que de fato seja devido e aquilo que, em cada processo, possa levar uma derrota da União”.

“Isso é muito benéfico porque deverá reduzir o grau de litigiosidade fiscal no Brasil”, diz. Outra vantagem é a de que, até as novas normas, depois de encerrado o processo administrativo de cobrança de determinada dívida, o contribuinte teria de ficar esperando a execução fiscal ser ajuizada para que pudesse oferecer bens como garantia de pagamento. “A partir de junho, quem for inscrito na dívida ativa poderá ir a juízo e antecipar garantias antes de uma execução, o que é muito mais razoável”, explica Lobato.

O advogado diz, porém, que o artigo 7º da portaria é equivocado e trará enormes prejuízos aos contribuintes. Pela norma, se depois de ser inscrito na dívida ativa a pessoa física ou jurídica não se manifestar em até cinco dias, pagando o débito, ou 10 dias, antecipando garantias ou fazendo pedido de revisão da dívida, poderá ter, sem que um juiz avalie o caso, seus bens bloqueados (averbação pré-executória) e sofrer outras sanções, como protestos, rescisão de contratos com o setor público ou ter cancelados benefícios fiscais.

“São atitudes que parecem muito com uma espécie de execução administrativa e isso é inconstitucional, porque só o judiciário tem, por exemplo, capacidade e poder de expropriar patrimônio particular”, avalia.

Calote

Valter Lobato observa ainda que a dívida ativa dos brasileiros não pode ser entendida como um conjunto de recursos líquidos e certos a que a União teria direito.
Para ele, parte significativa desses recursos, informados pela PGFN, é relativa a cobranças indevidas. “Não se pode jogar tudo na vala comum do calote”, diz.


Além Disso

Em Minas Gerais, a dívida ativa cobradas pelo Estado ultrapassou os R$ 63 bilhões em 2017, uma elevação de quase 20% em relação ao que era dois anos antes: R$ 52 bilhões.

Assim como ocorre na União, o Estado mantém um programa específico de cobrança desses débitos. Trata-se do Regularize, parceria feita entre a Secretaria de Estado de Fazenda (SEF) e a Advocacia Geral do Estado (AGE), que estabelece descontos para quitação das dívidas tributárias e define um conjunto de medidas que visam à facilitação da liquidação desses valores.

No final de 2017, ficou famoso o caso do empresário Bernardo Paz, idealizador do Museu Inhotim. Com dívidas estimadas em R$ 500 milhões junto à Fazenda mineira, Paz ofereceu ao governo estadual obras de arte de artistas renomados, alocadas na instituição, para saldar os compromissos, inscritos na dívida ativa. O assunto ainda está em discussão na AGE.

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