'Cidadão desconhece importância da ciência para o país', diz presidente da Fapemig

Renato Fonseca - Hoje em Dia
23/11/2015 às 06:48.
Atualizado em 17/11/2021 às 03:02
 (Ricardo Bastos)

(Ricardo Bastos)

Formado em Agronomia pela Federal de Viçosa (UFV), mestre pela Universidade de São Paulo (USP) e PhD pela escola de Southampton, na Inglaterra, além de pós-doutorados nos Estados Unidos e no Japão. Desde dezembro do ano passado, o gabaritado professor Evaldo Ferreira Vilela preside a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). Para ele, o território mineiro tem potencial nas áreas da ciência e tecnologia, mas ainda é preciso avançar na divulgação dos impactos positivos dos projetos para o cidadão. Na busca para estreitar os laços entre a inovação e a sociedade, a Fapemig promove, hoje e amanhã, no Palácio das Artes, o Inova Minas. Em entrevista ao Hoje em Dia, Vilela fala sobre o evento e desafios do setor científico no Estado.

A Fapemig incentiva e fomenta a pesquisa e a inovação científica. Desde que o senhor ocupou o cargo de presidente da fundação, no fim do ano passado, qual tem sido o foco de trabalho?

Que o recurso público seja empregado da melhor maneira possível. Que sejam financiados projetos interessantes e relevantes. E que a sociedade reconheça isso. Ou seja, que haja impacto para a sociedade, que se crie mecanismos que ela possa perceber isso.

Como fazer com que a sociedade tenha essa percepção?

Essa é a grande questão. Até hoje, no Brasil, nunca se preocupou muito com isso. Na verdade, a Fapemig e os congêneres, como CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), fomentam grandes projetos baseados em méritos e eles dão resultado. Mas, pelo estágio de desenvolvimento da ciência e tecnologia no Brasil, esses resultados viram artigos científicos, e pronto. Às vezes viram consultoria, importantes para a sociedade. Nós queremos que virem artigos, mas que todos virem benefícios para a sociedade.

Mas como?

Melhores diagnósticos para a saúde, remédios, mobilidade urbana, alimentos sem agrotóxicos. A ciência trabalha com a natureza e com as pessoas. Ela tem tudo a ver com o dia a dia do cidadão, que vai viver melhor na medida em que fizer mais uso da ciência e da tecnologia.

Quantos projetos são financiados atualmente?

Esse ano nós devemos financiar, ao todo, em torno de R$ 300 milhões. São aproximadamente 3 mil projetos. E, dentro desses projetos, R$ 80 milhões são para bolsas para mestrado, doutorado, pós-doutorado e a bolsa de iniciação científica. Nós estamos formando cientistas, mas essa não é a única meta. Quando você aproxima as pessoas da ciência e ela entende o processo de desenvolvimento, ela é uma pessoa melhor.

Sobre essa formação da qual o senhor falou, existe um problema histórico no Brasil que é a exportação de cérebros. Como fazer que essas mentes talentosas fiquem e produzam riqueza científica no país?

E mais grave ainda, nós já estamos acostumados a perda de cérebros, agora, estamos perdendo jovens talentos coativos, que são os startups. Estão indo embora do país por falta de apoio aqui dentro.

É possível segurá-los?

Possível e necessário. Porque esses startups significam uma nova cidadania, novas pessoas, novos talentos e a nova indústria. Nós precisamos ter empresas competitivas globalmente. E são esses jovens que vão virar as “microsofts” da vida, os “facebooks” da vida. Agora, a Fapemig tem feito isso e ajudado. Mas essa não é uma tarefa só da Fapemig. É de toda a sociedade e, particularmente, dos governos que devem estar mais atentos às políticas públicas, além de acreditar mais nos nossos jovens talentos. A questão de transferir conhecimento para o mercado é complexa e precisa do envolvimento da sociedade, da Fapemig, do governo, das universidades, enfim. É complexo, mas não impossível. O mundo já aprendeu e o Brasil está aprendendo que é preciso criar ambientes. O que nós estamos fazendo com esse evento – Inova Minas Fapemig – onde as pessoas podem conversar, encontrar as suas necessidades e quem as tem para oferecer. E o governo ao lado para ajudar a financiar o risco. Juntamos a necessidade com a vontade de vencer e inovar.

O senhor falou da previsão de investimentos da ordem de R$ 300 milhões. Até que ponto a crise financeira e o orçamento mais restritivo impactam na Fapemig?

Em épocas de ajustes, ciência e tecnologia são prejudicadas. Mas aqui em Minas estão sendo vistas como uma saída. Há uma consciência do governador (Fernando Pimentel) de que se nós não financiarmos a pesquisa nem buscarmos soluções não teremos futuro.

Minas é um estado com tradição em pesquisas?

Sim, mas é também um estado que perde talentos para São Paulo. Que ainda não consegue fazer produtos de valor agregado. Nós ainda dependemos do café e do minério. Nós deveríamos depender menos, pois nós temos condições de ter uma indústria de base tecnológica forte.

Além do café e minério, em quais outras áreas as pesquisas mineiras se destacam? Onde estão os polos fortes de Minas?

Nosso forte é café, minério, agricultura de uma maneira geral. Pesquisas e produtos de exportação. Também temos automóveis. Em Uberlândia, temos a área de tecnologia da informação; em Santa Rita do Sapucaí, a microeletrônica; em Viçosa, ciências agrárias e em Belo Horizonte, tecnologia da informação e saúde.

É difícil fazer pesquisa em Minas, seja por condições oferecidas de estrutura ou financeiras?

Você tem pesquisadores bem capacitados, como a UFMG, por exemplo. Quando se faz pesquisa não é difícil obter resultados, mas o pesquisador é muito fechado no laboratório. Nós estamos criando mecanismos para tirar de dentro dos laboratórios e fazer com que isso vire produto no mercado. Essa é a dificuldade, porque quando se faz isso, se cria uma indústria nova. E essa indústria, com valores agregados, são mais rentáveis e aumentam a produtividade.

Minas é o estado com maior número de universidade federais do país. Como isso impacta na produção científica?

Temos a possibilidade de fazer uma seleção melhor de projetos, aplicar o dinheiro público em projetos de maior relevância e com mais potencial de resultados positivos. A pesquisa está bem forte em Minas. E nós temos uma competição, porque o recurso para ciência e tecnologia é competitivo. O que nos falta é exatamente fazer um diálogo entre a ciência e a sociedade para melhorar a pesquisa. E, nesse meio, os empresários jovens do Brasil se mostrarem mais até mesmo para convencer o governo de que esse é um campo interessante.

E nas escolas? As instituições de ensino fundamental trabalham a valorização da ciência? Esse seria o ponto de partida?

Tem melhorado. Nós temos uma revista (Minas faz Ciência) que é enviada para as escolas estaduais do interior como material de referência, e é muito bem aceita. Inclusive, caiu uma questão na prova do Enem tirada da publicação. Claro, precisa avançar. O que temos feito e vamos continuar fazendo cada vez mais. Nós estamos agora criando um aplicativo chamado Data Viva, o maior banco de dados para inovação do mundo. Estamos trazendo ele para o celular, com uma versão mais simples, e permitindo aos jovens do ensino médio aprender a programar e fazer o seu Data Viva com os dados que ele quer e precisa, seja geografia, história.

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