Classe C sofre efeitos da crise, freia consumo e adia sonhos

Janaína Oliveira - Hoje em Dia
09/03/2015 às 07:53.
Atualizado em 18/11/2021 às 06:16
 (ANDRE BRANT/Hoje em Dia)

(ANDRE BRANT/Hoje em Dia)

Estrelas do consumo nos últimos anos, as classes C e D perderam parte do brilho no cenário atual de escalada dos juros e da inflação, alto nível de endividamento, impostos mais altos e crédito escasso. Protagonistas do crescimento econômico do país até pouco tempo, os chamados emergentes tomaram empréstimos, compraram carro e moto, trocaram geladeira e TV, contrataram plano de saúde e viajaram de avião.

Agora, com o peso do aumento do custo de vida no bolso, refazem as contas e cortam gastos. Sobrou até para o carrinho de compras, já menos sortido. Diante da nova realidade, analistas já falam do risco de quem ascendeu socialmente descer um nível na pirâmide.

“Quando o país cresce, aquele que é da classe E migra para a D. O que era da D muda para a C, que pode chegar à B. Mas em tempos de crise, como a recessão que vivemos atualmente, o que acontece é o caminho inverso ”, avalia o vice-presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), o economista Miguel Ribeiro de Oliveira.

O perigo de retrocesso existe, segundo ele, porque as classes C e D são justamente as mais vulneráveis ao ambiente econômico ruim.

“O aumento da conta de luz e dos impostos e a restrição de crédito afeta quase todo mundo, mas especialmente os menos favorecidos, uma vez que já estão endividados e passam a encontrar mais dificuldade para ter acesso a bens e empréstimos. Sem contar a insegurança com relação ao emprego”, diz.

Para o coordenador do MBA de Finanças da Fumec, professor Alexandre Pires Andrade, 2015 será o ano em que as pessoas vão dar um passo para trás.

“A partir de 2008, com o estímulo do governo, a classe C comprou e equipou os lares. Contratou pacote de internet para o celular e TV por assinatura. Com a incorporação de novos hábitos, o gasto fixo disparou. Agora, diante da inflação desenfreada, dívidas e falta de reserva financeira, não há como não falar em recuo na qualidade de vida”, adverte.

Para desapertar o cinto, a saída é eliminar os gastos não essenciais, recomendam os especialistas. Mas não é fácil.

Ex-frentista e hoje dono de um pequeno lava-jato no Morro do Papagaio, José Roberto Fonseca, o Betinho, não quer nem ouvir falar em adeus aos supérfluos. Admite, no máximo, um “até breve”.

Desde que abriu o comércio, construiu uma casa no aglomerado, colocou granito no piso, rebaixou o teto da sala com gesso, equipou o cômodo com TV de primeira geração, passou a dirigir um Golf 2002 e, por último, adquiriu uma hidromassagem para colocar no terraço ladeado com vidro temperado.

“A grana fugiu e a fase está difícil. Vou ter que esperar para conseguir instalar a banheira. Mas um dia vou ter ela ali funcionando”, diz ele, enquanto aprecia a vista da varanda.

Com a inflação e as contas batendo à porta, Betinho e a esposa Daiane diminuíram as idas ao shopping, ao cinema e ao restaurante, até então semanais, para uma vez ao mês. “E olhe lá! Mas tudo vai melhorar. A gente sempre tem que pensar em crescer”, diz. Junto, o casal recebe de R$ 2,5 mil até R$ 4 mil por mês.

Depois de ganhar da nora uma geladeira paga em “suaves” prestações, , 63, também terá que esperar para realizar o novo sonho: um sofá de três lugares. “O que a gente comprava com R$ 100, hoje a gente só consegue levar pagando R$ 150 ou mais. E com a conta de luz nas alturas, tive que maneirar no uso do micro-ondas e do forno elétrico”, conta.

Membro do Conselho Regional de Economia de Minas Gerais (Corecon-MG), a economista Silvânia Araújo lembra que mais de 40 milhões de brasileiros ascenderam à classe C de 2003 a 2011. “Foi um movimento de inclusão importantíssimo. Agora, mais do que nunca, o brasileiro terá que mostrar a força latente do empreendedorismo para driblar as adversidades”, diz. Outras 9,5 milhões de pessoas passaram a integrar a parte mais alta da pirâmide no período, engordando a camada da classe AB.

 

 

COMÉRCIO POPULAR SE RESSENTE DO DESAQUECIMENTO

O pé no freio nas compras atingiu em cheio as “regalias” dos emergentes. E nem o carrinho de compras escapou à tesoura. Pesquisa da Kantar World Panel, consultoria especializada na coleta e análise de dados sobre consumo, mostra que, nos últimos seis meses, as classes C e D já diminuíram oito vezes o número de idas mensais aos pontos de venda. No mesmo período, entre os mais abastados, a frequência caiu quatro vezes.

O mesmo levantamento constatou que os brasileiros estão priorizando a visita ao supermercado no início da semana, para aproveitar as promoções.

Gerente de um sacolão na principal avenida do Morro do Papagaio, Cláudio Camilo, 43, sente no caixa o arrocho na conta bancária da clientela. Segundo ele, este é o primeiro ano de vacas magras desde a inauguração do estabelecimento, em 2010.

“As pessoas reclamam que está tudo caro. Até no final de semana, quando as donas de casa costumavam comprar mais, o movimento caiu”, reclama.

O recuo nas vendas influenciou o cotidiano do comerciante. Quando os ventos da economia sopravam a favor, ele chegou a ir duas vezes no mesmo ano para a Praia do Forte, em Cabo Frio. Também comprou uma moto e financiou uma casa em Juatuba, na RMBH. “Do jeito que está agora, não posso nem pensar em férias. O negócio é trabalhar”, diz.

Do outro lado da rua, o empresário Amarildo Fernandes, 51, dono da Loja do Amarildo, conta que as vendas de móveis e colchões despencaram 20% no início de 2015, na comparação com janeiro e fevereiro do ano passado.

O problema se repete nas filias na avenida Silviano Brandão e no bairro São Paulo. “Até o ano passado, estava tudo bem. Mas hoje as mercadorias estão amontoadas. O pessoal está endividado. Estourou o limite do cartão”, diz ele, que começou vendendo móveis no salão da esposa.

Economista da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), Paulo Casaca diz que a marcha à ré nas compras das classes C e D traz consequências perversas também para fábricas.

Segundo ele, em 2014, as vendas cresceram 2,2% no Brasil e 2,6% em Minas, o pior resultado desde 2003. Enquanto isso, o grau de endividamento da população saltou de 18% em 2005 para 46% para o ano passado.

“Com exceção do setor extrativo, voltado para exportação, todos os ramos de atividade acabam sendo atingidos pela freada no consumo”, diz.
 

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