Com foco na vizinhança, moradores das favelas de BH investem no negócio próprio

Heraldo Leite
hleite@hojeemdia.com.br
21/08/2017 às 06:00.
Atualizado em 15/11/2021 às 10:10
 (Lucas Prates )

(Lucas Prates )

A história se repete em todos os personagens: a crise econômica apertou, o emprego fixo e de carteira assinada se foi e o jeito foi apelar para a criatividade na busca pela sobrevivência. E as favelas – rebatizadas eufemisticamente de comunidades – são locais que costumam refletir imediatamente a desaceleração econômica. Mas, se os moradores dessas regiões mais carentes são os primeiros a sentir os perversos efeitos da recessão, também são os primeiros a encontrar meios de driblar a crise. Como resultado começam a vender seus produtos e serviços para a própria comunidade. E não têm do que se queixar.

Em um escritório improvisado, embora bem equipado, na via principal de uma das muitas ruas íngremes do Morro do Papagaio, na região Centro-Sul de Belo Horizonte, fica a Márcia Turismo. A proprietária, Márcia Maria Dias Ferreira, mora na região desde criança. Batalhou muito, graduou-se em Turismo pelo Uni-BH e desde 2009 organiza excursões que vão de praias capixabas e cariocas até o destino mais procurado: Aparecida do Norte. A clientela, segundo ela, é 100% composta de pessoas da própria comunidade.

“Aqui faço de tudo. Sou recepcionista, atendente e limpo a sala. De sexta a domingo, estou na estrada, pois sou a guia de todas as excursões”, orgulha-se. Apesar de admitir que o negócio já viveu dias melhores, ela garante que sobrevive do empreendimento e que consegue pagar todas as contas em dia.

No Morro das Pedras, na rua Bento, fica o salão recém-construído de Renam Patrick Vieira e Raul Alves. O público, na maioria jovem, também é da comunidade ou de bairros próximos.Lucas Prates

Márcia Ferreira é dona da agência, recepcionista, atendente e guia de turismo

 Mas não precisa agendar horário. Basta chegar no portão, uma vez que o salão fica em um dos cômodos da casa de Renam. Aos 22 anos, ele já foi metalúrgico e trabalhou em uma estamparia, o mesmo ofício de Raul. A fim de sobreviver depois de demitidos do emprego “fichado”, os dois juntaram as tesouras e garantem que agora estão bem melhor. “Às vezes, para fechar, preciso recusar mais clientes. Já passei de 20 atendimentos em um único dia”, contabiliza Renam.

Sonhos

Simone da Silva Ponte também sentiu a crise. Seu comércio de bolos e doces para festas caiu, já que os bufês diminuíram os pedidos. Mas ela não se apertou. Da sua organizada cozinha saem bolos de pote e bombons que encontraram público fiel entre vizinhos e amigos da comunidade.

O marido, que estava desempregado, voltou a trabalhar e ela já faz planos de reformar a cozinha e ampliar a casa, prestes a ser quitada.


Empreendedor por necessidade é mais criativo e disposto a pegar no pesado, diz especialista


Os especialistas chamam este tipo de iniciativa de “empreendedorismo de necessidade”. Ou seja, são aqueles negócios próprios abertos não porque os donos vislumbraram uma oportunidade ou a chance de entrar para o rol dos mais ricos, mas porque não tinham alternativa. Precisaram se virar a fim de colocar comida na mesa da família.

“Este tipo de empreendedor é mais verdadeiro do que o empreendedor brasileiro típico”, teoriza Dorival Mata Machado, do Data Popular, instituto que realiza pesquisas sobre o tema nas favelas. “É mais criativo e disposto a trabalhar duro. Ao contrário do empreendedor mais comum, que já conta com capital e aposta na atividade para não ter patrão”, explica.

Contabilidade

Numa agenda recheada de números e anotações, Sônia da Silva anota todo o movimento diário da sua banca, estrategicamente localizada no ponto do ônibus que percorre o labirinto de ruas estreitas do Morro do Papagaio.

Ela sabe que precisa trazer tudo na ponta do lápis para ter ganho. Já vendeu cosméticos, mas o movimento diminuiu e a féria do dia é garantida por miudezas – balas, bombons, salgados e outras guloseimas ofertadas no espaço batizado de “Tiquim de Tudo”, próximo à barragem Santa Lúcia.

Por ali, passa o vendedor de cocos Nininho, nascido Alexandro Miguel Geraldo. Com o carrinho adaptado, chega a vender 40 cocos por dia.

Mas ele apenas cruza a barragem. O forte são as vendas nas ruas da comunidade. “Não gosto de fazer concorrência. Respeito o rapaz que tem um quiosque ali. E ele me respeita. Assim, subo o morro e garanto meu sustento honestamente”, conta.

Depois do desemprego, o casal Ezequiel de Fátima e Nerilda Ribeiro começou a vender chup-chup pelas ruas. Há três meses, os dois abriram uma pequena lanchonete. E a clientela, 100% da comunidade, se não vai ao local faz pedidos pelo WhatsApp.

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