Crédito sem critério: aumentam reclamações e pressão contra operadoras de empréstimo consignado

Paulo Henrique Lobato
18/06/2019 às 20:25.
Atualizado em 05/09/2021 às 19:10
 (Flávio Tavares)

(Flávio Tavares)

Diante do aumento do superendividamento de segurados do INSS com empréstimos consignados, Minas Gerais e o Brasil se esforçam para acabar com o que muitos juristas e políticos tratam como falta de transparência na oferta deste tipo de crédito. Em todo o país, a dívida com operadoras do setor soma R$ 132 bilhões, segundo o Banco Central. 

O caso é tão sério que só o Procon da Assembleia de Minas Gerais registrou, ano passado, 726 reclamações. Para se ter uma ideia de como este tipo de ocorrência avançou a passos largos nos últimos anos, basta ressaltar que, em 2015, os empréstimos consignados representaram 2,9% de todos os registros no órgão. No ano passado o percentual saltou para 9,4%.

O poder público não divulga o tamanho da dívida por estados. Mas calculou para o Brasil: os R$ 132 bilhões representam um crescimento de 11% em relação ao mesmo montante apurado 12 meses antes. Neste caso, os dados do Banco Central vão de abril de 2018 a abril deste ano. 

Em razão de exemplos como esses, o Procon da Assembleia e órgãos similares de outros estados pressionam o Congresso Nacional a instalar a comissão especial que irá analisar o Projeto de Lei Federal 3.515/15, que atualiza o Código de Defesa do Consumidor e começou a tramitar no Senado em 2012 e está estagnado há dois anos na Câmara dos Deputados.

“O projeto surgiu de uma ideia de juristas, pois o Código de Defesa do Consumidor precisava receber tratamento sobre o superendividamento e o comércio eletrônico para ficar atualizado. O projeto traz muitas novidades para dar transparência à oferta de crédito consignado”, disse o advogado Marcelo Barbosa, coordenador do Procon da Assembleia. 

O texto, caso não sofra mudanças, poderá penalizar as empresas que agem de má-fé ao oferecer empréstimo sem analisar criteriosamente o perfil do consumidor.

A lei atual deixa claro que o trabalhador ou aposentado que já comprometeu 30% de seu rendimento com consignado não poderá receber outras propostas. Mas muitas empresas ignoram a regra, o que faz o consumidor se enforcar em dívidas.

A empresa que fechar os olhos para consumidores que já tiverem 30% da renda comprometida com consignado poderá ficar sem receber juro, em caso de parcelas atrasadas.

“Se o banco não avaliar o perfil do consumidor, o devedor não se obriga ao juro”, enfatizou Barbosa, citando o caso de uma moradora de Contagem que o procurou para relatar que recebe o equivalente a três salários mínimos (R$ 3 mil), mas tem cartão de crédito no limite de R$ 25 mil.

Em nota dirigida ao Congresso Nacional, a Procon Brasil, que é a associação dos órgãos nos estados, cobra urgência na aprovação do projeto. 

Um trecho do documento ressalta que “todos nós somos consumidores e vivemos em uma situação de crise econômica e de recessão” e que “o número de desempregados aumenta, já alcançando mais de 13 milhões de pessoas”. Desta forma, “cresce também a quantidade de famílias endividadas”. 

Os defensores do projeto aguardam, desde 13 de junho de 2017, a instalação da comissão especial que irá analisar o texto. Na semana passada, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), determinou a instalação do grupo de parlamentares que irá se debruçar sobre o assunto. Mas a data limite e os nomes dos deputados que irão compor a comissão especial não foram divulgados.

Enquanto isso, segundo a Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas, 30 milhões de brasileiros estão superendividados”.

Já aprovado no Senado, o Projeto de Lei 3.515/15, que, dentre outras propostas, atualiza o Código de Defesa do Consumidor, aguarda ser analisado por uma comissão especial na Câmara dos Deputados desde 13 de junho de 2017.

 Projeto em Minas regulamenta ofertas por meio telefônico

Numa frente paralela ao esforço dos Procons estaduais, deputados da Assembleia de Minas Gerais vão analisar um outro projeto de lei, o PL 775/2019, que proíbe a oferta de linhas de crédito pelo telefone. Um dos objetivos é proteger, sobretudo, os idosos, alvos prediletos de empresas que oferecem essa modalidade de empréstimo.

“Muitas vezes, estas empresas fazem propostas aparentemente vantajosas por telefone, mas que comprometem a renda da família do idoso. A intenção é que este serviço seja transparente e que não prejudique a vida das pessoas”, justificou o deputado Douglas Melo (MDB), autor do PL 775/19.

O texto, se aprovado, prevê a advertência como primeira penalidade. Em caso de reincidência, a pena será cobrada em dinheiro, o correspondente a mil Unidades Fiscais do Estado de Minas Gerais (Ufemg): quase R$ 3,6 mil.

Em caso de nova reincidência da empresa, a cifra será cobrada em dobro (R$ 7,2 mil).

O parlamentar frisou que a proposta não impede que a oferta seja iniciada pelo telefone, desde que o contrato do serviço seja encaminhado para o consumidor via e-mail ou pelo serviço postal.

“Mas a pessoa tem de ler, tem de ter conhecimento. Acontece que, em muitos casos, o idoso é informado sobre um valor, mas há omissão (por parte do vendedor) de taxas e outros valores que vão embutidos (em cada parcela). Isso aumenta o valor e pode comprometer a renda de toda a família”, reforçou o parlamentar.

Ainda segundo o deputado, “nas contratações de empréstimos consignados feitas por telefone, é impossível à instituição financeira cumprir todos os requisitos previstos no Código de Defesa do Consumidor (CDC), o que gera vantagem em favor da instituição, em função da falta de instrução do consumidor e, consequentemente, do artifício dos contratos firmados por meio telefônico”.

Banco terá que devolver R$ 3 milhões em tarifas ilegais

Em razão de cobrança indevida de tarifa de transferência de recursos, conforme declarada ilegal pelo Banco Central do Brasil (Bacen), o Banco Olé Consignado S.A. terá que desembolsar aproximadamente R$ 3 milhões em restituições.  A informação foi divulgada ontem pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).

Em nota, o MP informou que “a cobrança foi realizada em concessões de crédito consignado, de 2010 a 2015, por meio de operações de Documento de Crédito (DOC) ou Transferência Eletrônica Disponível (TED), sem previsão contratual ou prévia autorização dos consumidores. A conduta viola o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e infringe atos normativos do Conselho Monetário Nacional (CMN) e do Bacen”.

De acordo com o promotor de Justiça de Defesa do Consumidor de Belo Horizonte Glauber Tatagiba, mais de 220 mil clientes do banco pagaram indevidamente a tarifa, mas somente 40.802 foram ressarcidos até agora.

A prática foi constatada em investigação preliminar realizada pelo Procon-MG, órgão integrante do Ministério Público de Minas Gerais, que instaurou processo administrativo para apurar o caso.

O promotor informou que o MPMG irá tomar providências para que o banco, uma joint venture entre o Banco Santander e o Banco BS2, restitua os valores arrecadados de forma ilegal.

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