Atropelados pela Covid: negócios abertos às vésperas da pandemia citam sofrimento e alívio dobrados

Evaldo Magalhães e Cinthya Oliveira
primeiroplano@hojeemdia.com.br
04/09/2020 às 20:36.
Atualizado em 27/10/2021 às 04:27
 (ARQUIVO PESSOAL)

(ARQUIVO PESSOAL)

“A sensação é a de acordar de um pesadelo”. O desabafo de Laís Araújo, uma das proprietárias da Cervejaria Cultura, no bairro Concórdia, Leste de BH, que reabriu as portas na última sexta-feira após quase seis meses sem receber clientes, resume um enorme sofrimento. Não somente o de quem teve de encarar restrições ao seu “ganha pão” desde a chegada da Covid-19. Também o de quem viu seu sonho ser “atropelado” pela pandemia.

“Inauguramos em 18 de março, justamente o dia em que a prefeitura publicou o decreto estabelecendo o fechamento de bares, restaurantes e outros setores do comércio da cidade”, conta Laís. O investimento de R$ 300 mil no negócio correu sério risco de ir pelo ralo, não fosse o empenho dela, dos sócios e da equipe para adaptá-lo à nova realidade. 

Com um empréstimo pessoal de um terço do capital empatado no bar – já que a empresa, com menos de um ano, não se qualificava para entrar em linhas emergenciais de ajuda financeira a micro e pequenos empreendedores, como o Pronampe –, Laís e os parceiros mudaram o foco para o delivery. “No início, trabalhávamos eu, meu irmão e minha cunhada. Hoje estamos com cinco funcionários”, diz ela. 

“Durante todo esse tempo, porém, nosso maior medo foi não conseguir reabrir, não conseguir nos manter apenas com o delivery. Mas, graças a Deus e ao apoio dos nossos amigos e clientes, isso foi possível”, completa Laís.

NÚMEROS

A trajetória de Laís, integrante de um grupo que pode ser definido como o dos “grandes azarados” da pandemia, não foi a mesma de muitos outros empreendedores. 

Analista diz que ausência ou falhas de planejamento por parte dos empreendedores pode explicar boa parte dos casos de negócios encerrados ao serem pegos pela pandemia logo após as inaugurações

Segundo dados da Junta Comercial de Minas Gerais, de janeiro a julho deste ano – ou seja, período que compreendeu o ápice dos efeitos da pandemia, em março, abril e maio – cerca de 24,5 mil empresas encerraram as atividades no Estado. Foram quase 3 mil a mais que nos mesmos sete meses de 2019. E a maioria delas, certamente, impactada não só pela queda ou ausência de faturamento, mas também pela falta de planejamento.

“Para abrir qualquer negócio é preciso ter uma estratégia paralela à que usa nas guerras: não se entra no campo de batalha sem uma segurança na retaguarda”, diz Laurana Silva Viana, analista do Sebrae Minas. 

“Ou seja, é preciso ter dinheiro para capital de giro e para uma reserva a ser usada em casos de crise. Infelizmente, muitos empreendedores não têm esse olhar mais preventivo”, completa.

Embora admita que, além de totalmente inesperada, a pandemia foi uma crise de dimensões jamais vistas, Laurana insiste que o planejamento inexistente ou incipiente explica boa parte dos casos recentes de fechamentos. 

“Planejar é você colocar num papel tudo o que precisa para poder calcular bem os riscos antes de tomar decisões”, afirma ela, lembrando que tal processo pode resultar até na desistência de empreender, antes que se tenha prejuízos.

empresas foram fechadas a mais em minas, de janeiro a julho deste ano, em comparação com o mesmo período de 2019

Bares e restaurantes foram os que mais penaram na crise

A maior parte dos negócios recém-abertos que tiveram de praticamente hibernar por causa da pandemia é mesmo do setor de bares e restaurantes. O empresário Rodrigo Américo Moreira, por exemplo, contabiliza um prejuízo de pelo menos R$ 120 mil nos mais de cinco meses em que foi obrigado a aguardar para reabrir o pub Rota 677, no Padre Eustáquio, Noroeste da capital.

“Inauguramos em março. Três dias depois, veio a ordem da prefeitura”, lamenta o empresário, que disse que já estava prestes a passar fome na semana passada, não fosse a autorização para voltar ao funcionar com a venda de bebidas alcoólicas, na sexta-feira.

Aberto em fevereiro, o Cozinha Santo Antônio, no bairro de mesmo nome, foi outro a sofrer baque pouco depois da estreia. A dona teve de reinventar o negócio, fiando-se na garra das colaboradoras. “Conto com uma turma de mulheres que faz a Cozinha Santo Antônio acontecer há 150 dias” diz a chef Juliana Duarte.

“Sei e sinto o que é ter uma equipe só de mulheres trabalhando para fazer um negócio sobreviver no meio desse 2020. No começo tive medo e insegurança. Mas fui vendo que nós temos uma força impressionante. Vivemos esse tempo com muita intensidade, dividimos tarefas, angústias, sonhos”, completa.

  

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