Conjuntura econômica adversa força jovens a trocar a escola pelo emprego

Janaína Oliveira - Hoje em Dia
26/07/2015 às 07:18.
Atualizado em 17/11/2021 às 01:05
 (Lucas Prates/Hoje em Dia)

(Lucas Prates/Hoje em Dia)

A estudante de Terapia Ocupacional da UFMG Juliana de Sena, de 22 anos, já não pode mais se dar ao “luxo” de dedicar o tempo exclusivamente aos estudos. Com o aumento da inflação e a perda do poder de compra da família, ela se viu obrigada a procurar um emprego. Assim como ela, milhares de jovens brasileiros, que até pouco tempo estavam focados na qualificação profissional, agora estão sendo compelidos pela crise de volta ao mercado de trabalho.
 
O caminho inverso é provocado pelos ventos desfavoráveis da economia brasileira. O dragão exerce pressão sobre o orçamento, engole grande parte do salário e não deixa outra saída ao jovem do que a contribuição para as despesas da casa.
 
À disparada dos preços soma-se ainda a perda do emprego por parte de parentes. Somente em junho deste ano, o desemprego entre os chefes de família responsáveis pelo sustento do lar saltou 58,8% na comparação com igual mês de 2014, segundo dados da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE.
 
“Quando a renda dos pais acompanhava a inflação, ou havia até ganho real, era possível manter o filhos só na escola ou na faculdade. À medida que os preços sobem e o chefe de família fica desempregado, o jovem precisa ir à luta. É obrigado a procurar emprego e volta a aparecer nas estatísticas”, diz a professora de Cenários Econômicos e Finanças da Fundação Getúlio Vargas/Faculdade IBS, Virene Roxo Matesco.
 

Juliana usa o recesso escolar para trabalhar numa pista de patinação. Foto: Luiz Costa/Hoje em Dia

Conta não fecha
 
Segundo a professora, mesmo em casos em que o pai e a mãe permaneçam empregados ficou mais difícil fazer o volume de contas ser compatível com o tamanho do bolso.
 
“Só a inflação de serviços, que inclui salão de beleza e ensino, por exemplo, subiu 13% nos últimos 12 meses. Já a tarifa de luz está quase 70% mais cara. Ou seja, a classe média já desceu de padrão, e ganhos do governo Lula foram corroídos”, avalia.
 
Nova realidade
 
A escalada do custo de vida e a corrosão dos salários impuseram uma nova realidade aos jovens. Na faixa etária entre 18 e 24 anos, a taxa de desemprego bateu na casa dos 17,1%, 4,8 pontos percentuais acima dos 12,3% registrados há um ano.
 
“Percebemos uma reversão de comportamento. No ano passado, pessoas deste grupo de idade estavam estudando, se qualificando. Agora, são principalmente elas que estão pressionando o mercado de trabalho”, afirma a técnica da Coordenação de Trabalho e Renda do IBGE, Adriana Beringuy.
 
Cinto apertado
 
O aperto financeiro “melou” as férias da universitária Juliana Joice. “Se a situação tivesse mais tranquila, não precisaria trabalhar durante o recesso da faculdade. Mas tive que correr atrás”, diz ela, que conseguiu uma vaga temporária na pista de patinação de gelo instalada no shopping Estação BH.
 
Para uma carga horária de 8 horas diárias, com uma folga por semana, ela receberá R$ 900 mais vale-transporte.
 
“Vai ajudar muito nas despesas. A crise prejudicou empresários e universitários também. A verdade é que não está fácil pra ninguém”, diz.
 
Cortes atingem os arrimos e impactam toda a família
 
O contingente de pessoas responsáveis pelas contas da casa que estão sem emprego chegou a 483 mil em junho, considerando-se as seis regiões metropolitanas do país pesquisadas pelo IBGE. O corte atinge em cheio a renda das famílias e impele um número cada vez maior de jovens para o mercado de trabalho. O problema é que as portas nem sempre estão abertas, especialmente em momentos de turbulência.
 
“O aumento do desemprego entre aqueles que são arrimo de família impacta a decisão dos demais moradores da casa. Os mais jovens saem mais em busca de uma vaga, mas como as empresas não estão contratando, encontram os portões fechados”, diz o professor adjunto do Departamento de Ciências Econômicas da UFMG Mário Rodarte.
 
Segundo o especialista, é o jovem quem sente a crise no seu começo. “Em períodos difíceis, a primeira providência da empresa é parar de contratar. E isso se faz pelos entrantes, ou seja, pelos mais novos. Em caso de cortes, os jovens também são os primeiros a perder a vaga, já que muitos empresários optam por ficar com os mais experientes”, afirma.
 
Depois de abandonar a faculdade de Administração e distribuir vários currículos, Tatiele Mendes da Silva, de 24 anos, comemora a conquista de uma vaga temporária como monitora no Parque dos Minions no Shopping Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.
“Cheguei a mandar 10 currículos em um só dia. Ainda bem que apareceu essa oportunidade”, diz.
 
Tatiele conta que uma das amigas não conseguiu renovar o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), destinado às mensalidades das faculdades particulares, e também deu adeus ao sonho da formatura. Pelo menos por enquanto. Assim que a situação do país melhorar, a jovem planeja voltar à sala de aula e se formar em Educação Física.
 
Camila Valentim, de 23, também interrompeu o cursinho e adiou o desejo de ser médica. Com a queda de 60% na renda da mãe, a representante comercial Rosana Rodrigues, comprou uma bicicleta e foi para as ruas vender alfajor. 

 

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