Estado quer delegar a municípios autorização de instalação de empreendimentos

Bruno Porto - Hoje em Dia
04/07/2015 às 06:55.
Atualizado em 17/11/2021 às 00:45

O governo de Minas enviou à Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) um projeto de lei (PL) para delegar aos municípios a responsabilidade do licenciamento e da fiscalização ambiental no Estado. Especialistas em direito e política ambiental alertam para o risco do surgimento da indústria da multa, e que as licenças ambientais se transformem em objeto de barganha política.   Pelos planos do governo estadual, empreendimentos de menor porte passarão a ter o licenciamento julgado na cidade onde vão se instalar, reduzindo a concentração na Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad).   “A descentralização seria ótima se os municípios tivessem condições de fazer o licenciamento. Mas até o Estado tem dificuldades de reter bons profissionais da área, imagine para um município o tamanho do ônus. Essa abertura trará a indústria da multa e o fim das análises técnicas, com as licenças se transformando em arma de arrecadação”, disse o professor da escola de Engenharia da UFMG Mário Cicareli, que há 35 anos trabalha com licenciamento ambiental.   De 2011 a 2014, a Semad julgou 4.612 pedidos de licença ambiental, com um contingente de 153 servidores que atuam diretamente no licenciamento. Atualmente, há um estoque de 2.694 requerimentos de licença em trâmite na secretaria. A diferença entre o número de pedidos de licenças formalizados e o volume deles que são julgados aumenta ano a ano. Esse déficit foi de 358 processos em 2012 e chegou a 739 em 2014.   “A concentração leva a situações impensáveis como o licenciamento de um posto de gasolina em Uberlândia, cidade com quase 700 mil habitantes, ter que ser processado pelo Estado”, argumentou o governo, via assessoria.   O secretário de Estado de Meio Ambiente, Sávio Souza Cruz (PMDB-MG), diz que o governo vai acompanhar o processo e poderá rescindir unilateralmente os convênios.   “Existe uma estrutura mínima que será exigida dos municípios e muitos deles têm mais condições do que o Estado de reter quadros técnicos para o licenciamento. O exercício da cidadania fica mais próximo com licenciamento local. Já existem prefeituras, como Nova Lima e Sete Lagoas, interessadas”, afirmou.   “Vejo essa intenção do Estado como um cumprimento constitucional, já que os municípios têm competência para isso. Mas há receio de que o licenciamento seja usado para uma política arrecadatória, com as prefeituras exigindo licenças até para carrinho de pipoca. Tenho também receio quanto a capacitação técnica dos municípios se mais essa obrigação não for acompanhada de novos repasses financeiros”, disse Patrícia Boson, do Conselho de Empresários para o Meio Ambiente da Fiemg.   Impacto   A Deliberação Normativa 74 do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) classifica os empreendimentos conforme seu porte e potencial poluidor. A escala vai de 1 a 6. Quanto mais alto o número, maior é o porte e o potencial poluidor. O governo pretende transferir aos municípios o licenciamento até o nível 4. As cidades precisam manifestar interesse no licenciamento e assinar convênio com o governo.   MEIO AMBIENTE – Mesmo empreendimentos de grande porte, como mineradoras, podem ter licenciamento feito pelo município se tiverem impacto local (Foto: João Marcos Rosa/Nitro/Divulgação 08/09/2013)   AMM vê municipalização como benefício e cobra capacitação   O prefeito de Matozinhos e diretor da Associação Mineira de Municípios (AMM), Antônio Divino de Souza, disse encarar a nova tarefa dos municípios como um benefício.   Para ele, é necessário que o governo estadual dê prazo para que os municípios se preparem para a nova obrigação, e que, por meio de seminários, ajude na capacitação técnica dos servidores.   “Acredito que quem está mais perto do empreendimento, que é o município, tem melhores condições de analisar os pedidos de licença, sendo que isso deverá, inclusive, dar maior celeridade aos licenciamentos, hoje muito demorados. É também uma fonte de receitas porque hoje as multas geradas na fiscalização dos empreendimentos são direcionadas para um fundo estadual. Com o município assumindo essa fiscalização, esse recurso será municipal”, disse.   A descentralização do licenciamento vai gerar nas cidades a necessidade de abertura de concursos públicos. A legislação prevê, e assim ocorre nos municípios onde há convênio com o Estado, que o município licenciador tenha estrutura técnica para isso, como agentes de fiscalização e técnicos em meio ambiente “em número compatível com a demanda”.   Também é necessária a criação de um conselho multissetorial, com representantes de entidades do terceiro setor, Ministério Público, sociedade civil, e outros que participam do processo de licenciamento.   Estado não deve definir o que a prefeitura pode licenciar   Se o impacto gerado por um empreendimento é restrito ao município, ele tem competência para licenciar assegurada na Constituição, independentemente de seu porte ou potencial poluidor. Esse é o entendimento do advogado especialista em Direito Ambiental Alexandre Sion, da Sion Advogados. Na mensagem encaminhada pelo Executivo à Assembleia, o Estado diz que permanecerá licenciando empreendimentos de “interesse público do Estado”.   “Em essência, cabe ao Estado (o licenciamento) quando o impacto for supramunicipal, englobar mais de um município. Não pode o município de Belo Horizonte licenciar um empreendimento que vai ter impacto também em Contagem, por exemplo. Nesse caso é o Estado o responsável”, afirmou.   Mesmo empreendimentos de grande porte, como mineradoras e usinas hidrelétricas, se tiverem impactos locais, podem ter licenciamento local.   Na prática, da forma como ocorre hoje em Minas Gerais, a participação do município no licenciamento se restringe à emissão de uma Declaração de Conformidade, que tem função de atestar que o empreendimento está enquadrado na legislação municipal. “Ocorre que isso é usado como moeda de troca e o município encara como se o empreendedor dependesse de sua anuência, o que não é verdade”, disse Sion.   A municipalização é encarada por ele como uma exigência constitucional, porém com potencial para politizar a emissão de licenças em detrimento da avaliação técnica. “Quanto mais próximo do empreendimento se realizar o licenciamento, mais vulnerável a influências políticas estará o processo”, afirmou.   No município, licenciamento pode ter uma discussão mais apaixonada e perder em análise técnica   Após aprovação do PL, o Estado regulamentará o licenciamento municipal via decreto, com vigência dentro de 60 dias

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