Ex-ministro de FHC, Paulo Paiva diz que 2014 será morno

José Antônio Bicalho - Hoje em Dia
Hoje em Dia - Belo Horizonte
06/01/2014 às 08:07.
Atualizado em 20/11/2021 às 15:10
 (Luiz Costa)

(Luiz Costa)

Para o ex-ministro do Trabalho do governo Fernando Henrique Cardoso e atual professor da Fundação Dom Cabral, Paulo de Tarso Almeida Paiva, ou Paulo Paiva, como é mais conhecido, devemos esperar mais do mesmo em 2014. Na economia, ele não enxerga nenhum sinal para otimismo, nem para catástrofe. Será o ano da Copa do Mundo, do Carnaval em março e das eleições, eventos que travarão a produção e deixarão o debate econômico de lado.

Em entrevista ao Hoje em Dia em sua sala no Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG), do qual é membro do Conselho de Administração, ele diz que 2014 será um “ano de fantasia”.

Para Paiva, a realidade cobrará seu preço em 2015. O problema central, diz, está no abandono da ortodoxia no tripé macroeconômico (meta de inflação, superávit primário e câmbio flutuante) e na incapacidade do governo de fazer o país retomar a rota do crescimento.

Com uma leitura assumidamente “de mercado”, ele alerta: “Vamos caminhar mais para o lado da Argentina e Venezuela, ou vamos retomar os ajustes feitos no governo FHC”.

Para a economia, 2013 não foi um ano bom. O que podemos esperar de 2014?

Ao final de cada ano, o mercado faz a sua aposta para o crescimento da economia para o próximo exercício. Sai no Boletim Focus (pesquisa de expectativa do mercado feita pelo Banco Central). E em todos os últimos anos, essa expectativa começou positiva e foi caindo mês a mês. Para 2013, saímos com uma perspectiva de crescimento de 3,5% e chegamos ao final do ano com 2,2%. Se isso se reproduzir para 2014 vai ser ainda pior, porque o Boletim Focus está estimando o crescimento para o ano em apenas 2%.

Teremos, então, um ano ainda pior do que 2013?

Em 2013, o quadro se deteriorou muito a partir de maio, antes das manifestações, basicamente com o desequilíbrio da balança comercial.

Para 2014, a visão que eu tenho é muito parecida com a de mercado. Em primeiro lugar, vai ser um ano muito curto em dias de produção. O Carnaval será no início de março. Em junho e julho, teremos a Copa do Mundo. Em agosto e setembro, a economia desacelera por conta das eleições em outubro. Será um ano cheio de interrupções e, para a produção, será muito difícil.

A Copa do Mundo não será um estímulo?

A Copa estimula muitas atividades, mas não de maneira compensatória. As perspectivas da economia para 2014 não são dramaticamente pessimistas nem otimistas. Não temos nenhum sinal de desastre nem de retomada do crescimento. Será um ano para se ter mais cautela.

A inflação é um risco?

Estamos rodando com uma inflação em torno de 6% a 6,5%. E com controle dos preços administrados. Ela seria mais alta se esses preços estivessem sendo reajustados. Temos pressões fortes dos serviços, dos preços dos alimentos, dos produtos in natura. O que segura a inflação são os preços administrados, energia, petróleo, ônibus, IPVA... Então, teremos inflação alta e crescimento baixo. Que é o que tivemos em 2013. Crescimento baixo e inflação acima da meta, mais próximo dos 6%.

Mas, em ano eleitoral, não é natural que a economia cresça?

Em ano eleitoral a economia cresce porque o governo gasta mais. Acontece que o governo está tendo muita dificuldade para gastar. Ele até que tentou, mas a reação do mercado para o desequilíbrio fiscal é muito grande.

Quais as consequências de se aprofundar esse desequilíbrio fiscal?

O Brasil corre risco de perder sua posição de investiment grade. Nossa situação é melhor que no passado, mas corremos esse risco. No passado, tínhamos uma dívida externa grande e um receio de default do país. Não é essa a questão agora. Nós temos reservas internacionais grandes e o governo não tem dívida externa. Não existe risco de default. Mas há uma falta de credibilidade na gestão fiscal e na gestão da política econômica de modo geral.

Qual o motivo dessa falta de credibilidade?

Nós abandonamos, embora de maneira envergonhada, o tripé macroeconômico. Não seguimos os 4,5% de meta de inflação e nos contentamos com uma inflação em torno de 5,5%. Abandonamos o superávit primário. E temos uma grande dificuldade de administrar o câmbio.

Mas existe um ponto de equilíbrio para o câmbio?

Esse é um dilema. Temos uma pressão por parte da economia que exporta e quer uma moeda desvalorizada para seus produtos terem mais competitividade no mercado externo. De outro lado, se a moeda desvaloriza você tem o risco de ter um efeito negativo sobre a inflação. Ponto de equilíbrio não existe. Pobre da presidente e do ministro da economia que ficam entre essas duas pressões.

Mas, diante da iminência dos Estados Unidos cortarem os estímulos, como fazer para segurar o câmbio?

Quando se tem uma crise muito grande, como no caso da Europa, a demanda por dólares aumenta, porque todo mundo corre para a âncora. Por outro lado, quando os Estados Unidos fazem o que estão fazendo desde 2008, que é injetar dólares no mercado, a um volume de US$ 80 bilhões por mês, que é para estimular a economia, as moedas todas se valorizam em relação ao dólar. Os instrumentos que o governo tem para enfrentar isso são todos marginais e de efeito limitado. Normalmente, o que ele faz é vender dólar no mercado, mas com cuidado para não queimar reservas. Tira ou coloca IOF e opera no mercado futuro com swaps.

Qual o problema de um câmbio administrado?

No passado, nós tínhamos um câmbio administrado. Mas pagávamos essa diferença com reservas. Todas as experiências de controle de inflação – México, Israel, Argentina e Brasil – que usaram como âncora a taxa de câmbio, tiveram muito sucesso para puxar a inflação para baixo, mas nenhuma saiu da crise impunemente.

E qual será o ambiente externo para 2014?

Vamos conviver com a economia americana retomando seu crescimento. Existe uma perspectiva muito otimista para os EUA. Acho bom ficarmos de olho em janeiro, porque a crise fiscal americana foi empurrada para este mês.

E a Europa?

A economia europeia continua com crescimento muito baixo, mas com uma visão relativamente otimista em relação ao passado. Não tem nenhum sinal de ruptura. Portugal e Espanha estão se recuperando aos poucos. A Grécia está sob orientação do FMI. A Angela Merkel foi reconduzida como primeira ministra. Então, a perspectiva europeia é melhor do que no passado.

E a China?

A China, que antes crescia a dois dígitos, está crescendo a 7%. Isso foi o que o Brasil cresceu, em média, entre 1950 e 1980. Crescer a 7% ao ano significa que em 10 anos você dobra o PIB. Então, não temos nenhum sinal negativo ou que preocupe no cenário externo para 2014.

Nosso dilema, então, é interno?

A grande questão é porque nós não crescemos. A taxa de crescimento do Brasil é muito baixa, particularmente a da indústria. Olhamos o índice do World Economic Forum, que faz a medida do grau de competitividade de 144 países, o Brasil ficou na 56ª posição em 2013. E no ano anterior estávamos na 48ª posição. Ou seja, caímos oito posições.

Porque estamos tão mal classificados?

Quando se examina o que segura a produtividade no Brasil são os fatores estruturais ou fundamentais. A infraestrutura no país, que é precária. Estamos entre os piores do mundo. A burocracia do governo e a carga tributária do país, que é muito alta e não estimula a produção. Temos ainda a educação básica, que é muito ruim na comparação com outros países. Então, temos uma série de fatores que retêm a competitividade no Brasil.

E também o câmbio.

Sempre acreditamos que a melhor política de estímulo à indústria é o câmbio: controlar a importação e ter um câmbio que torne nossos produtos mais competitivos. Mas nunca discutimos a questão do nível educacional, da formação da mão de obra, da legislação trabalhista que onera muito a produção, da dependência do crédito público subsidiado do BNDES.

O erro está no modelo macroeconômico?

A nossa economia está seguindo o modelo da economia americana. Crescimento baseado no consumo das famílias, do governo e dos investimentos. Nosso modelo é de 60% de consumo de famílias, 20% de consumo de governo, 17% de investimento. Mas tem uma diferença negativa entre exportações e importações. Esse é o modelo da economia americana, que cresce com saldo negativo na balança comercial. Só que eles emitem uma moeda mundial.

A China seria um exemplo a ser seguido?

Eles estão com um índice de investimento de mais de 50%. O consumo só agora está crescendo de maneira mais significativa. É um modelo diametralmente oposto ao brasileiro. Lá eles geram superávit comercial muito alto, e também em transações correntes. Enquanto aqui, o que temos de investimento é muito pequeno e em grande parte são investimentos externos diretos. Ou então os grandes projetos com recursos públicos do BNDES.

Então, 2014 será um ano em que todos esses problemas aflorarão?

Acho que o problema maior é 2015, quando vamos nos encontrar com a realidade. Em 2014 não vamos ver a realidade. Vamos ter a campanha política e esses temas não estarão nas agendas dos candidatos. O que vai conduzir a discussão serão denúncias. O ano será de fantasia, e 2015, de realidade. Em 2015, vamos caminhar mais para o lado da Argentina e Venezuela, ou vamos retomar os ajustes que foram feitos no governo FHC e vamos ter que refazer tudo de novo. Essa é a discussão, mas ela não está colocada.
 

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