Pedro Janot: ‘Sou CEO da minha própria cura’

Janaína Oliveira - Hoje em Dia
25/05/2014 às 07:48.
Atualizado em 18/11/2021 às 02:43
 (Claudio Simoes/Divulgação)

(Claudio Simoes/Divulgação)

Executivo de marcas como Richards, Mesbla, Americanas, Zara e Azul, Pedro Janot encara hoje outro empreendimento: o da sua recuperação. Em novembro de 2011, em um dos raros momentos de descanso em seu sítio no interior de São Paulo, o então presidente da companhia aérea que chegou com a proposta de revolucionar o mercado sofreu uma queda de cavalo que o deixou paralisado do pescoço para baixo. “Saí de 1.000 quilômetros por hora para zero”, diz Janot. À frente do que chama de sua quarta start up – a sua cura – , ele acaba de lançar, pela editora Manole, o livro “Maestro de Voo: Pedro Janot e Azul - Uma Vida em Desafios”, uma tentativa de reinventar sua carreira, como revela nesta entrevista.      Como surgiu a ideia do livro? Meu acidente foi uma lesão medular, na C3 e na C4, e do ombro para baixo eu não mexia nada. Mas havia a possibilidade de melhoria, porque a lesão não foi fraca, mas também não foi capaz de interromper todo o fluxo nervoso. Aí, mais ou menos há um ano, estava conversando com amigos e disse a eles que queria passar adiante um pouco da minha experiência. O Edvaldo Pereira Lima (autor) topou o desafio de fazer o livro, que é uma biografia perfil, com casos contados pelos outros e alguns casos contados por mim. O objetivo era dividir tudo o que aconteceu comigo. Ao longo do desenvolvimento do livro, resolvemos falar de como o Pedro, carioca, da moda, chegou à aviação. E isso é uma plataforma, uma cabeça de ponte, para que eu possa lançar outros projetos.      O que você planeja? Esse livro é pré-lançamento para palestras e uma consultoria que estou montando para o varejo e mentoria para presidentes de companhias. Virou uma plataforma de lançamento da minha nova carreira executiva. Apesar de eu estar melhorando – hoje eu já tenho movimentos abdominais, já fico em pé, ando de bengala ainda que de forma difícil – não significa que eu terei de volta toda a mobilidade que um executivo de uma grande empresa precisa. Meu exame correu os melhores especialistas dos Estados Unidos e todos comentaram que eu voltaria a ter independência. Mas é difícil você dizer qual o grau de independência, porque a neurologia não tem capacidade de afirmar nada. Ou seja, sou uma caixa de surpresas. Então, a única coisa que tenho sob meu controle agora é como dividir meu conhecimento com outras pessoas. Minha palestra, que é empresarial, fala sobre cultura e gestão de conhecimento, está em fase final de formatação. Minha ideia é, a partir de julho, depois da Copa, começar a trabalhar com prospecção de clientes. É tudo o que posso falar agora.     Como é para você que vivia uma vida tão acelerada ter hoje que lidar com tantas limitações?  Você sai de 1.000 quilômetros por hora e vai a zero. Mas estou muito feliz, porque tenho uma família estruturada, uma esposa que está comigo há 30 anos e que me ama, meus filhos, amigos e parentes que me cercaram. O pior momento passou, que é o momento em que você pensa que vai ficar para sempre tetraplégico. Depois que aconteceu, fiquei 45 dias no hospital. Cheguei em casa 22 de dezembro, mas trouxe do hospital uma infecção hospitalar violentíssima que só me devolveu para o mundo no dia 10 de janeiro (o acidente foi em 13 de novembro de 2011). A partir daí, tive uma perspectiva positiva e vivi uma fase de ignorância, quando você não conhece sua doença. O primeiro ano é o mais difícil, porque apesar de você ser otimista, você tem uma recaída. A sua outra vida velha está muito próxima, com as pessoas muito mobilizadas. Mas a verdade é que em abril de 2012, quase cinco meses depois do acidente, voltei a trabalhar no tempo livre que eu tinha, para ajudar a companhia.      Foi nessa época que estava se discutindo a fusão da Azul com a Trip? Exatamente. Fizemos várias reuniões na sala da minha casa com os vice-presidentes, em que discutíamos os detalhes da operação. Eu voltei, mas passamos a ter uma grande demanda na Azul, por causa da fusão, e por outro lado eu tinha uma grande demanda da fisioterapia, que crescia a taxas expressivas. Hoje, são de cinco a seis horas por dia. Então, em setembro de 2012, eu deixei a presidência e fui para o conselho.   A essa altura, como estava a Azul no mercado? Nessa época, a Azul já tinha 10% do mercado nacional. Com a fusão com a Trip, saltou para 17% aproximadamente. Ela chegou em um mercado praticamente dominado por duas companhias e se firmou como uma empresa de aviação regional, um nicho que Gol e TAM não conseguem atingir pelas características dos aviões.      A saída da vida executiva provocou um vazio? Sim, mas estava fazendo uma força brutal e não conseguia fazer as duas coisas, cuidar da companhia e de mim. E foi a partir desse vazio que comecei a pensar no livro. Aí entrei em um período de catarse, muitas entrevistas, contando histórias para o Edvaldo.     Você costuma dizer que encara sua recuperação como empreendimento. Como é isso? Hoje sou CEO da minha cura. Tenho que gerenciar minha casa, meu corpo estranho e problemático. Tenho que administrar enfermeiros, remédios, gente entrando e saindo, minha cura. Não é fácil manter toda uma equipe motivada para poder me ajudar. Se você fica um cara insuportável, as pessoas acabam perdendo o interesse por você. Esse é um grande desafio, porque ninguém pode fazer nada mais por mim do que eu mesmo. Ao mesmo tempo, sou presidente da minha quarta start up, porque lancei a Richards, que era uma empresa muito pequenininha quando entrei, a Zara, que começou do zero, e a Azul. A prioridade hoje é minha recuperação física.      Você diz que sempre gostou de riscos. Fale um pouco da sua carreira e dos riscos que viveu. Aprendi a ter amor ao risco através do esporte. Fui bicampeão júnior na classe laser de vela, e nessa competição você está sempre exposto ao clima, à mudança de maré. Depois, por todas as empresas que passei, sempre estava em grandes momentos de transformação. Quando fui para a Mesbla, nos anos 80, vivenciei a mudança da era do papel escrito para o mundo digital. Depois fui trabalhar para a Americanas, quando a empresa tinha acabado de ser vendida para o grupo Garantia. Aí larguei uma companhia grande e fui trabalhar na Richards, que era uma empresa de um casal que tinha quatro lojas e que acabara de se associar a um grupo de investidores pra crescer. De lá fui para a Zara. Fui escolhido por headhunters em São Paulo e da Espanha para ser o cara para implementar a Zara Brasil. E a implementação foi muito difícil pela diferença de cultura empresarial. Era o ano de 98 e ninguém conhecia a Zara no país. Após oito anos, fui para o Pão de Açúcar, com a proposta de reformulação na área de não alimentos, onde não fiquei nem um ano. E por último, o homem que era de produtos e moda foi convidado para ajudar a lançar uma companhia de aviação. Aí sim foi um grande desafio. Implementamos do zero a companhia em um mercado que era dominado por dois grandes concorrentes, que naquela época detinham 98% do mercado. A verdade é que nunca trabalhei em companhias que estavam estabilizadas.     Se pudesse, você teria feito algo diferente? Deveria ter trabalhado menos, ficado mais tempo com a família, me dedicado mais aos amigos. Mas não dá pra voltar. Hoje estou servindo de exemplo para muita gente, até porque estou sempre rindo. A vida é a coisa mais espetacular que Deus me deu.

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