Uma ação por dia contra construtoras em Minas

Tatiana Moraes - Hoje em Dia
03/03/2015 às 06:54.
Atualizado em 18/11/2021 às 06:12
 (André Brant/Hoje em Dia)

(André Brant/Hoje em Dia)

Planos adiados, sonhos interrompidos, economias que podem ter se perdido para sempre. Somente no primeiro mês de 2015, a Associação dos Mutuários e Moradores de Minas Gerais (AMMMG) ajuizou 32 ações contra construtoras de prédios que tiveram seus apartamentos vendidos na planta mas não saíram do papel, ou não foram entregues no tempo combinado: mais de uma por dia. 

O número é 56% superior ao registrado no mesmo mês do ano passado, mas poderia ser bem menor se os empreendimentos em questão fossem protegidos pelo instrumento jurídico do “patrimônio de afetação”. O problema é que essa ferramenta, que evita o calote das construtoras e está em vigor desde 2004, ainda não pegou.

O patrimônio de afetação prevê que a construtora crie uma pessoa jurídica (CNPJ) exclusiva para cada empreendimento, mas a adesão ainda é opcional.

Caso o instrumento fosse obrigatório, todos os investimentos e despesas referentes a determinado prédio em construção seriam movimentados em uma conta específica, com contabilidade exclusiva. Isso livraria o comprador do risco de seu prédio ser afetado pela falência ou dificuldade financeira da construtora.

Habitare paralisa obras de 42 prédios e acaba com o sonho da casa própria de 3 mil famílias

O funcionário público Leomar de Araújo Moreira se arrepende de ter comprado um apartamento que não estava garantido pelo patrimônio de afetação. Com a entrega do imóvel atrasada, ele precisou mudar a data do casamento e esperar um pouco mais pelos filhos que planejava ter. A casa própria, que deveria impulsionar a a vida do funcionário público, acabou se tornando um martírio.

Previsto para ser entregue em janeiro de 2012 pela Construtora Habitare, até hoje o apartamento de quatro quartos e 88 metros quadrados no condomínio Alberto Bressani, no bairro São Lucas, região Centro Sul de Belo Horizonte, não saiu da fundação. E o dinheiro que ele investiu desde 2008 no negócio, mais de um terço dos R$ 266 mil fechados à época, não tem previsão de retorno.

“A construtora não formaliza nada, mas em reuniões conosco deixou bem claro que não vai construir o prédio”, afirma.

Casos como o do funcionário público, infelizmente, são comuns. De acordo com o diretor presidente da Associação dos Mutuários e Moradores de Minas Gerais (AMMMG), Sílvio Saldanha, cerca de 3 mil famílias foram prejudicadas pela Habitare, que deixou, pelo menos, 42 empreendimentos inacabados. Todos lançados sem patrimônio de afetação. “Mesmo quando há patrimônio de afetação, é importante que uma comissão de compradores fiscalize a obra e a prestação de contas. A comissão pode contratar alguém para fazer isso”, diz.



Esqueletos

Outro cliente da Habitare que briga na Justiça pelo direito de receber o imóvel que comprou é o engenheiro e gerente de contratos Fausto Chaves. Em 2009, ele comprou um apartamento na planta avaliado, na época, em R$ 350 mil. Localizado no bairro Ouro Preto, no condomínio Jundiaí e com 105 metros quadrados, o imóvel de três quartos deveria ser entregue em 2012. Porém, a obra está parada.

De acordo com o engenheiro, que já quitou mais da metade do apartamento, os esqueletos das duas torres que compõem o condomínio estão prontos. As estruturas necessárias para receber as ligações hidráulicas e elétricas também. “Como a construtora deixou claro que não irá terminar a obra, os próprios moradores estão se organizando para concluí-la”, afirma Chaves.

Ninguém da Habitare foi encontrado para prestar esclarecimentos. Os proprietários Sebastião Sidney Soares, Alexandre Soares e Marcus Vinícius Soares não estavam na sede da empresa, segundo a recepcionista. A responsável pelo departamento jurídico também não. O site da construtora está fora do ar.

O Centro de Distribuição da Habitare, que funcionava no bairro Buritis, onde várias obras estão paradas, não existe mais. A companhia, além disso, não é mais associada ao Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de Minas Gerais (Sinduscon-MG).

Exemplos de atraso na entrega das chaves não faltam

Outras construtoras que não aderiram ao patrimônio de afetação contribuem para engordar a lista dos prédios de apartamentos que não saem do papel.

Localizado no bairro Concórdia, na Região Nordeste de Belo Horizonte, o edifício Carlos Alberto Fernandes, da Construtora Carrara, deveria ter sido entregue há dois anos. Mas, até agora, nada. Por nota, a responsável pela empresa, Luciana de Castro Morais, informou que “a empresa sempre manteve diálogo com os investidores e juntos estamos caminhando para conclusão da obra”.

Com dez meses de atraso, o condomínio Santa Luzia Life, em construção pela Construtora Tenda em Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, também tem tirado o sono de dezenas de famílias. Por meio da assessoria de imprensa, a empresa afirma que “tem informado os clientes, continuamente, sobre o cronograma das obras e próximos passos até a entrega do empreendimento. Além disso, a empresa também vem se reunindo com uma comissão de clientes regularmente”.

Previsto para ser entregue em 2013, o condomínio Jardim Amarílis, localizado no Barreiro, da construtora PDG, é outro caso de atraso.

Concluído

Por meio da assessoria de imprensa, a PDG informou que a incorporadora informa que a obra está concluída, embora os apartamentos ainda não tenham sido entregues. Por nota, a assessoria de imprensa da companhia informou que "convocará os clientes para Assembleia Geral de Instalação do Condomínio e assim concluir a entrega das chaves. A companhia se mantém à disposição para esclarecimentos por meio de seus canais de atendimento".

Em Santa Luzia, na Região Metropolitana, um edifício da construtora Pro Domo, que já deveria ter sido entregue, está em fase final de obras, mas ainda não foi concluído. A reportagem entrou em contato com a construtora, mas até o fechamento desta edição ninguém estava disponível para comentar o assunto.


Lobby impediu obrigatoriedade do patrimônio de afetação

Segundo o presidente da Comissão de Direito Imobiliário da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG), Kênio de Souza Pereira, o instrumento do ‘patrimônio de afetação’ garante que, se a construtora quebrar, pelo menos o condomínio estará a salvo. “Os compradores podem contratar outra empresa para tocar as obras”, explica.

O presidente da AMMMG, Sílvio Saldanha, afirma que o ideal é que instrumento fosse obrigatório. “Mas o lobby das construtoras fez com que fosse opcional”. O vice-presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon-MG), Walter Bernardes, justifica que não havia incentivos para que as construtoras adotassem o modelo, que engessa o capital das empresas. “Agora, isso vem mudando”, afirma.

Em 2013, foi instituído um Regime Especial Tributário para construtoras optantes do lucro presumido que aderissem ao patrimônio de afetação, com redução de 6% para 4% no Cofins, IR, PIS/Pasep e Contribuição Social sobre Lucro.
 

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