Economista traça histórico da crise que ameaça derrubar a presidente Dilma

Fabrício Oliveira: “O papel da economia no impeachment é determinante”.

José Antônio Bicalho
jleite@hojeemdia.com.br
24/04/2016 às 15:53.
Atualizado em 16/11/2021 às 03:05
 (Flávio Tavares)

(Flávio Tavares)

O economista Fabrício Augusto Oliveira, um dos principais especialistas em finanças públicas do país, professor da Escola do Legislativo e ex-professor da UFMG e da Unicamp, analisa, na entrevista abaixo, as raízes da crise econômica e sua influência no processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Qual o papel da economia no processo de impeachment da presidente Dilma?

Sem dúvida a economia tem um papel preponderante no processo. Vínhamos em um ritmo de crescimento razoável até 2010, quando a economia mergulha num processo de desaceleração até culminar na recessão, que fica evidente em 2015. O problema é que a falta do crescimento econômico compromete todas as políticas que vinham sendo encaminhadas, inclusive as sociais.

E isso comprometeu a base política da presidente?

A falta do crescimento uniu os adversários da presidente, as forças econômicas e políticas tradicionais, e incluiu as próprias classes que até então haviam sido beneficiadas (pelos programas sociais). Trata-se de uma união geral contra a política econômica.

A política econômica vem errada desde Lula e não foi corrigida por Dilma. A de Lula foi ortodoxa, pró-mercado. Ele fez claramente uma opção pelo tripé macroeconômico, que é um modelo anti-crescimento

Foi a economia quem salvou Lula no escândalo do Mensalão?

Foi no mensalão que começou a crise política que vivemos hoje. Havia espaço político para um pedido de impeachment de Lula, mas a economia estava crescendo. Estávamos na euforia de 2006 e 2007. Então, a crise política, que tinha potencial para ameaçar o presidente, foi deixada de lado em função do desempenho econômico

Ao contrário do que acontece hoje com Dilma...

O cenário econômico de Lula era o oposto do vivido por Dilma. Tivemos um péssimo desempenho econômico durante todo o período da Dilma. E ao contrário do governo Lula, o descontentamento não é mais só dos empresários, mas da população. É a economia que aprofunda as crises políticas. A economia tem papel determinante sem dúvida nenhuma.

O que deu errado na economia?

A política econômica vem errada desde Lula e não foi corrigida por Dilma. A de Lula foi ortodoxa, pró-mercado. Ele fez claramente uma opção pelo tripé macroeconômico, que é um modelo anti-crescimento: regime de metas, câmbio flutuante e superávit primário. Trata-se do modelo ortodoxo de estabilidade econômica. Para um país que possui gargalos estruturais, não se abre portas sem políticas proativas de crescimento.

Qual o problema das políticas ortodoxas?

A política monetária fica manietada pelas metas. Qualquer elevação da inflação eleva os juros, prejudica o consumo e crescimento. O câmbio flutuante fica extremamente volátil e não pode ser manejado para favorecer exportações. E a política fiscal fica unicamente voltada para gerar superávit primário para pagar os juros da dívida. Este é modelo anticrescimento que Lula adotou durante todo seu mandato. De respeitar e priorizar o capital financeiro.

Como, então, se justifica o bom crescimento durante o governo Lula?

Esse modelo, o acordo conciliador que foi feito por Lula desde o início, previa a não realização de qualquer reforma que prejudicasse grandes rendas, de qualquer reforma estrutural. Um modelo dessa natureza, com essas limitações, não abre crescimento econômico. Ele só funciona com uma condição: se economia internacional estiver indo muito bem e injetar recursos no Brasil.

Daí entra o fator sorte...

Aí está a grande sorte de Lula. Entre 2003 e 2004, a economia internacional sai da crise que vinha a três ou quatro anos e começa a crescer a um ritmo de 5% ao ano. E temos ainda o efeito China, demandando fortemente as commodities para alimentar a expansão da sua economia.

Se tínhamos uma política anticrescimento, isso significa que poderíamos ter crescido mais durante Lula?

Qual é o erro a partir da retomada da economia mundial? Quando se cresce a 4% ao ano, que foi a média que tivemos de 2003 a 2010, é preciso aproveitar o quadro favorável para ampliar os limites desse crescimento. É preciso fazer as reformas estruturais. O país tinha que ter aproveitado o bom momento para enfrentar os problemas de infraestrutura, resolver a pesada burocracia estatal, fazer a reforma trabalhista, várias que poderiam ter sido realizadas e não foram.

Por que não?

Primeiro, porque não são fáceis. Mas Lula tinha o principal, que era capital político para tal. Ele fez duas microeconômicas, que são a lei das falências e a regulamentação do crédito consignado. Mas que não são decisivas

“Com Dilma, esperava-se que adotando uma série de medidas para estimular o investimento haveria uma resposta positiva dos empresários”

Mas, por que as grandes reformas não saíram?

Se fosse realizar uma reforma tributária descente, que contribuísse para redução do custo Brasil, teria que fazer um deslocamento da base de tributação dos impostos indiretos para o direto, taxando os ricos. Mas, para se eleger, ele fez o pacto com as classes dominantes e ricos. Ele mesmo dizia que ‘os ricos nunca ganharam tanto dinheiro como no meu governo’. Então, Lula preferiu distribuir um pouco dos frutos do crescimento com os pobres a partir dos programas sociais

Como se firmou esse pacto com as elites?

Está na Carta aos Brasileiros, o compromisso de 2002, às vésperas da eleição, para acalmar os mercados e as elites, principalmente a financeira. Por esse pacto, não realizou as reformas instrumentais: infraestrutura, fiscal, não se mexeu nos gargalos. E, além de não se mexer no essencial, patrocinou-se uma política cambial altamente prejudicial para a indústria. A indústria, que é o motor da economia, começou a ser liquidada pelo governo Lula.

Com Mantega não foi diferente?

Não. No segundo mandato (de Lula) houve uma pequena flexibilização da política fiscal para acomodar os investimentos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Mas não houve alteração do modelo. Reduziu-se um pouco o superávit, mas não houve abandono da política de geração de superávit. Aí sobreveio a crise do sub-prime e teve início a derrocada.

Mas e as políticas anticíclicas? Elas não eram heterodoxas?

Tentaram flexibilizar um pouco uma peça do modelo, que era a política fiscal. As políticas anticíclicas eram só para reverter os efeitos da crise. Foram até bem sucedidas em 2009 e 2010, apoiadas na expansão do consumo e do crédito, nos financiamentos. Houve, logicamente, redução do superávit e isso provocou rachaduras no tripé macroeconômico. A política monetária foi flexibilizada, mas a fiscal e a inflação começaram a pressionar.

Foi essa a herança de Lula para Dilma? Um modelo ortodoxo com rachaduras?

Quando ela assumiu, em virtude das políticas anticíclicas do governo lula, o modelo ortodoxo estava, de fato, avariado. Precisava de correções. Inflação, superávit, tinha vários problemas que estavam incomodando os representantes do capital financeiro.

E o que ela faz?

Dilma adotou até agosto (de 2011 - primeiro ano do primeiro mandato) uma política extremamente ortodoxa, tentando abraçar o modelo durante um período. Aumentou juros, reduziu crédito, tomou medidas para estancar entrada de recursos externos com a chamada ‘flutuação suja’ do câmbio. Quando chegou agosto, eles viram que o tranco tinha sido muito forte, que o remédio tinha sido muito amargo. Dos 7,6% de crescimento (2010), caminhávamos para uma desaceleração muito forte. Segue-se então uma segunda fase, de política expansionista com mesmos remédios da política anticíclica de lula. O Plano Brasil Maior, revertendo tudo. Mas não deu certo porque o cenário de crise internacional já havia sido agravado pela crise europeia da dívida soberana.

Mas, se as políticas anticíclicas funcionaram com Lula, por que não com Dilma?

Com Dilma, esperava-se que adotando uma série de medidas para estimular o investimento haveria uma resposta positiva dos empresários. Abriu-se uma briga com o capital financeiro, porque derrubaram a Selic (taxa de juro básica da economia) para 7,25%. Ela ficará nesse patamar do início de 2012 até maio de 2013. Mas, para dar certo, era preciso de uma resposta positiva dos empresários, o que não aconteceu. Foi quando criaram e passaram a adotar a chamada ‘nova matriz econômica’, que é uma teoria exótica. A mudança mais estrutural foi a queda dos juros, que colocou o setor financeiro contra a política econômica.

Mas onde estava o erro?

A ‘nova matriz econômica’ queria recuperar a competitividade com câmbio, oferta de financiamento via BNDES, desoneração da folha de pagamento e incentivo ao consumo para gerar virtuosidade do crescimento. O problema é que os investimentos não responderam aos estímulos e consumo continuou crescendo, o que criou condições para forte pressão sobre os preços. O modelo ortodoxo, que na verdade não foi abandonado, teve suas avarias aumentadas. E governo aumentou os gastos e os programas sociais, foi se minando financeiramente. Esse processo, mantido em 2011, 2012 e 2013, acaba desaguando na crise de 2014, quando a ‘nova matriz econômica’ já tinha ido para o espaço. Não era um projeto, era um anseio de crescimento. Não era bem fundamentado.

E em 2015 temos o Joaquim Levy e a volta da ortodoxia.

O pensamento ortodoxo sugere fazer recessão para sanear a economia. E isso foi feito em 2015. Para desmontar a bagunça na qual haviam metido a economia. Para sanear, recuperar a confiança dos investidores e recompor a capacidade financeira do estado. Pensava-se que os investimentos voltariam, mas não voltaram porque os problemas da economia continuaram os mesmos: o setor público sem investir em infraestrutura e a estrutura tributária, uma das piores do mundo, que penaliza o investimento produtivo, a produção e o consumo.

O ajuste estava fadado ao fracasso?

Nós vimos isso. Mesmo fazendo o ajuste que fizeram, que era esquizofrênico, porque prejudica as finanças públicas ainda mais, não deu resultado. Não havia como dar certo.

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