Eleito 8 vezes 'melhor percussionista de mundo', Naná era festejado no exterior

Estadão Conteúdo
09/03/2016 às 09:29.
Atualizado em 16/11/2021 às 01:44
 (Câmara dos Deputados)

(Câmara dos Deputados)

Algo era mais do que percussão quando Naná Vasconcelos erguia seu pau de chuva para o céu. A chuva logo virava uma tempestade e quem estava diante dela podia sentir até os trovões. Os sons de Naná ganhavam vida além da música que fez desse pernambucano um gigante. Ele dominava de plateias enormes em salas de concerto a humildes salas de aula pelo interior do país com alunos interessados em sua magia. O mundo o descobriu com a surpresa de quem se vê diante dos bruxos.

Naná era no batismo Juvenal de Holanda Vasconcelos, nascido a 2 de agosto de 1944 no seu eterno Recife. A revista norte-americana Down Beat, referência no meio do jazz e da música instrumental, o elegeu por oito vezes como "o melhor percussionista de mundo". Tudo o que sabia havia sido semeado nos dias de sua infância, quando acompanhava o pai em uma banda marcial recifense.

Naná foi abraçado pelos músicos brasileiros desde que se mudou para o Rio de Janeiro, em 1967, para gravar dois discos com Milton Nascimento. O assombro com sua capacidade de criar climas e de fugir das convencionais percussões de acompanhamento foi imediato.

Não dizia não

Mesmo sabendo que estava doente desde 2015, Naná Vasconcelos não dizia não aos convites que lhe surgiam. Os pernambucanos, que o têm como uma entidade, não deixaram de chamá-lo para ganhar honras de Estado sobretudo durante o carnaval.

Em fevereiro, foi Naná, em pleno tratamento contra o câncer no pulmão, quem deu a largada às festas dos recifenses no Marco Zero. Era lá, em uma das festas de maior riqueza do país por explorar não um, mas vários ritmos, que Naná tinha seu trono. Sua última abertura dos festejos contou com a presença de onze nações de maracatu e quatro tribos de caboclinho, duas manifestações das mais importantes que determinaram a personalidade de Naná Vasconcelos.

No carnaval de 2013, sua presença havia sido ainda mais forte. A abertura feita com o amigo Milton Nascimento contou com um acompanhamento de 500 percussionistas. Ao todo, Naná abriu o carnaval dos pernambucanos por 13 vezes.

O músico usava também de forma não convencional o berimbau, uma de suas marcas. Ele sobrepunha sua voz ao som da corda vibrante e conseguia efeitos surpreendentes.

Festejado

No exterior, Naná se tornou um dos representantes da música brasileira mais festejados no mundo. Gravou ou atuou no palco ao lado de Jon Hassel, Pat Metheny, Evelyn Glennie, Miles Davis, Jack DeJohnette, Trilok Gurtu, Jan Garbarek. Ao lado de Don Cherry e Collin Walcott, formou, entre os anos de 1978 e 1982, o grupo de jazz Codona e lançou com ele três discos. Em 1981, se apresentou no Woodstock Jazz Festival em comemoração ao décimo aniversário do Creative Music Studio. E em 1998, participou do projeto Onda Sonora: Red Hot + Lisbon, uma compilação beneficente em prol do combate à AIDS, produzida pela Red Hot Organization.

Naná lutou o quanto pode contra a doença nos pulmões. Acreditou que não seria levado tão cedo pelos deuses que tanto evocou girando instrumentos ao céu ou soltando sons que pareciam se comunicar com seres de outro mundo. Quando foi diagnosticado com o câncer no pulmão, em 2015, submeteu-se ao tratamento doloroso, ao menos, com aparente tranquilidade, sem desespero. Mas fez como Dominguinhos, outro pernambucano arretado que partiu vítima da mesma doença, no mesmo órgão que parecia indestrutível quando o músico estava sobre um palco. Naná e Dominguinhos resolveram permanecer na estrada até que soasse o último sinal.

O primeiro contato de suas mãos com a pele de algum instrumento de percussão se deu cedo, aos sete ou oito anos, quando Naná foi admitido pelo próprio pai para tocar bongô e maracas em um conjunto do Recife. A música invadia sua casa pelo rádio da sala e pelo violão do velho Vasconcelos. Naná sentiu a música nascendo em casa, assistindo ensaios que o pai fazia. Seu primeiro instrumento profissional, no entanto, não foram os sets de percussão que mais tarde ele mesmo criaria e aumentaria, mas a bateria.

A liberdade no discurso do free jazz dos anos 80 foi algo definitivo na construção da linguagem do percussionista. E sua escalada rumo ao mundo dos titãs do jazz começa muito antes, em São Paulo. Com Nelson Angelo, Franklin e Geraldo Azevedo, formou o Quarteto Livre para acompanhar Geraldo Vandré na antológica Pra não dizer que não falei de flores, defendida na fase paulista do III Festival Internacional da Canção.

Ao lado dos grandes

O boca a boca sobre seu nome aumentava. Em 1969, ele aparece ao lado de Gal Costa para um show no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Forma então o Trio do Bagaço, com Nelson Angelo e Maurício Maestro, e vai até o México convidado pelo pianista Luizinho Eça. Trabalha ainda para a trilha sonora do filme Pindorama, de Arnaldo Jabor, e ali conhece o saxofonista argentino Gato Barbieri.

Barbieri o leva para a gravação de um disco em Nova York (EUA), sem saber que abria um portal sem volta para Naná Vasconcelos. Depois de participar de uma série de festivais de jazz, o pernambucano grava com nomes como Jean-Luc Ponty, Don Cherry, Roff Kün, Oliver Nelson e Léon Thomas.

De volta ao Brasil, Naná se torna a maior autoridade na percussão do país. Fez com Egberto Gismonti, em 1976, um de seus discos mais importantes chamado Dança das Cabeças. Aos que tinham dúvidas do que ele poderia fazer com alguns instrumentos no palco, bastavam minutos diante de sua performance para entender o fascínio que Naná causava no mundo. Ele regia a plateia, dividindo-a em 'naipes'. Alguns batiam palmas, outros assobiavam, outros tocavam as bochechas. E todos eram transportados para algum canto criado pela imaginação de Naná Vasconcelos.

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por