Emendas camuflam sangria de R$ 1 bilhão

Patrícia Scofield - Hoje em Dia
01/04/2015 às 07:23.
Atualizado em 16/11/2021 às 23:28

As emendas parlamentares renderam um rombo de R$ 1 bilhão aos cofres públicos nos últimos nove anos. Levantamento realizado pelo Hoje em Dia revela a fraude bilionária, computada pela Polícia Federal e Ministério Público Federal, tendo por base operações realizadas para coibir a irregularidade.

Com a aprovação do orçamento impositivo, que obriga a execução das emendas parlamentares, e com cerca de R$ 12 bilhões a serem gastos neste ano com as mesmas, o Tribunal de Contas (TCU) faz um alerta sobre a falta de critério na alocação dos recursos repassados pelos parlamentares, principalmente para prefeituras aliadas.

Em Minas Gerais, o caso de maior repercussão foi a Operação Esopo, que apurou fraude em contratos e licitações superfaturadas. Todas elas ocorreram por meio das emendas.

As emendas funcionam da seguinte maneira: um deputado ou senador indica a obra e o município a serem atendidos pela União. Agora, o governo federal é obrigado a alocar os recursos, por meio dos ministérios.

É essa relação que preocupa o TCU. Acórdão do Tribunal, relatado neste mês, sobre convênios firmados apenas no Ministério do Trabalho, no Plano Nacional de Qualificação, apontam para a falta de critério para a alocação de R$ 12 milhões em emendas. O Tribunal analisou o repasse de recursos a diversos estados, dentre eles, Minas Gerais. A conclusão foi a de que faltam critérios e análises na aplicação do dinheiro público, via emenda. O problema deveria ser detectado pelo ministério em que a emenda é alocada, conforme relatório do Tribunal.

A auditoria do TCU apontou fragilidades na elaboração de convênios com entidades que sequer têm pessoal e estrutura suficientes para executar os trabalhos contratados para os Planos Setoriais de Qualificação.

Foi constatado ainda fraude em cotação de preços anteriores à contratação das empresas prestadoras de serviços e a “simulação de uma disputa” nos processos licitatórios. Outros problemas detectados, em alguns estados, foram a falta de comprovação da colocação de cerca de 30% dos beneficiados pelos programas de qualificação no mercado de trabalho e a ausência de servidores designados para realização de inspeções, o que gerou, de acordo com o relatório, desatualização dos dados e dúvida quanto à efetividade das iniciativas.

Medidas

O Tribunal se posicionou pela declaração de inidoneidade de quatro empresas que firmaram convênios com o Ministério do Trabalho. Elas negam as irregularidades, porém, as justificativas não foram aceitas pelo Tribunal.

Em Minas, foram detectados problemas em emendas liberadas para Belo Horizonte, Pirapora (Norte de Minas), e Ipatinga. Os valores específicos não foram informados. No caso de BH, trata-se de ofertas de vagas em call centers no Vetor Norte, escolhidos, segundo o documento da Corte, em função de investimentos na região da Cidade Administrativa e do Aeroporto Internacional Tancredo Neves.

Segundo o relatório, não teria sido comprovada a “real demanda” que justificaria a aprovação da liberação de recursos para essa iniciativa.

Em resposta ao TCU, o servidor responsável pelo convênio no Ministério do Trabalho disse que houve demanda de call centers nessa região e o projeto “não fazia restrição quanto aos locais”.

Em Pirapora, houve questionamentos do TCU sobre a comprovação da eficiência na aplicação dos recursos para programas de qualificação de profissionais.

Já em Ipatinga, no Vale do Aço, a equipe técnica desconfiou da capacidade do Centro Vocacional Tecnológico da cidade, para formar mão-de-obra. Os responsáveis apresentaram ao Tribunal de Contas atestados de capacidade técnica que, segundo eles, comprovaram a formação de mais de 3 mil pessoas.

Multas

O TCU multou funcionários públicos da Secretaria de Políticas Públicas de Emprego do Ministério do Trabalho em R$ 85 mil, ao todo, e determinou que, até o final de abril deste ano, a pasta do Trabalho e Emprego encaminhe ao órgão fiscalizador o pronunciamento conclusivo sobre a prestação de contas dos convênios e as sanções cabíveis no âmbito do Ministério.

Todos os funcionários citados negaram as acusações feitas pelo TCU.

Especialistas apontam ‘irracionalidade’ na execução

Para o fundador e secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco, as emendas são usadas como “barganha política”, com pouco rigor na fiscalização e na aplicação e distribuição das verbas. “O parlamentar indicou, tem que ser liberado. Além da falta de controle, tem a falta de qualidade do uso do gasto público”, resumiu.

Na avaliação do cientista político Paulo Roberto Figueira Leal, doutor na área pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), o sistema vigente, para distribuição de emendas parlamentares, é legítimo, mas apresenta “irracionalidade”.

“Pode haver distorções, porque ganham emendas as regiões mais bem representadas no Legislativo. É válido que o parlamentar queira levar recursos da União para a sua base, mas abre a possibilidade de que o orçamento seja mais uma colcha de retalhos de demandas específicas do que a representação de demandas nacionais, que poderiam levar a um desenvolvimento a longo prazo”, afirma.

Para o especialista, deveria haver um modelo que possibilitasse um maior número de “emendas coletivas”. “O modo como é feita a alocação dos recursos nem sempre leva em conta questões a fundo, apenas questões que seriam atendidas a curto prazo, demandas pontuais”, comenta Paulo Roberto Figueira.

O caminho para a análise das emendas feitas ao orçamento da União se inicia em fevereiro, quando os partidos devem indicar quem serão os beneficiários de cada emenda. Na maior parte dos casos, são as prefeituras as grandes beneficiárias, pois os municípios constituem base eleitoral de parlamentares.

Caminho

De acordo com informações da assessoria de imprensa da Câmara dos Deputados, os parlamentares enviam os dados à Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República (SRI). Eles são encaminhados aos ministérios.

Em março, as prefeituras encaminham à SRI planos de trabalho para a execução das verbas e, no caso de impedimentos detectados pela secretaria, o Congresso Nacional indica um remanejamento dos recursos.

A falta de envio no prazo das informações ou alguma incorreção são consideradas impedimentos e paralisam a execução dos recursos. Se o parlamentar não informar corretamente os dados sobre a emenda, ela também ficará impedida. As regras de prazo não valem para emendas a entidades privadas sem fins lucrativos. Com o orçamento impositivo aprovado no Congresso, as emendas parlamentares individuais têm execução obrigatória e só podem ser contingenciadas na mesma proporção que as despesas chamadas “discricionárias”.

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