'Fizemos acordo histórico com a Vale e a indenização foi justa', diz presidente do TJMG

Maria Amélia Ávila
mvarginha@hojeemdia.com.br
13/02/2021 às 17:00.
Atualizado em 05/12/2021 às 04:10
 (Cecília Pederzoli/TJMG)

(Cecília Pederzoli/TJMG)

Mais de dois anos, ou 740 dias. Foi o tempo que levou para sair o acordo entre o governo de Minas Gerais, o Ministério Público Estadual, a Defensoria Pública e a Vale em relação ao rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, que matou 259 pessoas, com 11 ainda desaparecidas, em 25 de janeiro de 2019. 

O resultado é o pagamento de indenizações no valor total de R$ 37,7 bi, que serão investidos no Programa de Transferência de Renda à população atingida, na recuperação de municípios da Bacia do rio Paraopeba e em obras de infraestrutura, como a do Rodoanel da Região Metropolitana de Belo Horizonte. 

O presidente do Tribunal de Minas Gerais, Gilson Lemes, em entrevista ao Hoje Em dia, disse acreditar que o valor acordado foi justo, que a resposta do judiciário foi dentro de um prazo razoável e que faz justiça aos atingidos.

Como foram as tratativas entre a Vale, o governo do Estado e o Judiciário?

Na verdade, existem algumas ações tramitando em primeiro grau na Segunda Vara de Fazenda Pública de Belo Horizonte há 2 anos, e no mês de outubro de 2020 as partes resolveram requerer ao magistrado que encaminhasse os autos para o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) de 2º grau, centro onde nós buscamos a solução do conflito através da mediação, da conciliação. O magistrado remeteu esses processos e nós fizemos diversas reuniões com as partes, além de audiências, fizemos 200 horas de reuniões nesses quatro meses até chegarmos a esse acordo agora em fevereiro. Eu julgo ser um acordo histórico, talvez o maior acordo da América Latina dentro do Poder Judiciário e que dá uma resposta mais rápida à sociedade e que vai indenizar de forma mais rápida e efetiva os atingidos.

Quais são os termos desse acordo?
O acordo tem cerca de 100 páginas, estabelecendo dezenas de obras a favor do Estado, além de em torno de R$ 10 bilhões que irão para a região e também os atingidos. Nós vamos manter esse acordo emergencial que passa agora a se chamar de Transferência de Renda durante mais ou menos 4 anos, então tanto os atingidos quanto a região atingida terão esses benefícios e o Estado também terá uma verba substancial para realizar dezenas de obras, as quais foram todas elencadas dentro dessas páginas do acordo firmado.

A comunidade atingida participou desse acordo?
Esse acordo não envolve as ações individuais, as ações criminais e danos futuros, que não sejam ainda conhecidos. Então, as pessoas que tiveram prejuízos individuais ou pessoais já fizeram acordos com a Vale ou estão demandando de forma individual. Com relação aos atingidos de maneira coletiva, quem os representa nas ações é o Ministério Público Estadual, Ministério Público Federal e a Defensoria Pública, isso conforme Norma Constitucional. Então, eles estavam representados por essas pessoas, que irão também agora ajudar na fiscalização e na distribuição dessas rendas.

As comunidades atingidas pretendem acionar o STF para tentar cassar o acordo alegam que não participaram das negociações. Como o senhor analisa essa reivindicação?
Na Constituição Federal, no seu Artigo 35, tem a previsão do Princípio da Jurisdição. Nós não podemos impedir ninguém de acionar o Poder Judiciário para qualquer causa que seja, então, o direito de demandar é legítimo, desde que cada um arque com as custas e com as sucumbên-cias, ou seja, com os honorários finais. Então, qualquer um pode demandar o Poder Judiciário. Os atingidos têm as ações individuais que estão tramitando ou vão tramitar e, em forma de direito difuso ou coletivo, são representados pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública. Eu não acredito que o ministro do Supremo Tribunal Federal, com a competência, capacidade e experiência que tem, vá decidir contrariamente a um acordo que envolveu todas as partes, todas as instituições, o Poder Judiciário e dá uma indenização da ordem de quase R$ 38 bilhões em favor da sociedade. Isso em um trâmite normal não chegaria tão rápido e, se chegasse, seria daqui 20, 25 anos. A pretensão é possível, mas não acredito em êxito.

Já que o senhor falou no valor, acha que é justo? E como vocês chegaram até esse valor?
Para a gente chegar ao valor de indenização exato é preciso que haja diversas perícias, porque são diversos danos. Isso estava sendo realizado e foi interrompido, exatamente, para que fosse feito um acordo porque é muito mais rápido, muito mais efetivo e muito mais econômico. As próprias partes, como é uma mediação, constroem a solução. E as partes, Ministério Público Federal e Estadual, Defensoria Pública, governo do Estado e a Vale, construíram e chegaram a esse valor, que é uma indenização substancial, eu acho uma indenização razoável, justa, e que vai ser possível a realização de inúmeras obras na região atingida e a permanência de uma renda transferida aos atingidos por 4 anos, além das verbas que vão para o Estado para dezenas de obras. Então, esse é o meu posicionamento: acho que a indenização é justa, mesmo porque não se sabe o risco de receber uma indenização daqui a 20 anos. A gente nem sabe se os atingidos estarão vivos e nem se a empresa estará com saúde financeira para pagar essa indenização daqui a 20 anos.
 

Além desse valor, a Vale vai restituir ao Estado tudo que foi gasto durante as operações de resgate? Esses gastos estão computados no valor de quase R$ 38 bilhões? 
Sim, a companhia Vale já pagou parte desse valor, já pagou quase R$ 10 bilhões de transferência para diversos fins, inclusive repassou R$ 1,5 bilhão para o cofre do Estado durante a pandemia, para socorrer o Estado. Já tiveram várias indenizações e, além disso, dentro do acordo existem vários benefícios em favor do Corpo de Bombeiros que serão agora recebidos por eles.

Como esse valor vai beneficiar o Estado e, principalmente, Brumadinho?
Na região do Rio Paraopeba, existe a previsão de diversas obras de recuperação hídrica, como existe a obrigação da Vale em recuperar todo o meio ambiente num orçamento de R$ 5 bilhões, que constou no acordo, além de mais R$ 3 bilhões que serão aplicados em obras para a região atingida, não só Brumadinho, então, todos esses valores estão especificados. As pessoas precisam entender que o valor de R$ 1 bilhão é um valor muito alto. Nós conseguimos construir fóruns no interior, por exemplo, com R$ 5 milhões, R$ 6 milhões; se eu construísse 100 fóruns, por exemplo, eu gastaria R$ 500 milhões, então, R$ 1 bilhão é o dobro disso, quer dizer que serão muitas obras realizadas e haverá fiscalização disso, tanto do Ministério Público, da Defensoria Pública, como das auditorias independentes que já foram criadas pelo juízo.

Essas fiscalizações começam a partir de quando?
Elas já existem, estão sendo realizadas nas indenizações que a Vale faz, nas obras que a Vale já começou. Já existem auditorias independentes criadas pelo juízo com técnicos, engenheiros, ambientalistas, que vão fiscalizar as obras e dar ao juiz a garantia de que a obra foi efetivamente realizada, só assim a companhia Vale vai se desvincular da obrigação que assumiu.

O senhor falou que a Vale já pagou quase R$ 10 bilhões dos R$ 38 bilhões, o que garante que ela ainda vá pagar o restante? 
O que garante é que se ela não fizer o depósito em juízo, a ação é retomada. Ela só se livra das ações que estão no Fórum a partir do momento que ela depositar o valor integral e que as obras sejam executadas. 

Como o senhor avalia o prazo que esse acordo foi firmado? 
Eu avalio que foi rápido, sim. É uma ação muito grande, com uma complexidade enorme. Você não tem noção da complexidade dessa ação para o juiz dar uma decisão. Para você ter uma ideia, só o número de pedidos de condenação em diversas áreas chega a quase 300. Cada pedido o juiz tem que analisar tranquilamente se há provas, se não há provas, em que condenar, como condenar. Só a sentença, ela é por demais complexa. 


 

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