Gato por lebre: transmissão de jogo via Facebook expõe precariedades do serviço de internet em BH

Tatiana Moraes
22/03/2019 às 20:48.
Atualizado em 05/09/2021 às 17:55
 (Editoria de Arte)

(Editoria de Arte)

O agora frustrado plano de transmissão de partidas da Copa Libertadores via Facebook jogou luz sobre a precária infraestrutura de internet em Belo Horizonte. Falhas na exibição do embate entre Cruzeiro e Huracán levaram o torcedor da empolgação por ter acesso ao jogo ao completo desalento. Uma dor de cabeça que vai além do futebol, prejudica consumidores e não tem prazo para acabar. A dificuldade de instalação de antenas de celular na capital e o fato de que as operadoras só são obrigadas a entregar 40% da velocidade instantânea contratada pelo cliente estão entre as causas do problema, segundo especialistas ouvidos pelo Hoje em Dia.

Velocidade instantânea, segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), é aquela medida pontualmente. Ou seja, sempre que o consumidor que contrata um plano de 30 Megabytes (Mb) por segundo medir a velocidade, ela tem que ser de no mínimo 12 Mb, conforme determina a resolução 574 da Anatel. A velocidade média, no entanto, deve ser de pelo menos 80%. 

O coordenador geral do Procon Assembleia, Marcelo Barbosa, critica a resolução. “Sou radicalmente contra. Se o consumidor compra 100 e recebe 40 ou 80 é propaganda enganosa. O correto seria se ele pudesse pagar proporcional ao serviço recebido, mas não é assim que funciona”, rechaça. 

Na prática, como a resolução dá respaldo às operadoras, o cliente fica de mãos amarradas. “Gato por lebre é a expressão popular para propaganda enganosa”, diz Barbosa. 

No Procon Assembleia, o setor de telecomunicações liderou o ranking de processos em 2018. Os combos de serviços, que englobam internet fixa e móvel, ficaram em segundo lugar na lista, perdendo apenas para os serviços de telefonia fixa e móvel. 

Conforme Barbosa, o descumprimento da oferta é a principal reclamação dos consumidores. “O cliente precisa conferir a velocidade com frequência porque pode estar diante de uma má prestação do serviço”, alerta. 

Levantamento da consultoria internacional Opensignal aponta que a velocidade média de internet em BH é de 19,2 Megabits por segundo. O número coloca a cidade na quinta posição entre as capitais brasileiras. Como é uma média, no entanto, algumas pessoas têm experiências melhores ou piores, dependendo da região em que estão, da operadora e da tecnologia utilizada, conforme o analista da consultoria, Kevin Fitchard.

De acordo com ele, 19 Mbps é mais do que suficiente para suportar a maioria dos vídeos. No entanto, o especialista pondera que a velocidade média é apenas um dos fatores que vão determinar a qualidade da transmissão.

“Em países como o Brasil, onde as velocidades já são relativamente rápidas, a velocidade de download se torna cada vez menos importante. Outros fatores como consistência de velocidade, a disponibilidade de sinais 4G, latência e restrições que os operadores podem colocar no consumo de vídeo se tornam muito mais importantes”, afirma.

Fitchard explica que quando há eventos ao vivo, como a Libertadores, a demanda da rede aumenta exponencialmente. No caso do jogo do Cruzeiro, a demanda foi ainda mais concentrada. 

“Um grande número de usuários na mesma cidade ou bairro está tentando transmitir a mesma informação ao mesmo tempo, o que coloca muita ênfase/carga na infraestrutura local. Não importa quão poderosa seja a rede, os usuários provavelmente terão alguma perda de qualidade de vídeo”, afirma.

O jornalista Cadu Brandão já esperava que houvesse algum delay (atraso) na transmissão da partida, mas ficou negativamente surpreso com o resultado. “Reuni a turma na expectativa de ver o jogo, mas foi uma catástrofe. Minha internet é boa, roteador estava ao lado da TV e, mesmo assim, vimos muito pouco da partida. Eu imaginava que ia travar e dar delay, mas não imaginava que seria tão ruim”, lamenta o torcedor do Cruzeiro.

A solução pode ser reduzir a demanda, o que é difícil nesse caso em que o objetivo é justamente o oposto, ou levar o conteúdo até mais próximo do consumidor, conforme afirma o coordenador de pesquisa do Centro de Referência em Radiocomunicações (CRR) do Inatel, Luciano Leonel Mendes. 

“A tecnologia CDN permite que os dados sejam armazenados próximos ao usuário. Ou seja, ao invés de o usuário fazer a solicitação da informação para o Facebook, todas as informações ficariam armazenadas em um centro de distribuição mais próximo das pessoas”, diz o Mendes.

Ex-ministro das Comunicações e ex-presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Juarez Quadros diz que a situação já foi pior, pois os 80% de velocidade média vêm de uma proposta da agência reguladora de aumentar gradativamente a entrega garantida de internet ao consumidor. “A Anatel vem aumentando a exigência, mas nem sempre o que a pessoa recebe é suficiente”, diz.

 Falta de infraestrutura e burocracia travam expansão dos serviços em Belo Horizonte 

“Quando uma pessoa assiste a um vídeo, é como se 320 ligações estivessem sendo feitas simultaneamente. Se dez usuários assistem ao jogo pelo Facebook ao mesmo tempo, é como se 3,2 mil ligações estivessem sendo realizadas. Imagina uma cidade inteira assistindo?”, explica o diretor do Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (Sinditelebrasil), Ricardo Dieckmann.

A falta de “antenas” para replicar o sinal também atrapalha a transmissão de dados pela internet. Belo Horizonte possui 1.422 Estações Rádio Bases (ERB), mas o número é insuficiente. No entanto, conforme adiantou o Hoje em Dia, levantamento do Sinditelebrasil aponta que pelo menos 360 projetos aguardam aprovação da prefeitura para saírem do papel. “Outros municípios pedem para que as empresas de telefonia celular instalem ERBs para melhorar o sinal. Em Belo Horizonte, não conseguimos nem fazer o upgrade de 2G para 4G”, critica Dieckmann.

A legislação que regulamenta a instalação das antenas é municipal. Para tentar padronizar o processo, foi sancionada a Lei Geral das Antenas, em 2015. O problema é que cada cidade deve adaptar a própria legislação, enviando a nova proposta para a Câmara dos Vereadores aprovar.

Por nota, a PBH informou apenas que “a Secretaria Municipal de Meio Ambiente está estudando a revisão da lei municipal de 2001 para aprimorar o modelo de licenciamento”. 

  

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