Juiz e presidente da Anamages defende fortalecimento da ‘primeira instância’

Tatiana Moraes - Hoje em Dia
08/02/2016 às 07:13.
Atualizado em 16/11/2021 às 01:20
 (Luiz Costa/Hoje em Dia)

(Luiz Costa/Hoje em Dia)

A voz tranquila e o olhar calmo de Magid Nauef Láuar chamam a atenção. Filho de caminhoneiro e de funcionária pública, o atual presidente da Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (Anamages) nasceu em Teófilo Otoni, no Vale do Mucuri, e teve a vida marcada pelo esforço e, também, conquistas. Formado em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é juiz no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). Crítico ferrenho dos recursos judiciais “infinitos”, ele afirma que o Estado (governo de uma forma geral e autarquias) está envolvido em 40% dos casos que chegam aos tribunais. O magistrado critíca a falta de autonomia dos procuradores para fazer acordos e a escassez de pessoal e de estrutura para que os ritos processuais tenham mais celeridade.

A população conhece pouco o trabalho dos juizes. Qual a média de processos concluídos? Qual a produtividade?

Nós demos baixa em 28,5 milhões de processos em 2014. Aí eu fiz uma matemática simples. Somos 16.927 juízes. Significa que cada magistrado baixou 1.684 processos no ano. O equivalente a 140 processos por mês e a oito por dia. Uma sentença por hora. Isso, sem contar os processos que despachamos, as audiências que fizemos, e outros autos administrativos. Não tem ninguém que faz isso.<

E quais os principais gargalos da Justiça brasileira?

Uma questão que eu sempre gosto de salientar é a mudança social. Antigamente, o comerciante que falia se considerava um homem desonrado. Hoje, isso não existe mais. As empresas, na fase de recuperação de crédito ajuízam uma ação sem nenhum constrangimento. E isso, num ponto de vista da pessoa jurídica.

E sob a ótica da pessoa física?

As pessoas também se sentiam muito desconfortáveis em entrar na Justiça. Então, a sociedade mudou o seu entendimento a respeito da Justiça, que hoje é uma coisa natural. Da passagem da coisa natural, passou a ser quase um modismo.

E como o senhor avalia essa alteração no comportamento da sociedade?

De forma positiva, claro. Estou elogiando a sociedade. O problema é nós não tivemos aumento de pessoal na mesma proporção. As pessoas começaram a se conscientizar e sempre que elas se sentem constrangidas, seja por qualquer motivo, elas ajuízam uma ação. E outras questões que há alguns anos não havia, como o racismo, que é muito séria, começaram a aparecer judicialmente. As questões ligadas à homossexualidade começaram a vir para o poder judiciário decidir. A fecundação laboratorial também. Todas essas questões contribuiram para o aumento da demanda judicial. E esse aumento foi desproporcional ao número de juízes que ingressam na magistratura.

E como estão os concursos?

Tem uma turma aprovada que deverá tomar posse neste semestre. Provavelmente assim que tomar posse deverá ser aberto outro concurso. Mas o número de juízes é sempre menor do que o de vagas.

Por quê?

É uma pergunta delicada. Não vou dizer que seja a qualidade dos candidatos, porque não tenho elementos para isso. Mas tenho elementos da constatação. Não me lembro de um concurso que tenha ocupado as vagas. No meu concurso, por exemplo, tinha mais de 100 vagas e passaram 38 pessoas. É desproporcional. E evidentemente que um concurso para a magistratura tem que ser um concurso mais rigoroso. Não que tenha que ser um concurso com rigidez para gênios, mas ele tem que ter alguns ingredientes que exijam mais do candidato. A responsabilidade é muito grande.

Algo mais impacta no aumento da demanda?

Do que tramita no poder Judiciário, hoje, 40% das ações são provocadas pelo próprio estado (governo e autarquias em geral), que é repleto de privilégios, com prazos diferenciados.

O Estado é o que dá mais trabalho aos juízes hoje?

Sim. Aqui no Tribunal de Justiça, por exemplo, tem oito Câmaras com competência exclusiva da fazenda pública. São 40 desembargadores. Isso, só aqui.

E estes processos demoram muito?

Sim. Principalmente devido à falta de possibilidade de se fazer acordo em processos, inclusive de pequena monta. Os procuradores já falam na audiência que não têm competência para fazer acordo.

Nessas audiências existem casos que seriam aptos a acordos?

Entre de 90% e 95% dos casos teriam possibilidade de acordo, gerando agilidade e melhoria da prestação jurisdicional.

Reduziria os gastos do Estado também?

Substancialmente.

Outro ponto afeta a Justiça, na sua opinião?

O excessivo número de recursos. Afinal, uma coisa é a ampla defesa. Outra coisa é a defesa infinita.

Os juiz de primeira instância, então, não tem poder real de decisão?

Você chegou onde eu queria. A decisão do juiz de primeira instância é quase que um nada. E deveria ser exatamente o inverso. Hoje, nós não podemos continuar admitindo que alguém seja condenado criminalmente pelo juiz de primeiro grau e continue solto até o trânsito em julgado lá no Supremo, inúmeros anos após. A sociedade não admite mais isso.

Como é no restante do mundo?

O Brasil é um dos poucos países que tem essa “generosidade processual”.

E com relação à estrutura das comarcas? Em Minas, por exemplo, é possível perceber discrepância entre Belo Horizonte e o Norte?

Sim, mas não precisa ir muito longe. A estrutura do Fórum Lafayete, em belo Horizonte, até melhorou um pouco. Mas ele tinha uma estrutura extremamente perversa em termos até da saúde do juiz. Em razão do número de processos e do pequeno espaço para trabalhar.

Mas houve muito empenho por parte da administração do TJ para melhorar isso. Hoje, são poucas as comarcas que não têm uma estrutura mínima de trabalho. Mas a mínima é beirando o suportável. Não é nada de luxo.

O que o senhor acha dos auxílios e verbas indenizatórias pagas aos juízes?

A sociedade não vê com bons olhos essas questões de natureza salarial. Não só dos juizes, mas de todos os servidores públicos. Especificar ou incluir os juizes é até uma maneira de exercitar o inconformismo que se tem com a prestação judicial. Eu acho que é uma maneira que a sociedade está dizendo que não está satisfeita com o nosso trabalho como gostaria de estar. E isso inclui a morosidade e outras coisas.

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