Luta por administração direitos autorais dos músicos vai ao STF

Julio Maria, enviado especial
18/03/2014 às 10:12.
Atualizado em 20/11/2021 às 16:41
 (José Cruz)

(José Cruz)

A temperatura já estava alta antes do início das falas no Supremo Tribunal Federal. Habitavam o auditório os dois lados de uma batalha de ânimos nem sempre equilibrados que disputam a administração dos direitos autorais dos músicos, desde 1973 nas mãos do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad). De um lado, políticos e artistas que querem a manutenção da lei sancionada em agosto de 2013, quebrando o monopólio do escritório, que até então não era fiscalizado e ficava com uma taxa de administração de 25% do montante arrecadado. Do outro, representantes do Ecad e de associações de músicos que lutam pela derrubada das modificações da lei para que o Ecad volte a ter autonomia. O Ecad move duas ações de inconstitucionalidade no STF para rever as mudanças sancionadas por Dilma. Antes que o tema seja votado, o ministro Luiz Fux pediu uma audiência pública para ouvir os argumentos.

O senador Humberto Costa (PT-PE), relator das mudanças da lei, reforçou as teses que o levaram a defender a quebra do que chamou de "monopólio" do Ecad. "Uma CPI (de 2010) mostrou que havia pessoas que não eram titulares de nenhuma obra e eram beneficiadas, associações de músicos excluídas de forma arbitrária, créditos arrecadados e retirados de forma ilegal."

Logo depois de Costa, o compositor Fernando Brant, presidente da União Brasileira dos Compositores, associada ao Ecad, veio com um discurso mais pesado: "Fico assustado com os inimigos dos direitos autorais. Usam as armadilhas criadas pela mídia audiovisual. A CPI só funcionou na imprensa". Sobre a formação do grupo Procure Saber, liderado por Paula Lavigne (presente no STF) e a associados como Caetano Veloso, Roberto Carlos (que deixou o coletivo no final de 2013), Gilberto Gil e Chico Buarque, afirmou: "Não sabem o que apoiaram. Venderam a eles gato por lebre".

A mudança mais questionada é a fiscalização do escritório, que deve ser feita agora por um grupo de artistas e técnicos do Ministério da Cultura. O Ecad diz que se trata de "invasão de privacidade". Os artistas falam em "transparência". A deputada federal Jandira Feghali (PC do B-RJ), relatora da lei que provocou as mudanças na gestão, questionou: "O que é monstruoso na lei? Multar o órgão que não paga o autor? Dar acesso à informação aos autores? Impedir que 400 mil autores não sejam excluídos de seus direitos?" Segundo ela, esse é o montante de compositores que ficam sem receber nenhum tostão em direitos por causa da política do Ecad.

O rebate no mesmo tom veio de Roberto Correia de Mello, diretor da Associação Brasileira de Música e Artes, associada ao Ecad. Ele voltou a citar a arbitrariedade do Estado na interferência dos negócios do escritório. "O governo quer ter acesso à senha dos repertórios dos artistas, quer a senha da conta bancária dos artistas, acabar com o sigilo financeiro. Mas o poder judiciário certamente não vai permitir que isso ocorra", disse, dirigindo-se a Fux.

Um discurso surpreendentemente dramatizado foi feito pelo diretor Aderbal Freire-Filho, da Sociedade Brasileira de Produtores Teatrais. "Quem levantou esta questão no Brasil fui eu, Chiquinha Gonzaga." Depois de falar como se fosse a pianista e compositora do início do século 20, a primeira a defender o pagamento de direitos aos autores, falou em nome de outros personagens, como Manoel Bandeira e Dias Gomes. Ao final, explicou: "Não quis argumentar com teses, por isso emprestei minha voz a essas pessoas. Somos vítimas de um sistema injusto que essa lei começa a corrigir", disse e foi aplaudido.

O músico Roberto Frejat veio na sequência, citando pontos que considera vulneráveis. "Descobriram que um motorista de ônibus (Milton Coitinho) recebia direito como se fosse autor. A UBC reconheceu a fraude interna, mas jamais corrigiu o erro. O nome dele ainda está lá em várias músicas."

Paula Lavigne fez um discurso de improviso. "Sou representante dos artistas que mais arrecadam direitos no País, eles não são suspeitos. Há 16 anos a senhora Gloria Braga (superintendente do escritório) manda no Ecad. Mas eu nunca tinha visto a cara dela, é a primeira vez." Rebateu as acusações de que o Procure Saber representa uma minoria ao ler uma lista com mais de 30 nomes. E emendou: "Dominguinhos morreu cheio de contas a pagar".

No intervalo da sessão, Fux antecipou que o caso será "muito difícil de ser julgado". " A classe está muito dividida", argumentou. As fitas com as gravações dos depoimentos serão entregues aos outros juízes da Corte para a votação. Não há prazo para que isso ocorra. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
http://www.estadao.com.br

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