Mares Guia promete cortes em cargos comissionados e reforma da previdência

Lucas Simões
lsimoes@hojeemdia.com.br
27/09/2018 às 19:39.
Atualizado em 10/11/2021 às 02:41
 (Riva Moreira/Hoje em Dia )

(Riva Moreira/Hoje em Dia )

Professor e ex-secretário de Educação em Minas no governo Eduardo Azeredo (PSDB), João Batista Mares (Guia) pretende implementar um teto de gastos similar ao aprovado no governo de Michel Temer (MDB), cortar 25% dos cargos comissionados e promover uma reforma da Previdência com a criação de um fundo previdenciário novo.

A entrevista com Mares Guia foi a última de uma série de sabatinas realizadas pelo jornal Hoje em Dia.

Como resolver o rombo orçamentário de R$ 5,6 bilhões, casado com o rombo fiscal?

Essa altura interessa menos a origem disso. Digo apenas uma frase: o governo Anastasia ainda pegou a economia brasileira em uma fase de crescimento, embora crescimento mais discreto, desacelerado. As receitas continuaram a crescer, mas nunca se viu uma espiral de gastos tão grande. Tanto é que o comprometimento das receitas correntes líquidas com a folha de inativos e ativos chegou a 87,4%, muito além do limite tolerado pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Gastou muito e gastou mal. Além disso, para não aparecer o déficit fiscal, já em 2011 ou 2012, do governo Anastasia nós tivemos até em determinado ano o empréstimo de R$ 5,8 bilhões. A média foi de quase R$ 4 bilhões ao ano de empréstimos novos ao longo do governo. O primeiro rombo já apareceu em 2013, na forma de déficit fiscal. O Anastasia declarou que era da ordem de R$ 2,165 bilhões, só que ele se esqueceu de somar a isto os R$ 3 bilhões de quando ele eliminou o fundo previdenciário e jogou R$ 3 bilhões do fundo no caixa único. Então, nós subimos para R$ 4,165 bilhões, mais o cheque especial, que ele sacou e deixou como restos a pagar de R$ 2,1 bilhões. Isso vai para mais de R$ 7 bilhões. E, regido pela inflação de mais de quatro anos, estamos falando de mais de R$ 8 bilhões. Aí vem o Pimentel. O Pimentel há três anos e meio se apresenta como vítima, fica somente pelo retrovisor lamentando a herança recebida. Ora, quando ele era candidato, ele sabia a herança que ele estava recebendo. Eleito governador, o papel dele era, daí em diante, olhar para frente e resolver o problema. O que ele fez? Absolutamente nada. Ele dispôs da oportunidade do pacto fiscal com o governo federal e recusou-se a fazer. A pergunta é: haveria alternativa? Claro que haveria. O pior estado, naquele momento, quando Pimentel assumiu e novos governadores assumiram, era disparado o Rio Grande do Sul. Hoje, o RS está com a situação fiscal praticamente equacionada. Um governador que estava na lona, no zero,  hoje é aplaudido e está em primeiro lugar nas pesquisas porque teve a coragem política e administrativas para tomar posições duras, aparentemente impopulares, mas que com o passar do tempo a população reconheceu e viu a seriedade.

O problema não é o PT. É o Pimentel, tanto é que os governos da Bahia, do PT, do Piauí, do PT, e do Ceará, do PT, eu aplaudo entusiasticamente como cidadão brasileiro. Porque são três governadores seríssimos. Eles fizeram o ajuste fiscal pactuado com o governo federal do Temer. Fizeram o Teto de Gastos, só que por cinco anos. É o que pretendo fazer em Minas: um teto de gastos por cinco anos, com flexibilidade para os gastos com educação e saúde, sempre que o PIB  mineiro alcançar 3%. Em segundo lugar, cortar 25% dos cargos em comissão. Terceiro lugar: reduzir de 21 secretarias para o máximo de 12 secretarias. Na era tucana eram 23 (secretarias). Depois, eles reduziram para 15, com o choque de gestão. Depois, esqueceram do choque de gestão que virou curto-circuito, elevaram para 21. Pimentel manteve as 21. Agora, depois que eu falei que vou reduzir para 12, Anastasia vai reduzir para 12, não sei quem mais vai reduzir para 12 ou para 15. Então, a minha agenda está virando uma solução da crise fiscal para as demais candidaturas. Eu falo isso desde o primeiro dia de campanha. A questão fiscal não entrava na agenda de nenhum dos candidatos. Eu consegui agendar essa questão nos debates entre os candidatos. Outra coisa que eu vou fazer é uma revisão completa da folha, com auditoria permanente da folha. E também unificar (a folha) da Polícia Militar, que é independente, junto com as folhas do Estado, coordenadas pela Secretaria de Planejamento e Gestão. Agora vem o passo mais fundamental no ajuste. Eu vou implantar a metodologia de orçamento base zero. Filtrar o que é essencial e tirar o acessório, cortar em custeio. Vou chamar os poderes e propor um corte linear no Poder Legislativo, no Poder Judiciário, no Ministério Público, no Tribunal de Contas, cortes de custeio e em cima das vantagens. As vantagens, no meu juízo, não são constitucionais. O argumento da sua legalidade é, no mínimo, duvidoso.

O que nós temos hoje em Minas são elites intelectualizadas que pela meritocracia de concurso público, entram no serviço público de maneira republicana para prestar serviços absolutamente fundamentais, como o serviço da Justiça, que é o que garante ao cidadão a defesa contra a tirania de minorias, de maiorias ou do próprio Estado. E, logo, logo, essas elites intelectualizadas se transformam em aristocracias, por acomodação de poder político e acumulação de privilégios. A aristocracia, como falava Aristóteles, se degenera em oligarquias e as oligarquias passam a tiranizar o poder e o orçamento. Nós chegamos a um regime no Brasil hoje, democrático, de castas. O que é completamente anti-republicano.

 O que o senhor pretende fazer para resolver o problema da previdência? Qual é o problema fiscal de Minas Gerais?

Nós temos um comprometimento de R$ 22 bilhões ao ano com aposentadorias, de um orçamento de R$ 92 bilhões. A receita previdenciária, contribuição dos servidores aposentados e da ativa, é de R$ 5 bilhões. Eles contribuem com 11% do que ganham. Tem que aumentar? Não. Como é que vamos resolver? Eu vou criar um fundo previdenciário. A questão é: não adianta querer fazer a casa previdenciária pelo telhado, tem que ser pelo alicerce. O alicerce é saber onde está o dinheiro para financiar o fundo. Em primeiro lugar, vou transferir a dívida ativa do Estado, que o Estado não consegue cobrar, para o fundo. O fundo vai poder contratar escritórios de advocacia dentro e fora de Minas para judicializar e cobrar dos devedores. E essa dívida vai entrar como dinheiro capitalizado no fundo. Todo ano vai ter receita até terminar a dívida ativa. Segundo, as receitas provenientes de dividendos das ações que o Estado tem na Cemig e na Copasa, esse dinheiro vai para dentro do fundo. Pelo menos nos primeiros dez anos, até capitalizá-lo completamente. Em terceiro lugar, o dinheiro do imposto de renda que o servidor paga e Estado recolhe e fica para ele, porque a lei permite isso, metade desse dinheiro vai ficar no caixa única e a outra metade vai para o fundo. Em quarto lugar, o Estado não consegue fazer venda de imóveis. É a imobiliária mais ineficiente do planeta. Tem fazenda, prédio, sala, lote, gasta com custeio e vigilância, mas não sabe o que tem e não sabe o que perde. Pretendo fazer um levantamento disso, contratando empresas no mercado para isso, inclusive em todos os cartórios. E, depois, transferir a propriedade patrimonial para o fundo. E o fundo vai contratar empresas especializadas e, todo ano, põe em leilão, a preço de mercado, a venda desses imóveis. E, por fim, o que eu pretendo fazer é negociar com o governo federal a dívida pública de Minas Gerais de R$ 100 bilhões com juros muito altos. A contribuição do governo federal daria para os estados equacionarem a questão previdenciária. No caso de Minas, a dívida existe, existe, mas agora vocês não devem mais ao governo federal. Agora, vocês devem ao fundo previdenciário. Só que nós vamos negociar com o fundo um juro pequeno e vamos, todo ano, amortizar uma parte do principal mais os juros, até eliminar a dívida. Nunca mais vai faltar dinheiro para pagar aposentado e pensionista, pagando com justiça.

Os cortes em privilégios que o senhor comenta são uma proposta difícil para negociar. Como o senhor vai convencer, por exemplo, o Judiciário a abrir mão do auxílio moradia?

O ser humano, no caso, um juiz, ele reúne na mesma pessoa umas questões muito interessantes que fazem parte da alma humana. Nesse momento do Brasil — não quero generalizar — há uma paixão dominante. A paixão que quase todos têm pelo interesse próprio. Isso afeta os juízes também. Inclusive o Moro, que é uma pessoa que respeito, apoio, aplaudo completamente a Operação Lava Jato, sem deixar de registrar que alguns excessos seriam completamente dispensáveis, mas ao mesmo tempo essas pessoas, na investidura da condição de homem público, um homem que representa o republicanismo, ele tem um momento em que se supera a elevação, o egoísmo passional é superado, em função de uma causa grandiosa que tem uma dimensão histórica. Estamos em uma crise tão grave e tão profunda e a sociedade mergulhada num quadro de tamanha incerteza, que as pessoas têm que abdicar um pouco do interesse possessivo e ver com grandeza o presente e o futuro e pensar no nós, na coletividade e na sociedade. Eu acredito na cultura filosófica, na cultura de valores que eles (juízes) têm, que o republicanismo fala mais alto e nós vamos chegar a um determinado acordo. Aí você me pergunta: e se não houver um acordo. Eu faço um alinhamento com os governadores do país e aí nós vamos juntos ao Supremo Tribunal Federal (STF) judicializar essa causa. O STF deveria dizer ao país qual o país que ele quer, com cidadania ou quer um país de elites na forma de castas de privilegiados — uma volta à pré-revolução francesa.

Mas o Supremo já protelou essa questão do auxílio moradia…

Mas, se os governadores forem alinhados e exercerem continuamente uma pressão democrática, o Supremo terá que se manifestar. Até porque, isso afeta o país inteiro, ao próprio governo federal e todos os estados. Não é possível que a sociedade vire refém de castas. Não é possível que o orçamento fique muito mais controlado pelas castas do que pelo próprio poder Legislativo e Executivo, o que hoje acontece em Minas Gerais. Aí vem a pergunta: quem é que promoveu o privilégio de castas? Verifiquem e investiguem os anos de Anastasia. Foi o que mais concedeu privilégios de castas. Depois dele, Pimentel. Pimentel chegou ao ponto de pagar R$ 700 milhões  de férias prêmias duplicadas para juízes em Minas Gerais. Era hora de pagar isso? Mas pagou. É assim que vem sendo governada Minas Gerais.

E os servidores com salários atrasados e parcelados. É possível resolver?

É uma humilhação. A pessoa trabalha a vida toda e agora vive de inquietação do espírito, de incerteza, que não sabe se no dia seguinte irá receber a aposentadoria. Minha proposta é acabar com isso em até um ano.Eu não vou fazer uma projeção de expectativas, na dependência de que o governo federal fará uma reforma da Previdência, que o governo federal fará uma reforma tributária. Até porque as duas reformas têm impacto de médio prazo para frente. E o aposentado não vive de médio prazo, o aposentado não vive de médio prazo. Ele vive aqui e agora também. Então, tenho que dar uma resposta à reforma previdenciária aqui e agora em Minas Gerais. Eu fiquei meses e meses ouvindo, lendo, aprendendo, meditando e cheguei a essas conclusões. Nós temos que ter uma solução de reforma previdenciária aqui. Não vou mexer com tempo de aposentadoria porque essa é uma questão nacional.

E os militares? É possível fazer uma revisão na aposentadoria deles?

Isso é uma lei que data de Aécio (Neves, ex-governador de Minas Gerais) e que Anastasia manteve e Pimentel manteve. Com todo o respeito aos policiais militares, eu, pessoalmente, tenho apreço e gosto da Polícia Militar, eles são muito sérios e bem formados. Os oficiais que eu conheci são pessoas que prezo muito, isso é inegável. Não estou falando de pessoas, estou falando da questão institucional. Temos 43 mil homens e mulheres na ativa e 37 mil aposentados. A folha dos aposentados já está ficando maior do que a folha dos ativos. Eu não tenho nada contra um coronel receber R$ 32.500. Eu tenho contra é ele aposentar aos 48 anos. Eu tenho 70 anos de idade. Eu não aceitei indenização de preso político e fui preso, torturado e exilado. Perdi cinco anos de universidade, não reclamo de nada, não lamento. Não recebi e não quero nenhuma indenização porque eu lutei por convicção, não lutei para ter indenização. Recusei aposentadoria como deputado, tenho 70 anos de idade e uma aposentadoria modestíssima pelo INSS. Nada mais do que isso. Eu dependo do meu trabalho e não estou querendo dizer que sou exemplo para ninguém não. Mas, se aposentar aos 48 anos de idade ganhando R$ 32.500, francamente? Nem na Suíça isso acontece. E por que isso acontece no Brasil? Eu vou culpar o coronel? Eu vou culpar é o sistema político que permitiu que isso acontecesse. Porque isso não é só na Polícia Militar, isso é com as elites civis do Estado. Agora, a lei da averbação. Uma pessoa trabalhou por dez anos em um escritório de contabilidade, faz um concurso e entra na PM. Aí conta esse tempo averbando como tempo de Polícia Militar. E, além do mais, os quatro anos de academia de Polícia Militar também contam como tempo de prestação. Como? Ele está lá como acadêmico, ele tem uma bolsa, e esse tempo que ele não exerce a prestação de serviço como policial formado, profissional, conta como tempo? Isso é um país feudal? Nós estamos na França pré-revolução francesa? É óbvio que os oficiais da Polícia Militar é quem têm que meditar sobre isso. Agora, é onde o problema é grave, mas é menor. E os privilégios na Secretaria de Estado da Fazenda, que tem a melhor tecnocracia do país. Eles são qualificadíssimos. Agora, não precisa ganhar tanto. E a Advocacia Geral do Estado, que tem prêmios por produtividade? Ganham bem, podem advogar na esfera privada e ainda ganham prêmios de produtividade? Quando você vai ver, o salário médio é de R$ 50 ou R$ 52 mil. O indivíduo privado que aceita isso é um péssimo cidadão, embora como advogado público seja um excelente profissional.

Tem como mexer nisso?

Claro que tem, com coragem e moral, não é voluntarismo, não. A sociedade não quer isso. Agora, o Anastasia não fala sobre isso, o Pimentel não fala sobre isso. Eles fingem de mortos. Eles criaram isso e eles é que vão mudar isso?  Eles não mudam porque eles criaram isso.

Sobre a Cemig, o senhor poderia explicar como vai funcionar a divisão de dividendos da Cemig?

As ações que pertencem ao Estado permanecem ações que pertencem ao Estado. Os dividendos que o Estado recebe porque ele é acionista, ao invés de caírem em um caixa único, eles vão para o fundo previdenciário. A questão é: o Temer propôs um pacote previdenciário, eles querem enganar todo mundo discutindo previdência pelo telhado, o tempo de aposentadoria. Eu acho que os policiais e os militares têm que ter um tempo diferenciado, mas não é muito tempo, não. Mas, eles conversam sobre tempo para aposentadoria, sobre regras de transição, conversam que todos têm que receber a aposentadoria pelo teto do INSS. Quem quiser mais ganhando mais, entra em um fundo de capitalização. Aí é diferente. Tudo bem, agora, eles disseram de onde vem o dinheiro para pagar essa conta? De onde vem o dinheiro? Tem, inclusive, candidato aí em escala nacional que diz ‘nós vamos criar um fundo e vamos capitalizar’. O Romeu Zema está propondo isso, uma aposentadoria por capitalização. Só que ele se esqueceu de uma coisa elementar, matemática. Você vai capitalizar, aplicar em fundos financeiros para capitalizar? Mas, quem vai pagar mês a mês os aposentados que já são aposentados?

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