Mostra em SP destaca a arte de Júlio Martins da Silva

Agencia Estado
13/11/2012 às 11:48.
Atualizado em 21/11/2021 às 18:14

Só mesmo o olhar de um pintor como Paulo Pasta para redescobrir um artista de uma delicadeza suprema, mas esquecido. Neto de escravos, órfão de pai e mãe analfabetos, Júlio Martins da Silva viveu 85 anos e morreu sozinho, numa favela do morro União, em Coelho da Rocha (RJ). Foi peão e cozinheiro, após trocar sua cidade natal, Icaraí, pelo Rio de Janeiro, aos 17 anos, quando o pai morreu. Chegou a dormir na rua, mas a pintura compensou o artista com o reconhecimento tardio da Bienal da Veneza, que mostrou suas telas em 1978, mesmo ano de sua morte. Seis anos depois, foi a vez de Washington, a capital americana, conhecer sua arte. Museus compraram trabalhos do artista.

Depois, o silêncio, interrompido vez ou outra por uma pequena mostra em galerias particulares. Agora, a Galeria Estação presta justa homenagem a ele com a abertura, nesta terça-feira, de uma exposição com 17 pinturas do acervo da galerista Vilma Eid.

Curador da mostra, Pasta viu pela primeira vez o trabalho de Júlio Martins da Silva reproduzido no livro "Mitopoética de Nove Artistas Brasileiros", de Lélia Coelho Frota. Posteriormente, assistiu a um filme dirigido pelo secretário de Cultura de São Paulo, Carlos Augusto Calil, quando era professor da ECA-USP, chamado "O Que Eu Estou Vendo Vocês Não Podem Ver" (1978). Ele traz imagens reveladoras do universo do pintor e do próprio, que começou a "aperfeiçoar" sua arte só quando se aposentou.

Aperfeiçoar era mesmo a palavra. Embora tenha começado a usar o lápis crayon aos 29 anos, como conta Lélia Coelho Frota em seu "Pequeno Dicionário do Povo Brasileiro", Júlio Martins da Silva levaria quase duas décadas até desenhar com lápis de cor, aos 47. Só ao se aposentar é que ele foi usar tinta e pincel para produzir suas obras, a maioria paisagens em que a cor verde (sua preferida) predomina em seu mundo ideal, construído de maneira absolutamente simétrica. "Parece que o mundo criado por ele remete ao ideal renascentista, um mundo utópico, bem diferente daquele que habitamos", observa o curador. A natureza "arrumada", os jardins bem cuidados, a serenidade dos ambientes, a arquitetura solene das construções, em tudo esse mundo contrasta com a realidade vivida pelo pintor.

Involuntariamente, ele faz dessa "arrumação" um cenário equivalente ao da paisagem dos metafísicos italianos, plácida, alheia à passagem do tempo, embora não enfatize o caráter enigmático desse mundo enxertando o inaudito. Júlio tenta construir uma narrativa poética sutil, equivalente à impressão provocada nele pela leitura dos românticos Castro Alves e Casimiro de Abreu. Pasta destaca o papel desse último em sua formação. Vindo da roça, Júlio foi alfabetizado e tomou gosto pela leitura, buscando um professor particular para aprender gramática. Talvez pela simplicidade da linguagem e o tom ingênuo do poeta de "Meus Oito Anos", o pintor tenha se identificado tão profundamente com Casimiro de Abreu.

A nostalgia nativista de Casimiro encontra correspondência nas telas do pintor - um "mundo ordenado, de sentimentos delicados, sublimado, em que a perspectiva do Renascimento e a simetria revelam uma vontade de livrá-lo do vazio", analisa o curador, chamando a atenção para a pequena tela (27 x 41 cm) "A Leitura", em que um casal lê num jardim paradisíaco, encostado a um tronco de árvore. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

UM MUNDO EMBRULHADO PARA PRESENTE
Galeria Estação (Rua Ferreira de Araújo, 625). tel. 3813-7253.
2ª a 6ª, 11 h/ 19 h; sáb., 11 h/ 15 h. Abertura terça, às 19 h.
http://www.estadao.com.br

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