Cientistas esterilizam com radiação mosquitos machos para erradicar zika

AFP
20/02/2016 às 16:17.
Atualizado em 16/11/2021 às 01:30
 (HELMUT FOHRINGER/AFP)

(HELMUT FOHRINGER/AFP)

Um grupo de jovens mosquitos machos vive tranquilamente em um laboratório nos arredores de Viena, totalmente inconscientes do destino que lhes espera: serão esterilizados em massa com o uso de radiação para diminuir a quantidade de insetos que transmitem doenças como o vírus do zika. A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), mas conhecida por seu papel na diplomacia internacional, é o organismo que trabalha nesta técnica de esterilização de insetos em seu laboratório da localidade de Seibersdorf, 35 quilômetros ao sul de Viena.

A ideia parece simples. Os machos esterilizados, mas ainda ávidos de sexo, são soltos em zonas específicas com a missão de seduzir as fêmeas. A cópula, infértil, leva então a um processo natural de extinção. Contudo, a implementação do plano é mais complexa, já que requer primeiro isolar os machos das fêmeas, para poder esterilizá-los com o uso da radiação quando estão em um estado larvário. Para consegui-lo, os especialistas da AIEA trabalham em um processo há vários anos utilizando cobalto 60 ou raios X.

"É como uma forma de planejamento familiar para insetos", explicou Jorge Heindrich, chefe da divisão para o controle de insetos parasitas do organismo, que lidera um grupo de cientistas de vários países. Esta técnica permitiu erradicar insetos como a mosca da fruta em algumas regiões da Argentina e da África do Sul e a mosca do melão em Okinawa, no Japão.

O vírus do zika, transmitido pelo mosquito Aedes aegypti, que também contagia a dengue e a chikungunya, está agora no alvo destes esterilizadores de insetos.

Uma mudança na escala

Milhares de mosquitos zumbem em caixas quadradas cobertas por um isolante, sob uma luz neon amplificada. O calor lembra as zonas tropicais e o odor do cultivo de insetos é nauseante. Quando um dos insetos sobrevoa a sala e zumbe perto dos jornalistas que visitam o laboratório, um pânico irracional se apodera dos presentes.

O zika, descoberto em Uganda em 1947, provoca sintomas leves como febre, dor de cabeça e articular e erupções. Mas suspeita-se que em grávidas pode causar microcefalia, uma doença congênita que provoca danos neurológicos irreparáveis no desenvolvimento do bebê. Com mais de 1,5 milhões de doentes no Brasil, a América do Sul é a região do mundo mais afetada pelo zika.

O vírus é transmitido pelas fêmeas. "São elas que necessitam de sangue para alimentar seus ovos. Os machos se alimentam do açúcar das flores e de néctar", explica Rosemary Lees, uma das pesquisadoras. Segundo conta, uma das principais dificuldades é separar as fêmeas dos machos. Atrás da especialista há caixas etiquetadas com mosquitos provenientes de Brasil, Indonésia e Tailândia.

Competir com os machos selvagens

Um dos problemas possíveis na aplicação é que os machos "tratados" não sejam suficientemente fortes para competir com os insetos selvagens. Mas no terreno, este desafio toma outra dimensão. "Temos demonstrado que a técnica é eficaz em pequena escala: podemos atuar na periferia de uma cidade, quiçá até em uma localidade de 250 mil pessoas. Agora temos que ampliar a escala" para estes mosquitos, declarou a entomologista.

Atualmente, há dois experimentos em desenvolvimento. Um no Sudão, em uma região agrícola afetada endemicamente pela malária, e outro na ilha francesa de La Reunión, após a forte epidemia de chikungunya entre 2005 e 2006.

Lançado em 2009, o projeto de La Reunión está em sua fase piloto, e a produção em série de mosquitos estéreis ainda não começou.

Uma vez que esteja finalizado o estudo ecológico da biologia específica do mosquito, ainda é necessário que "os Estados tenham a vontade de produzir insetos modificados, investir nas instalações e ter uma fonte de raios eficaz", explica Marc Vreysen, chefe do laboratório especializado em insetos nocivos de uma divisão mista da AIEA e da FAO.

Esta técnica é eficaz sobretudo combinada com outros métodos, incluindo a utilização de inseticida para reduzir a população de mosquitos.

Em fevereiro, será realizada uma reunião no Brasil com estados-membros da AIEA, especificamente países da América Latina, para estudar as possíveis aplicações do processo para lutar contra o vírus do zika.

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