Mentir devolveu a liberdade à ativista síria Alaa, testemunha do horror das prisões

AFP
10/07/2013 às 16:15.
Atualizado em 20/11/2021 às 19:56

BEIRUTE - Alaa Morelli, de 23 anos, escapou dos centros de detenção sírios após aceitar fazer uma falsa "confissão" na televisão oficial para confirmar a tese defendida pelo regime, mas nos 65 dias em que esteve detida viu "coisas horríveis".

A jovem, que se casou com o chefe rebelde que participou de sua libertação, foi detida em 12 de junho de 2012 quando saía da Universidade de Latakia.

Um estudante havia acusado a jovem de ter redigido e distribuído panfletos convocando as pessoas a participar de manifestações contra o regime.

"Quando saía da aula, as forças de segurança me esperavam junto à pessoa que havia me delatado. Ela apontou o dedo para mim e os policiais me prenderam", contou Alaa à AFP, que conheceu seu delator durante uma reunião de opositores em Istambul.

Alaa passou 65 dias detida: primeiro em um quartel-general dos serviços de segurança do Estado em Damasco e depois em um presídio próximo da capital, antes de ser levada a Homs, no centro do país, e para Latakia.

"Vi coisas horríveis. Os guardas me assediavam psicologicamente, mas outras jovens viveram coisas muito piores", assegurou.

"Em Damasco vi uma cela onde estavam amontoadas umas 40 mulheres, todas nuas, com os olhos vendados e algemadas. Não podiam se sentar", recorda.

As organizações de defesa dos direitos Humanos estimam que mais de 30.000 pessoas ainda estão presas e sofrem torturas sistemáticas em prisões sírias.

Finalmente Alaa aceitou confessar seus "crimes" na rede de televisão oficial síria, que exibe "confissões" de presos acusados de colaborar de forma militar ou civil com a oposição.

Segundo ela, essa decisão evitou um pesadelo ainda pior.

Em seu vídeo, exibido pela televisão mais de uma vez, Alaa, com a cabeça coberta por um véu branco, afirma ter aceitado informar à rede Al-Jazeera, com identidade falsa, a respeito de "falsas manifestações anti-regime e inventar ações repressivas".

"O que eu disse (à Al-Jazeera) era falso", afirma em sua "confissão" de 15 minutos.

Os ativistas "passaram a imagem de um banho de sangue para que a opinião pública internacional se voltasse contra a Síria, quando na verdade nada aconteceu", balbucia a jovem aos prantos.

O presidente sírio, Bashar al-Assad, continua a negar a existência de um movimento popular em favor de uma mudança de regime. Desde o início do levante, em março de 2011, as autoridades acusam alguns Estados de fomentar a violência na Síria, e denunciam que os meios de comunicação regionais e internacionais apresentam informações falsas.

Durante o período de detenção de Alaa, os opositores lançaram uma campanha por sua libertação. "Finalmente, foi graças a uma troca de soldados que estavam nas mãos de uma brigada (rebelde) do Exército Sírio Livre (ESL) que eu e uma outra menina fomos libertadas".

Alaa se casou com o chefe desta brigada, Said Tarbouch, comandante do batalhão de Ahrar Kablé, que negociou o acordo, e se instalou com ele na Turquia.

"Ele salvou a minha vida e me ensinou o que é o amor de verdade", conta a jovem.

Em Istambul, Alaa mudou o véu branco da confissão forçada por um outro bordado com flores.

Seu marido ostenta uma barba densa e muitas vezes usa expressões religiosas. Ele sente orgulho de Alaa, apesar de ela parecer muito menos conservadora do que ele. "Você viu como ela é forte!", diz ele com um sorriso.

Alaa sonha em concluir seu mestrado em História e um dia poder trabalhar como professora em Latakia.

Por enquanto, se contenta em continuar a luta, levantando recursos financeiros na Turquia com um grupo de amigos. Leva comida e produtos básicos às famílias deslocadas, cruzando a fronteira por passagens controladas pelos rebeldes.

"Não é o suficiente, mas é melhor do que nada", diz Alaa.

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