Quem são os talibãs e o que muda no Afeganistão após assumirem o poder?

Da redação*
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19/08/2021 às 14:53.
Atualizado em 05/12/2021 às 05:43
 (Banco de Imagens/Pixabay)

(Banco de Imagens/Pixabay)

Após o Talibã assumir o poder no Afeganistão, no Oriente Médio, no último domingo (15), milhares de afegãos tentam fugir do país. Diversas imagens, divulgadas pelas redes sociais e TVs internacionais, mostram cenas de desespero e caos. Para entender esse contexto, é preciso conhecer quem são os talibãs, como vivia a população com o governo anterior, de Ashraf Ghani, apoiado pelos Estados Unidos, e o que se espera a partir de agora.

O Talibã

O Talibã se tornou conhecido como um grupo religioso fundamentalista na primeira metade da década de 1990, organizado por rebeldes que haviam recebido apoio dos Estados Unidos e do Paquistão para combater a presença soviética no Afeganistão, que durou de 1979 a 1989, em meio à Guerra Fria. A chegada ao poder se consolidou em 1996, com a tomada de Cabul, capital do país.

Uma vez no controle, o Talibã executou adversários e aplicou sua própria interpretação da lei islâmica. Em seu sistema judicial, pessoas acusadas de adultério podiam ser condenadas à morte, e suspeitos de roubo sofriam punições físicas e até mesmo mutilações. O uso de barba era obrigatório para os homens; as mulheres deveriam vestir burca e não poderiam ser vistas publicamente desacompanhadas dos maridos. Televisão, música e cinema foram proibidos. As meninas não podiam frequentar a escola.

11 de setembro

A ocupação das terras afegãs pelos EUA foi uma reação aos ataques às torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York. Dois aviões atingiram e derrubaram os edifícios em 11 de setembro de 2001, causando quase 3 mil mortes. Os EUA acusaram o Talibã de dar abrigo ao grupo terrorista Al Qaeda, que assumiu a autoria do atentado.

Em outubro do mesmo ano, as operações militares no Afeganistão se iniciaram e as ruas de Cabul foram tomadas em dois meses. Em 2011, as forças norte-americanas anunciaram a morte de Osama Bin Laden, líder da Al Qaeda.

Afeganistão durante a incursão militar

De acordo com Fernando Luz Brancoli, pesquisador e professor do Instituto de Relações Internacionais e Defesa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), durante os 20 anos de ocupação por tropas americanas, ocorreu uma ampliação das liberdades civis e alguns setores econômicos se desenvolveram, mas o período também foi marcado por denúncias de corrupção.

"Houve grupos políticos que se beneficiaram desse momento, que ganharam prestígio e dinheiro. Em uma escala menor, tivemos mulheres entrando no mercado de trabalho, ocupando algumas funções governamentais, frequentando as escolas. Mas fica no ar até que ponto essas transformações serão mantidas", disse.

Volta dos talibãs

Após o presidente afegão Ashraf Ghani deixar o país, o controle do palácio presidencial foi assumido pelos rebeldes. Tudo ocorreu sem que houvesse resistências.

Diante do cenário, os EUA precisaram acelerar a conclusão do processo de saída, em curso desde o ano passado: uma megaoperação para tirar às pressas diplomatas e cidadãos norte-americanos foi montada pelas tropas norte-americanas, que ainda controlam o aeroporto. Imagens que ganharam repercussão internacional mostraram um caos no local, com milhares de civis desesperados para deixar o país se aglomerando junto aos aviões.

Nos primeiros discursos, os talibãs têm buscado se apresentar mais moderados. Na terça (17), um canal de televisão estatal do Afeganistão levou ao ar o pronunciamento de um porta-voz do grupo. Enamullah Samangani garantiu uma anistia geral para todos e disse que a população deveria regressar à normalidade com confiança.

Zabihullah Mujahid, outro representante do grupo, concedeu uma coletiva à imprensa  afirmando que não haverá vingança com quem trabalhou para o antigo governo ou para forças estrangeiras. Ele também disse que as mulheres poderão trabalhar e devem participar da estrutura de governo.

Ceticismo

Apesar dos acenos, pesquisadores manifestam ceticismo. "Fico parcialmente desconfiado. A forma de governar do Talibã está muito pautada em práticas de violência e controle. Então, considerando seu histórico, até que ponto eles conseguem pensar a organização do país de outra maneira? Vamos ter que esperar pra ver, mas acho que essa moderação é meramente discursiva", diz Brancoli.

O cientista político João Paulo Nicolini Gabriel, pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), chama a atenção para o uso das redes sociais pelo Talibã. "O que eles querem mostrar nesse primeiro momento é que o governo de Ghani não representava a população", disse.

Receio popular

O comportamento da população retrata o receio. As vias públicas estão mais vazias e parte do comércio mantém as portas fechadas. Muitas mulheres estão com medo de sair de suas casas. Em público, homens e mulheres voltaram a usar vestimentas afegãs tradicionais. Não se sabe se centros de estética em Cabul voltarão a funcionar. Cartazes publicitários com mulheres estão sendo apagados das ruas, como mostra uma imagem que se tornou viral nas redes sociais. Agências internacionais relatam ainda mortes de civis em manifestações contra o Talibã, ocorridas nesta quinta (19).

Mas, apesar disso, Brancoli avalia que a população não possui uma visão homogênea e não há uma repulsa generalizada contra os talibãs. Segundo ele, os moradores das áreas rurais são indiferentes ou apoiam o Talibã e a elite urbana não é tão numerosa.

"Tem que lembrar que o Afeganistão é um país majoritariamente rural. E, nas áreas rurais, a população olhava para o governo central de forma muito desconfiada. Muitos consideravam um governo corrupto que não atendia aos seus interesses. Uma das explicações para o avanço tão rápido do Talibã seria, em parte, esse apoio da população local. Não houve grandes resistências nas partes periféricas. E, quando chegou em Cabul, onde se esperava uma resistência maior, o próprio exército parecia que já tinha desistido de lutar e não tinha interesse no conflito. O presidente fugiu", pontua.

O governo de Ghani, apoiado pelos Estados Unidos, nunca teve 100% de domínio sobre o território do país, e os talibãs sempre controlaram algumas áreas. De acordo com João Paulo, o cenário atual revela a incapacidade da política norte-americana de alcançar certos objetivos, o que fez com que a ocupação tenha se arrastado por mais tempo do que se esperava. "Reformularam até o sistema eleitoral do país e não conseguiram garantir uma estabilidade. Ghani tinha dificuldades de manter popularidade. E justamente por isso havia tantos soldados norte-americanos lá."

*Com Agência Brasil

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