Washington: grampos em telefones de jornalistas pretendia salvar vidas

Rob Lever - AFP
15/05/2013 às 15:01.
Atualizado em 21/11/2021 às 03:42

WASHINGTON - O governo dos Estados Unidos afirmou que sua intenção era proteger a vida de seus cidadãos quando tomou a drástica decisão de monitorar os registros telefônicos de jornalistas, em meio a uma investigação por um grave vazamento de informação.

O governo de Barack Obama, pressionado em várias frentes, enfrenta agora uma enxurrada de críticas pelo que se considera uma violação da liberdade de imprensa.

O procurador-geral Eric Holder defendeu na terça-feira a ação do Departamento de Justiça, que monitorou secretamente durante dois meses os registros telefônicos de jornalistas da agência Associated Press (AP).

Holder disse que a decisão tinha sido parte de uma investigação sobre um vazamento de segurança que havia colocado em perigo a população americana.

"Sou procurador desde 1976. E tenho que dizer que este (...) é um dos mais graves (vazamentos) que já vi", afirmou.

"Isto não é um exagero. Coloca o povo americano em perigo. E tentar determinar quem é responsável por isso, creio, requer uma ação muito agressiva", acrescentou.

Acredita-se que a ação dos investigadores esteja vinculada a uma pesquisa sobre um artigo publicado sobre uma conspiração terrorista frustrada.

A história da AP revelava detalhes de uma operação da CIA no Iêmen que conseguiu deter um complô da rede Al-Qaeda na primavera de 2012 (hemisfério norte) para detonar uma bomba em um avião com destino aos Estados Unidos.

Holder disse que se recusou a participar da investigação porque havia sido interrogado pelo Escritório Federal de Investigações (FBI) por revelações não autorizadas sobre o tema.

Um comunicado do Departamento de Justiça indica que desde a recusa de Holder, em junho de 2012, a investigação "foi conduzida pelo FBI com a direção do Procurador e a supervisão do procurador-geral adjunto".

A Casa Branca tentou desviar as críticas de que havia colocado os meios de comunicação como alvo em sua guerra contra os vazamentos.

O porta-voz do presidente Barack Obama, Jay Carney, disse que a Casa Branca não estava envolvida na decisão de quebrar o sigilo telefônico da AP e que o Departamento de Justiça operou com independência.

"Seria totalmente inapropriado para o presidente se envolver em uma investigação penal que, (...) ao menos no que foi informado, envolve vazamentos de informação do governo", disse Carney.

Mais de 50 organizações de meios de comunicação dos Estados Unidos se uniram às críticas, classificando o procedimento como uma "operação desmedida".

A ação do governo "coloca em xeque a integridade das políticas do Departamento de Justiça em relação à imprensa e sua capacidade de equilibrar, por si mesmo, seus poderes policiais diante dos direitos concedidos pela Primeira Emenda aos meios e com o interesse público", indica uma carta assinada por, entre outros, Dow Jones, EW Scripps, Gannett, The New York Times, The Newspaper Guild, Time Inc. e The Washington Post.

Os editoriais dos jornais e comentários de outros meios de comunicação também não tardaram a ser publicados.

O The Washington Post disse que "qualquer que tenha sido o objetivo de segurança nacional que se quis alcançar, parece ter sido superado pelo dano causado à liberdade de imprensa e à transparência do governo".

A editora do The New York Times, Margaret Sullivan, afirmou em uma coluna que "acreditava-se que este seria um governo de transparência sem precedentes (...) No entanto, parece ser uma administração secretista e de ataques sem precedentes à liberdade de imprensa".

A titular do National Press Club, Angela Greiling Keane, afirmou que o incidente foi uma "grosseira violação da liberdade de imprensa. Se houver uma boa explicação para isso, o público merece ouvi-la".

Já Al Tompkins, do Poynter Institute, considerou que "as diretrizes do Departamento de Justiça, assim como a lei de liberdade de imprensa da Coreia do Norte, carecem de qualquer valor, além de serem caóticos".

A agência AP já havia protestado na segunda-feira em uma carta dirigida a Holder, afirmando que "não pode haver justificativa possível" para um registro tão amplo de suas comunicações telefônicas.

Em uma resposta à AP, o procurador-geral adjunto, James Cole, disse que a investigação sobre o vazamento de "informação classificada" começou no ano passado e advertiu que "tais revelações colocam vidas em risco e causam graves danos à segurança de todos os americanos".

Cole disse que as regras obrigam a dar outros passos antes de monitorar os registros telefônicos, e que a decisão só foi tomada após a "realização de mais de 550 entrevistas e a revisão de dezenas de milhares de documentos".

Indicou ainda que as ordens judiciais estavam "limitadas a um período razoável de tempo".

Em uma nova resposta à carta de Cole, o diretor-executivo da AP, Garry Pruitt, colocou em xeque essas afirmações e insistiu que a análise não havia sido limitada, já que havia envolvido mais de 100 jornalistas que trabalham nos locais alvo da investigação.

"A Casa Branca havia dito que não havia uma ameaça crível ao povo americano em maio de 2012. A história da AP sugeriu o contrário, e sentimos que era uma informação importante e que o público deveria saber", disse Pruitt.

A revelação do monitoramento dos registros telefônicos da AP provocou uma onda de críticas, razão pela qual foi classificada como um ataque sem precedentes à liberdade de imprensa.

O líder democrata do Senado, Harry Reid, disse aos jornalistas que "tem dificuldades para defender o que o Departamento de Justiça fez, (...) é injustificável".

E Trevor Timm, da Freedom of the Press Foundation, afirmou: "Já não devemos ver estas investigações e perseguições sobre vazamentos como inerentes à liberdade de imprensa, mas como um ataque direto a ela".

"Isto deve ser um importante alerta para os jornalistas", afirmou.

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