Municípios sofrem com escassez de recursos, diz presidente da AMM

Felipi Motta
Hoje em Dia - Belo Horizonte
06/05/2017 às 19:20.
Atualizado em 15/11/2021 às 14:26

Prefeito da pequena Moema, cidade de 7,4 mil habitantes da região Central de Minas, Julvan Lacerda (PMDB) toma posse nesta semana como presidente da Associação Mineira de Municípios (AMM). Em entrevista ao Hoje em Dia, ele fala da situação delicada dos municípios, de um encontro na última semana com o presidente Michel Temer e cobra um debate consistente sobre o pacto federativo, “a mais importante das reformas”.

Qual a situação financeira dos municípios mineiros neste momento?
A situação não é das mais favoráveis, tendo em vista que as demandas só aumentam. A maioria dos municípios vive dos repasses da União, especialmente do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). São pequenos: mais de 600 têm menos de 12 mil habitantes. O fundo não está sendo suficiente para honrar as nossas responsabilidades. Além disso, há repasses da União e do Estado que têm deixado de chegar ou estão com valores defasados, mas que os municípios precisam cobrir para que o cidadão não seja prejudicado.


O que mais aperta?
Há vários exemplos. O Programa de Saúde da Família foi criado e implementado pelo governo federal, mas atualmente ele está subfinanciado, com repasses abaixo do necessário para que funcione. Mas nós, municípios, estamos no final da linha, não podemos deixar de oferecê-lo. Com a merenda escolar acontece algo semelhante: o município faz a gestão da merenda, mas o valor que chega para as cidades, a partir da União (R$ 0,36 diários por aluno, no ensino fundamental), está muito longe da realidade. Temos também que cobrir a diferença. No transporte escolar, os municípios fazem a gestão tanto dos alunos das escolas municipais como das estaduais e, por isso, deveriam ser recompensados, mas não é o que tem acontecido. Eu poderia falar de diversas outras situações semelhantes.

Como o senhor tem visto a abertura do governo federal para discutir essas questões?
Tem sido pequena. A Confederação Nacional dos Municípios até tem feito um esforço para que isso melhore. Na última quarta-feira, o presidente da CNM e prefeitos se reuniram com o presidente Michel Temer. Fui como representante do Sudeste. Tínhamos uma extensa pauta, que condensamos em dez pontos, mas a abertura que tivemos do governo foi para apenas duas questões.

Quais?
Uma delas é a tributação do ISS, principalmente em movimentações de leasing e cartão de crédito. Atualmente o ISS fica com o município onde está instalada a operadora do cartão. Depois de muita luta no Congresso, conseguimos mudar a destinação para onde é prestado o serviço. Hoje eu faço uma compra em Moema, minha cidade, e o imposto é tributado lá em Barueri, em São Paulo. Com o projeto aprovado no Congresso, isso muda e traz um impacto positivo na arrecadação dos municípios. No entanto, a medida foi vetada pelo presidente Temer. A conversa foi a de permitir que a base aliada derrube o veto sem interferência do governo.


E a outra demanda?
A segunda questão é o Programa de Regularização Tributária, o “Refis”. Há, por exemplo, município de médio porte em Minas com dívida de R$ 500 milhões com a Previdência. Tentamos negociar com o Congresso uma emenda com a proposta de regularização das dívidas dos municípios, a exemplo do que está sendo proposto no Refis para as empresas. Mas não avançou. O presidente, no entanto, se comprometeu a editar uma medida provisória com prazos mais longos para que as cidades façam os pagamentos de suas dívidas.

Municípios, inclusive, têm tido repasses do FPM retidos na fonte, por conta das dívidas com a União.
Além do FPM retido, há municípios impedidos de celebrar qualquer tipo de convênio com os governos federal e estadual devido à inadimplência.

Que outras demandas foram levadas à reunião com o presidente?
Dentre os pontos levantados, é grande a necessidade do encontro de contas do governo de Minas com a União, com a recomposição devido à Lei Kandir (que desde 1997 desonera cobrança de ICMS de exportações). A Lei Kandir também tem impacto significativo nos municípios.

Há outros pontos?
Falamos dessa necessidade de revisão dos valores repassados para merenda e transporte escolar, e também do problema da judicialização da área da saúde. Muitos municípios às vezes acabam tendo que ofertar um tratamento que não é de sua responsabilidade devido a decisões judiciais, o que tem trazido grandes problemas. Além disso, cobramos a revisão da lei de licitações, que é de 1993, e tem muitos pontos defasados.

A falta de autonomia dos municípios aparece com frequência na pauta dos prefeitos. A Constituição de 1988 determina que municípios são tão autônomos quanto Estados e a União, mas isso não é o que acontece na prática. Como anda o debate?
Pela Constituição de 1988, somos entes federados, mas isso é só na letra da lei. Na realidade, há uma distorção na federação, porque mais da metade do dinheiro do país fica nas mãos da União. Mas não é ela quem presta boa parte dos serviços finais ao cidadão. O ideal é que tivéssemos uma parcela maior dos recursos nas mãos dos municípios já de início, e que a União ficasse mais como uma fiscalizadora. E não é só isso. Num país de dimensões continentais, muitas vezes fazem uma lei no Congresso tendo referência uma cidade de grande porte, como São Paulo, e se faz as mesmas exigências no seu cumprimento para realidades completamente diferentes, como um município no interior da Paraíba. É uma distorção, com demandas muitas vezes fora da realidade. Decidiram a questão do piso dos professores, que é fundamental, mas de onde vem o recurso? Decidiram de cima para baixo que a iluminação pública seria de responsabilidade do município, mas como ele banca isso? Acabamos tendo que taxar ainda mais o cidadão.

E isso tem sido discutido da forma adequada? Como anda a questão da revisão dos pactos federativo e de tributação?
Em época de campanha, muitos candidatos a deputado falam em pacto federativo, em discutir uma reforma tributária ampla, mas quando chegam a Brasília esquecem desse discurso. Eles querem manter essa relação de subordinação do município para ter o prefeito nas mãos, ao invés de empoderá-lo. Eles precisam dessa dependência dos municípios, porque o prefeito é quem elege o deputado, busca voto para o candidato a senador e governador. Se o prefeito consegue autonomia, se houver uma distribuição mais justa dos recursos da federação, o município não vai precisar ficar pedindo a bênção a esses políticos. A hora da revisão do pacto federativo é agora. Há diversas reformas importantes sendo feitas, mas essa é a mais importante de todas e ninguém fala disso.


 

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