Novo presidente da Fundação Dom Cabral promete mudanças radicais

Raul Marianao - Hoje em Dia
rmariano@hojeemdia.com.br
01/04/2016 às 21:10.
Atualizado em 16/11/2021 às 02:45
 (Lucas Prates/Hoje em Dia)

(Lucas Prates/Hoje em Dia)

Há 40 anos atuando na formação de executivos em Minas, a Fundação Dom Cabral é hoje referência entre as escolas de negócios do país. A instituição é considerada a melhor da América Latina no ranking de educação executiva 2015 do jornal britânico Financial Times e segue atraindo gestores do mundo inteiro.

O segredo está na filosofia adotada pela instituição desde a sua fundação, em 1976, quando ainda era um centro de extensão dentro da Universidade Católica de Minas Gerais (UCMG). Nas palavras do fundador e ex-presidente Emerson de Almeida, a proposta era que a escola “fosse capaz de substituir, para melhor, as business schools e as firmas de consultoria norte-americanas que trabalhavam no Brasil”.

Nesse contexto, as parcerias com escolas internacionais foram fundamentais para que a fundação atingisse o respaldo que tem. Para o novo presidente-executivo da instituição, Antônio Batista da Silva Júnior, a ampliação da internacionalização é uma das metas.

Há 26 anos na Fundação Dom Cabral, Silva afirma que a escola não pretende ser detentora exclusiva de nenhum tipo de conhecimento, mas uma ferramenta que organize o conhecimento que existe dentro das organizações para que ele possa ser devolvido aos alunos.

“Todos os ambientes de negócios estão em questionamento e mudança. No segmento da educação não é diferente. O bom da crise é que ela traz incômodo e isso nos leva a pensar e agir de forma diferente”.

Como funciona a fundação enquanto negócio?
Embora nós sejamos uma escola de negócios, nós não a tratamos apenas como um negócio. Trabalhamos com educação e, para nós, isso é uma tarefa muito nobre. Temos a ingenuidade de querer mudar o mundo, de criar um ambiente de negócios melhor. A medida do sucesso da Fundação não é financeiro, nem do crescimento do números de alunos, embora isso seja necessário. Temos um tamanho relevante para o foco da educação executiva, mas não queremos estar entre as maiores escolas do mundo e sim entre as melhores. A medida do nosso sucesso é o impacto disso na sociedade. Obviamente, temos indicadores de receita, até porque não temos subsídio de governo nem doações expressivas de empresas. Temos uma mão de obra muito talentosa e, portanto, muito cara. Precisamos de margem para investirmos em estrutura e pesquisa.

A fundação está hoje entre as melhores escolas de negócio do mundo, segundo o Financial Times. Quais as razões para isso, na sua visão?
Isso é consequência de um trabalho de 40 anos. Não é algo inventado. Primeiro, é fruto de uma ousadia e desejo de fazer diferente com uma qualidade superior para nossos clientes. Depois a capacidade de aglutinar um time excelente de professores em torno de um sonho, articulando parcerias muito importantes. Não temos a intenção de ser detentores exclusivos do conhecimento. Acreditamos que o conhecimento está dentro das organizações. Nosso papel é fazer a codificação desse conhecimento para devolvê-lo de maneira organizada para os alunos. Temos aliança com escolas internacionais desde a primeira semana de funcionamento da fundação. Há uma rede de alianças em toda América latina, EUA, Europa, Ásia e estamos abrindo novas perspectivas. Temos uma nova parceria com Skema Business School, trazendo alunos franceses para morar em BH e estudar conosco durante seis meses.

Como está estruturado o modelo de negócios da fundação? Além dos cursos, há trabalho de consultoria para empresas?
Tivemos agora uma reflexão estratégica de 18 meses e mais de 400 pessoas envolvidas. Isso culminou em um plano que propôs algumas mudanças na estrutura de negócios. Temos três grandes áreas: grandes organizações incluindo governo, médias empresas e executivos individualmente. Temos programas de MBA, especialização e diversos cursos com o foco na capacitação. Não fazemos consultoria, mas sim de intervenção educacional. Não somos um consultor que dá a resposta. Nós geramos aprendizado na organização deixando pra ela o legado do conhecimento. É nisso que acreditamos. Somos mais articuladores do que fornecedores do conhecimento.

Na prática, como isso é feito?
Investimos muito em conteúdo por meio de núcleos de pesquisa, inovação, processos, tecnologias com pedagogias apropriadas pra isso. Dinâmicas e metodologias para fazer com que o conhecimento aconteça. Então temos programas abertos de curta duração, indo de três dias a três semanas, um MBA executivo de seis semanas presenciais ao longo de um ano e meio e o mestrado profissional. Temos também as parcerias empresariais que são redes de aprendizagem coletivas. Ou seja, colocamos lado a lado comitês de presidentes, gerentes e apresentamos ferramentas para uso no dia a dia. E ali discute-se de tudo. Gestão, governança e até as relações em empresas que são familiares.<EM>

A crise econômica atual tem trazido algum impacto para a fundação?
Não há setor no Brasil que não esteja sendo impactado pela crise. Temos um cenário de tempestade perfeita que é a crise econômica e política no Brasil e a crise econômica mundial. A China diminuiu o crescimento, a Europa está estagnada e os Estados Unidos vêm crescendo abaixo do esperado. Mas não tem sido dramático para nós como para muitos players da área de educação. Estou confiante de que a crise vai passar. Dure o tempo que for.

Na sua visão, qual a estratégia mais adequada para que as empresas consigam enfrentar a crise?
O que as empresas precisam fazer é investir para quando a crise passar. A hora é agora. Há muitas empresas se preparando para quando os negócios voltarem a se aquecer. Todos os ambientes de negócios estão em questionamento e mudança. Toda parte de música mudou e hoje, por exemplo, o próprio formato MP3 já está se tornando ultrapassado. Nesse sentido, o segmento da educação também está mudando. O bom da crise é que ela traz incômodo e isso nos leva a pensar e agir de forma diferente. São coisas que, em outros contextos, não aconteceriam.<EM>

Na comparação com outros países, quais os principais pontos positivos e negativos do estilo de gestão do empresariado brasileiro?
Apesar das organizações de todos os tamanhos terem elementos comuns, há diferenças nítidas. Lá fora existe uma preparação maior, um nível de planejamento e detalhamento melhor do que o nosso. Mas, obviamente, há exceções. O brasileiro tem uma flexibilidade e capacidade de lidar com culturas diferentes que é muito grande. As multinacionais, por exemplo, precisam de diretorias de diversidade quando vêm para o Brasil e, para nós, ter um setor para fazer essa adaptação é algo que nem faz sentido. No mundo globalizado, quando os fluxo de pessoas de fato for globalizado, esse tipo de capacidade de relacionamento que o brasileiro tem vai ser um diferencial competitivo.<EM>

A gestão dos executivos brasileiros está em pé de igualdade com o nível internacional?
Acho que ainda temos traços muito emocionais e dificuldade de lidar com hierarquia, além da barreira da língua e uma economia que ainda é muito fechada. Temos multinacionais em que as unidades brasileiras são as melhores do mundo, mas são exceções. Mas somos bem vistos lá fora. Para eles, as instituições brasileiras são fortes porque estamos dando conta de passar por uma crise seríssima sem uma desordem social ou uma guerra civil.

Os escândalos de corrupção recentes no Brasil estão mostrando que o país vai precisar fazer mudanças profundas no seu modelo de gestão pública. Na sua avaliação, que tipo de mudança será imprescindível?
O sistema capitalista em que vivemos é um sistema em que a questão da eficiência, da produtividade e performance é levado às últimas consequências. Todas as empresas e governos são voltados pra isso e acho que esse é um ponto que precisa ser questionado. Nós precisamos ser menos escravos da perfomance e mais agentes do progresso. E nesse ponto os modelos de negócio, o próprio modelo econômico e a interação entre as organizações trazem a emergência de líderes que pensem com uma nova ética. É um limiar onde há pequenas rupturas e o Brasil vive isso intensamente agora. A relação produtiva público-privada está muito desgastada. Isso precisa ser refundado. Acho que a corrupção não vai acabar. Onde houver a relação entre homens haverá comportamentos adversos. Mas isso pode ser reduzido drasticamente e ter limites. Não estou sendo pessimista, mas sim realista.

Mas em termos práticos, como encontrar a saída para esse problema?
A saída é ampla. É preciso que a sociedade tenha voz, que a imprensa se manifeste, que a polícia investigue, que o judiciário prenda. Mas são passos lentos. Não haverá um novo modelo de hoje para amanhã. Acho que uma revisão das leis é um avanço muito expressivo. São necessárias reformas que se somem umas as outras e tenho uma visão otimista. Nunca se discutiu tanta política no Brasil e isso é uma ótima tomada de consciência. Aos poucos, acho que estamos evoluindo. Apesar de me entristecer com tantos acontecimentos ruins, leio a situação de forma positiva.

O que muda na fundação com a sua gestão? Quais são as novidades e planos a partir de agora?
Já foram 40 anos de muito trabalho e o grande desafio é pensar os próximos 40. Queremos posicionar a instituição como protagonista na discussão de temas de interesse para a sociedade. Queremos desenvolver lideres, não só empresariais, mas sociais e, quem sabe, políticos. Pessoas que sejam capazes de mudar a sociedade. Todo nosso portfólio de programas e de temas será renovado. Haverá mudanças em todas as áreas. Temos a dimensão da internacionalização e queremos reforçar esse papel. Jogar um jogo global. Não queremos ser uma cópia pálida de uma instituição internacional, mas sim uma escola brasileira com padrão global, falando do Brasil para o mundo e do mundo para o Brasil. Temos profissionais pensadores de alto gabarito. Estamos vendo um movimento de integração dos conhecimentos do mundo.

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