'Alta na energia para indústria fatalmente chega ao consumidor', diz Tânia Santos, gerente da Fiemg

Maria Amélia Ávila
mvarginha@hojeemdia.com.br
03/09/2021 às 18:35.
Atualizado em 05/12/2021 às 05:49
 (Maurício Vieira)

(Maurício Vieira)

A crise hídrica que o Brasil atravessa não só elevou os custos da energia elétrica, pressionando a economia e turbinando a inflação. A escassez de água, com reservatórios cada vez mais baixos, sobretudo no Sudeste e no Centro-Oeste, também tem sido objeto de polêmica. Nem todos os especialistas em energia concordam, por exemplo, com o governo federal, para o qual ainda não haveria risco de racionamento no país. 

Apesar de o ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque, descartar seguidamente tal possibilidade, a gerente de Energia da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), Tânia Mara Santos, é uma das muitas vozes que não compartilham totalmente de tal visão. 

Tânia acredita que o perigo de racionamento é justificado. Para ela, contudo, tudo vai depender do volume de chuvas a partir do início da temporada de precipitações, agora em setembro.

O país passa por um momento crítico em relação à escassez de água nos reservatórios com reflexo na geração de energia. Como você analisa esse cenário?

A gente sabe que sem água não existe energia. Nós estamos em uma região que é caixa d’água do sistema elétrico. Estamos vivenciando a pior crise do século, com níveis alarmantes, com nível dos reservatórios inferior ao de 2001, ano do racionamento de energia.

'Segundo o governo, quem diminuir o consumo entre setembro e dezembro em, no mínimo, 10% sobre o mesmo período de 2020, vai ganhar um bônus. O desconto será de R$0,50 por cada quilowatt-hora (kWh) economizado'

O governo federal insiste que não há risco de racionamento desta vez. A senhora concorda?

Nós esperamos que não haja racionamento. O racionamento depende da média da chuva deste ano e março de 2022. Nesse sentido, a Federação das Indústrias enviou diversas contribuições para o Ministério de Minas e Energia no sentido de que a indústria reduza voluntariamente a sua carga para fazer adesão a esse movimento porque é interesse da sociedade que a gente passe por essa crise sem que haja um novo racionamento. Estamos fazendo esse movimento da Redução Voluntária de Demanda de Energia Elétrica (RVD).

Como vai funcionar?

Esse programa é para os grandes consumidores, que vão poder deslocar os turnos de seu consumo. No horário de pico do sistema, que ocorre no período da tarde e início da noite, a indústria pode se programar para reduzir a sua carga e produzir no período da madrugada, por exemplo. Isso vai gerar um custo para a indústria, porém o governo dará uma bonificação para aquelas que aderirem ao programa. Nesse primeiro momento serão aceitas as indústrias de maior porte, com 5 mil kw/h, os consumidores livres, os agentes agregadores, os consumidores modelados sob agentes varejistas e os denominados consumidores parcialmente livres. Uma semana antes de modificar a sua forma de operação, a indústria deve informar ao Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) que está aderindo ao programa e que terá modificações em determinados dias da semana, com uma previsão da redução no consumo de energia e por quanto tempo essa mudança será mantida. Com isso, o ONS vai informar a indústria qual será o valor da tarifa naquele horário.

"O brasileiro já está sentindo no bolso esse repasse (do aumento do custo de geração de energia) por meio das bandeiras tarifárias que vêm em nossas contas de luz"

Então, a indústria só vai aderir ao programa após saber o valor da tarifa, ou seja, se vale ou não a pena?

Exatamente. A indústria vai avaliar se vale a pena ou não ter um custo adicional com as mudanças de turno nos seus processos produtivos. Se não tem água, tem menos energia elétrica gerada, porque a água é usada na usina hidrelétrica para produzir energia e a água também tem os seus usos múltiplos. A medida tem caráter excepcional e temporário e é um estímulo do governo à indústria para diminuir a pressão sobre o Sistema Interligado Nacional (SIN).

E o que a Fiemg está fazendo nesse sentido?

A Fiemg começou uma campanha para alertar sobre a crise hídrica e o risco do racionamento de energia. Começamos em agosto o trabalho de conscientização, porque a energia mais cara é aquela que a gente não tem. Então, é necessário estar consciente que é preciso desligar as lâmpadas e os equipamentos que não estão sendo utilizados nas residências. A campanha não é só para as indústrias participarem, mas para toda a sociedade. Essa conscientização deve ser geral. Em relação às indústrias, a questão da eficiência energética é uma campanha de ato contínuo da Fiemg, via Senai e através dos treinamentos e dos diagnósticos nas empresas. Incentivamos também o reuso da água. Todos os processos produtivos têm a energia elétrica, a água e outros insumos. A Fiemg tem um trabalho conjunto com Senai, Gerência de Meio Ambiente e Assessoria de Energia. Todos estão aptos a dar consultoria para que as indústrias tomem as melhores decisões e tenham os melhores resultados na questão energética.

'Começamos, em agosto, uma campanha de conscientização, porque energia mais cara é aquela que a gente não tem. Então, é necessário desligar as lâmpadas e os equipamentos que não estão sendo utilizados nas residências'

E em relação aos consumidores pequenos, como os residenciais e o próprio comércio?

A Fiemg encaminhou algumas sugestões ao Ministério das Minas e Energia e, na semana passada, foram divulgadas regras para esses consumidores. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e o ministério anunciaram a criação de um programa para estimular os consumidores a diminuir o consumo. Quem diminuir o consumo de energia entre setembro e dezembro em, no mínimo, 10% em relação ao mesmo período de 2020 vai ganhar um bônus. O desconto será de R$0,50 por cada quilowatt-hora (kWh) do volume de energia economizado dentro da meta de 10% a 20%. Quem economizar menos que 10% não receberá bônus, e quem economizar mais que 20% não receberá prêmio adicional.

'Só para entendimento, 50% do custo do leite são referentes a energia; 32% do custo do frango é energia; 34% do custo da carne é energia e 1/4 do preço do cimento é energia'

Com a energia mais cara, com certeza as indústrias vão fazer esse repasse ao consumidor. A Fiemg já tem uma projeção de quanto será esse repasse?

O brasileiro já está sentindo no bolso esse repasse por meio das bandeiras tarifárias que vêm em nossas contas de luz, desde junho o país está na bandeira vermelha 2. Isso significa que o custo da energia gerada para acender a iluminação e os equipamentos em casa já está nessa bandeira desde junho. O Brasil está operando com termelétricas desde outubro do ano passado, diminuiu um pouco em janeiro, em abril já começou a ser cobrada a bandeira amarela e em junho passou para o patamar 2. O custo de R$6 por cada 100 kWh consumidos a mais passou para R$9,49. Na semana passada, a Aneel anunciou a criação de uma nova bandeira tarifária na conta de luz, chamada de bandeira de escassez hídrica. A taxa extra será de R$14,20 para cada 100 kilowatt-hora (kWh) consumidos. Esse valor entrou em vigor no dia 1o de setembro e vai até abril do ano que vem. Por isso é preciso economizar porque se a população continuar desperdiçando energia vai faltar mesmo. A tarifa sinaliza quanto custa para operar o sistema para entregar energia para a população em geral. A intenção do governo federal é que a população economize, consumindo menos energia. Isso tudo porque o país já está usando as termelétricas. A energia gerada pelas termelétricas é mais cara do que a gerada pelas hidrelétricas. O Ministério de Minas e Energia já aumentou a estimativa do custo em relação ao uso das usinas termelétricas neste ano para R$13,1 bilhões, isso representa 45% de aumento em relação à estimativa anterior, informada em junho, que previa custo de R$9 bilhões. Só para se ter uma ideia, o custo de geração de energia em uma hidrelétrica é de R$180 o megawatt-hora (MWh), com as termelétricas, o custo chega a R$2.500 o MWh.

A energia representa cerca de 20% do custo total de um produto para o consumidor. Como será esse cálculo com esses aumentos? O consumidor já está sentindo no bolso o aumento da energia e ainda vai pagar mais pelos produtos?

É isso mesmo. Só para entendimento, 50% do custo do leite são referentes a energia; 32% do custo do frango é energia; 34% do custo da carne é energia e 1/4 do preço do cimento é energia. Se o custo aumenta na produção desses produtos, fatalmente vai ser repassado para o consumidor final. Em média, 20% do custo da energia para a indústria é energia, mas à medida que esse custo aumenta tanto, tudo isso vai direto para o bolso do consumidor. 

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