Endocrinologista alerta para o aumento da obesidade durante a pandemia de Covid-19

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
20/12/2020 às 15:51.
Atualizado em 27/10/2021 às 05:21
 (Maurício Vieira)

(Maurício Vieira)

Presidente da regional Minas Gerais da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, Adauto Versiani observa que a saúde da população, ao final da pandemia, dependerá de como as pessoas enxergam a situação, usando o exemplo do copo com água pela metade. “Se virmos que ele está meio cheio, é um sinal positivo. Podemos aproveitar o isolamento social para pôr em prática uma alimentação saudável e fazer atividade física. Assim que a pandemia acabar, vamos estar com a saúde em dia”, registra.

Mas se as pessoas enxergarem com pessimismo, avaliando que o copo está meio vazio, “vamos descontar na comida, engordar e piorar a saúde”, completou. Resultado: “ao final das contas, quando puder sair, não poderá fazer isso por estar gordo e com doenças descontroladas”.

Nesta conversa com o Hoje em Dia, Versiani alerta para a alta taxa de diabéticos no Brasil, provocada por uma alimentação baseada no modelo americano, e para os índices de obesidade, entre os maiores do mundo. A maior letalidade do Covid-19 está ligada a estes dois casos.

Um dos grupos mais vulneráveis ao coronavírus são os portadores de diabetes e, no Brasil, a preocupação é dobrada devido ao grande número de pessoas com esta enfermidade, ocupando a quinta colocação no mundo. Qual é a razão para termos uma alta taxa de diabéticos?

O Brasil tem um quarto da população já na faixa de obesidade e mais da metade está na de sobrepeso. Isso vai muito em função da alimentação, que segue o padrão do americano. Aumentou-se muito o consumo de comida pronta, de fast food. A gente está vivendo uma fase de correria, de muito estresse, sem tempo para sentar à mesa e se alimentar com calma. A alimentação já pronta tem um alto teor de gordura e é mais industrializada. Além disso, estamos tendo menos tempo e segurança para praticar atividade física na rua. E aí a válvula de escape acaba sendo a comida. O que a gente vê é a população como um todo ganhando peso. Não só os adultos, mas também as crianças. À medida que vamos aumentando de peso, aumenta-se o risco de doenças, como o diabetes do tipo 2. Cerca de 7% da população tem diabetes. No caso das pessoas acima de 65 anos, esta porcentagem sobe para 10%. Se forem obesas, podem chegar até a 15%.

Estes números são muito altos se compararmos com outros países?

Sim, e eles vêm aumentando nos últimos anos. A gente só perde para a Índia e para a China em percentual. Em relação aos países europeus e aos da América do Sul, temos a maior taxa tanto de obesidade quanto de diabetes.

Qual seria o caminho para reverter este aumento?

A gente só conseguiria reverter isso por meio da educação, buscando uma alimentação mais saudável, em que estivessem presentes as verduras, os legumes, as frutas e as carnes menos processadas, como frango e peixe. Além da atividade física, que pode ser feita desde a infância. Tomar menos suco e refrigerante e beber mais água. No lugar do suco, você pode comer a fruta. Não há muito mistério. O importante é evitar os alimentos com a gordura trans. No caso dos estudantes, diminuir os biscoitos recheados e levar frutas.

As pessoas geralmente sabem quais os alimentos mais saudáveis, mas o comportamento do brasileiro aponta para outro caminho. Por que é tão difícil mudar?

O governo poderia estimular as escolas a terem uma alimentação mais saudável e taxar os produtos “industrializados”, os que têm maior teor de sal, gordura e açúcar. Mas aí tem a questão política, né? O gasto nestes programas de incentivo pode ser compensado com uma população mais magra e com menos doenças cardiovasculares no futuro. Uma criança obesa tem 20% de chances <CW0>de ser um adulto obeso. No caso dos adolescentes, 40%. Se a pessoa chega à fase adulta obesa, ela tem quase 60% de chance de continuar obesa. A criança obesa tem 50% de possibilidade de ter uma doença cardiovascular na fase adulta. Mais chances de infarto, de derrame, de hipertensão, de colesterol alto... Às vezes é um gasto hoje para uma economia amanhã. O problema é que os políticos querem o resultado na mesma época, sem mostrar uma ideia de prevenção.

Já temos dados consolidados sobre o impacto da Covid-19 no número de casos e óbitos entre os que têm diabetes?

Nós vimos estes dados de estudos da população primeiramente na China e na Itália, em que se foi confirmado que a população abaixo de 65 anos tem como pior fator de risco a obesidade. E entre os que têm acima de 65 anos, o pior fator de risco, além da idade, é o diabetes, principalmente o diabetes descompensado, em que a hemoglobina glicada está muito alta.

No ano do centenário da invenção da insulina, responsável por diminuir a mortalidade por diabetes no mundo, Belo Horizonte receberá, em novembro de 2021, o Congresso Brasileiro de Diabetes

Com as pessoas permanecendo em casa devido ao distanciamento social, houve uma diminuição de interesse na continuidade dos tratamentos na área de endocrinologia?

É um vírus que está no mundo inteiro e, para ele parar de circular, precisaríamos de 70% da população acometida. Se eu ficar isolado dentro de casa, não vou ter o vírus, mas, por outro lado, nunca vou ter imunidade. Só irei tê-la (a imunidade) quando vier a vacina. Sem a vacina, levaríamos três anos para atingir estes 70%. Alguns tratamentos de saúde, como a prevenção do câncer de mama e de próstata e os exames anuais de check-up, além do acompanhamento de hipertensão e colesterol, são muito importantes para manter a qualidade de vida. Já que não tenho a vacina, para eu desenvolver a doença depende de um tripé: a letalidade do vírus, que a gente já sabe; uma baixa imunidade, que eu conseguiria contornar com uma alimentação saudável e atividade física; e, por último, a carga viral. Neste caso, o problema é que a gente não vê o vírus. Então a gente tem que dar uma olhadinha para os hospitais – se eles começarem a ficar cheios, é sinal de que a carga viral no ambiente está muito alta. É a hora de se fazer isolamento, para esperar a poeira baixar. Na hora que começarem a ficar vazios, posso ter abertura e sair de casa, desde que eu saia com segurança, usando máscara, lavando as mãos e evitando aglomeração. Desta maneira, eu posso até ter contato com o vírus, mas terá uma carga viral tão pequena que não será suficiente para eu desenvolver a doença. Mas talvez seja suficiente para que meu sistema imunológico reconheça o vírus e comece a produzir algum anticorpo. Temos que fazer este balanceamento. Depois da eleição, nós vimos um aumento do número de internações nos hospitais, seja nos prontos-socorros e enfermarias, seja no CTI. É hora de o pessoal dar uma acalmada e ficar um pouquinho mais dentro de casa para ver se esta taxa de transmissibilidade volte a cair. E, ao invés de sair para um barzinho, vou à consulta com um médico, ver como está a minha saúde.

Outra doença na área da endocrinologia que preocupa são aquelas relacionadas à tireoide: 15% da população sofre deste mal. É também um número alto se compararmos com outros países?

A tireoide é uma glândula que produz os hormônios T3 e T4, que determinam a velocidade com que as células do corpo vão trabalhar. Se tiver hormônio demais, irá trabalhar de forma acelerada. Menos hormônios, o trabalho será lento. Nenhum dos dois casos é bom. O ideal é que trabalhe no ritmo adequado. A grande maioria das doenças tireoidianas não está relacionada a hábitos de vida, ao ganho de peso ou sedentarismo. Deve-se a doenças autoimunes ou ao surgimento de doenças nodulares. Esta taxa de incidência é mais ou menos a mesma de outras populações. Uma vez suspeitada, o seu médico de confiança irá apalpar a tireoide para verificar se há alguma alteração na morfologia da glândula. Na presença de algum sintoma, fazer uma avaliação laboratorial para perceber se houve alguma disfunção para que seja prontamente reparada.

Com a pandemia, o Congresso Mineiro de Endocrinologia foi realizado de forma on-line, o que, segundo Versiani, proporcionou uma maior democratização do conhecimento, atingindo médicos de várias regiões

Há muitos equívocos sobre o que é colesterol, ligando-o geralmente a algo prejudicial à saúde. Qual é a diferença entre colesterol bom e ruim?

O colesterol é uma gordura que temos que é importante. A gente precisa de colesterol para produzir hormônio para testosterona, estradiol, entre outros. A matéria-prima para este tipo de hormônio é o colesterol. A gente também precisa dele para a formação do suco biliar, que faz a emulsificação das gorduras, para que possamos absorver as vitaminas lipossolúveis, e para a formação das membranas de nossas células. Colesterol é salutar. O problema é ele estar acima dos níveis preconizados. Temos dois tipos mais comuns de colesterol, o que chamamos de bom, o HDL, e o que chamamos de ruim, o LDL. Este último tira a gordura do fígado e a joga nas artérias, levando-as ao entupimento. O HDL faz o caminho contrário. Ele retira o colesterol das artérias e o leva para o fígado para ser eliminado. Quanto mais colesterol bom eu tiver e menos colesterol ruim eu tiver, menor é meu risco cardiovascular. Algumas pessoas têm o colesterol alto por má prática alimentar, consumindo mais gordura do que consegue metabolizar, fazendo com que ela acumule no organismo e seja depositada nos vasos arteriais. Pode dar um infarto ou derrame. Outras pessoas têm uma alimentação super saudável e, mesmo assim, têm o colesterol ruim elevado. O que acontece nestes casos é que geralmente há um histórico familiar, sendo relacionado a um problema genético. Nesta situação, usa-se um remédio, chamado estatina, que corrige este defeito genético, fazendo o colesterol ser um reflexo do meu comportamento alimentar. Não adianta tomar o remédio e ter uma alimentação errada.

  

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